70 anos de nascimento e 42 de morte de Soledad Barrett Viedma, por Mara L. Baraúna

70 anos de nascimento e 42 de morte de Soledad Barrett Viedma

Por Mara L. Baraúna

Soledad Barrett Viedma (Paraguai, 6 de janeiro de 1945 – Paulista, PE, 7 de janeiro de 1973)

Nascida no Paraguai e tida como mulher de rara beleza, Soledad era filha de Alexander Barrett Rafael López, o único filho do grande escritor, jornalista, intelectual e líder anarquista, nascido na Espanha, Rafael Barrett, que chegou ao país em 1904 e deixou uma marca nas lutas sociais de uma época. Tanto o pai quanto o avô foram perseguidos por suas ideias políticas. “O nome de Soledad refletiu a ausência de nosso pai, perseguido por causa da sua política, bem como nosso avô”, disse Nanny, sua irmã.

Assim, quando Soledad tinha apenas três meses de idade, a família fugiu para a Argentina, onde viveu cinco anos, em quatro dos quais o pai esteve preso ou foi perseguido, tanto pela polícia paraguaia quanto pela argentina.

Com frequência, mudavam de um país a outro para escapar de problemas políticos. Onde chegavam, a pequena Soledad se destacava. Ela era uma criatura formosa, de cabelos cor de ouro, macios e longos, pele branca e sobrancelhas de cor castanha escuro quase negra. À medida que crescia, Soledad também passou a se destacar em manifestações políticas. Soledad tinha despertado a sensibilidade social e política muito cedo, desde a adolescência. Ela foi incapaz de escapar dos genes revolucionários de seu avô e seu pai.

Aos 17 anos, ela se tornou alvo de um atentado quando a família morava em Montevidéu, no Uruguai governado por um Conselho Nacional que abolira o cargo de presidente. Na noite de 1º de julho de 1962, no auge de uma série de atentados a comunistas e judeus, Soledad foi sequestrada por quatro homens. Enquanto circulavam de carro pela cidade, os sequestradores não pouparam golpes na tentativa de obrigá-la a repetir frases de louvor a Adolf Hitler. Por ter se negado, os raptores gravaram em suas pernas, com uma navalha, a cruz gamada, símbolo do nazismo.

Fotografias das marcas hoje integram o acervo do Museu da Memória do Uruguai. Damaris, a operária brasileira que anos depois assumiria Ñasaindy como filha, lembra que Soledad não costumava exibir as suásticas: “Eu nunca vi, mas sabia que existiam”.

Começou assim um ciclo de perseguições e prisões mostrando que, para a polícia uruguaia, Soledad passou de vítima à culpada. Ela decidiu deixar o país e seguiu para Cuba, onde conheceu o exilado brasileiro José Maria Ferreira de Araújo – militante da VPR conhecido como Arariboia ou Ariboia, desaparecido no Brasil em 1970 –, com quem se casou e teve uma filha, Nasaindy de Araújo Barrett. Ele retornou ao Brasil e ela acabou por vir um ano mais tarde. Pouco depois de chegar, soube que José María tinha sido capturado e morto. Soledad  encontrou em sua morte mais uma razão para continuar a luta contra as ditaduras que dominavam os países latino-americanos.

Na vida de Soledad cruza cabo Anselmo, que era amigo e companheiro de José Maria, que também havia sido um marinheiro e tinha participado nas revoltas no Rio de Janeiro. 

Ao longo do tempo, as suas vidas se aproximando e ele acaba se tornando o novo companheiro de Soledad. Cabo Anselmo é apontado como um dos líderes do protesto dos marinheiros em 1964. Integrou o movimento de resistência à ditadura nos anos 1960 e, na década de 1970, atuou como colaborador do regime militar. Ele era um infiltrado, um agente policial. Não há dúvida (e ele próprio confessou), que desde 1971 colaborava com os mais sangrentos grupos de repressão. E trabalhava com uma terrível eficiência, porque ninguém poderia desconfiar do prestigioso líder dos marinheiros.

É difícil aceitar que alguém poderia chegar a tal nível de desumanidade e maldade como denunciar sistematicamente, por quase dois anos, dezenas, talvez centenas, de companheiros, o que significava entregá-los à tortura e à morte.

Mas Anselmo foi ainda mais longe e completou a sua miserável traição entregando o esconderijo dos membros do grupo do qual ele fazia parte infiltrado, uma chácara no loteamento São Bento, no município de Paulista, em Pernambuco. Junto com outros companheiros, Eudaldo Gomes da Silva, Pauline Reichstul, Evaldo Luís Ferreira de Souza, Jarbas Pereira Marques e José Manoel da Silva, estava Soledad. São torturados e mortos pelo delegado Sérgio Paranhos do DOPS Paulista, amigo de Erasmo Dias que faleceu sem responder a um processo sequer. O episódio ficou conhecido como “massacre da chácara São Bento”.

A versão oficial foi a de um “tiroteio”, em 8 de janeiro de 1973. No tiroteio entre a polícia e um grupo de sete rebeldes, teriam disparado dezoito tiros, sem acertar um só. Receberam 26, catorze na cabeça, o que evidenciaria mortes por execução. Seis deles foram mortos e um tinha escapado. Aquele que supostamente teria escapado era Anselmo e através desse estratagema, a polícia esperava continuar usando seus serviços. Não ajudou muito, porque a traição foi exposta e Anselmo, um dos personagens mais detestados dos anos de chumbo, foi forçado a desfigurar o rosto para evitar ser reconhecido e viveu escondido.

O jornalista Elio Gaspari, em “A ditadura escancarada”, classifica o episódio como “uma das maiores e mais cruéis chacinas da ditadura”. Segundo a versão do jornalista, os militantes foram capturados em ao menos quatro pontos distintos do Recife, torturados e depois levados até a chácara.

Fontes consultadas: 

Árbol Genealógico de Rafael Barrett 

Soledad, a mulher do Cabo Anselmo 

Soledad no Recife, livro de Urariano Mota 

Soledad Barrett Viedma (1945 – 1973), por Coletivo de Mulheres Violeta Parra 

Soledad Barrett Viedma, por Fundação Maurício Grabois 

Soledad Barrett Viedma, por Memórias da Ditadura

Soledad Barrett Viedma, vítima ou duas vezes culpada?

Cabo Anselmo: autópsia de uma traição, por Augusto Buonicore

Comissão da Verdade de Pernambuco articula convocação de delegado de São Paulo, por Tércio Amaral 

Literatura e Autoritarismo: Soledad no Recife. Capítulo 10, por Urariano Mota  

Livro do jornalista Luiz Felipe Campos detalha chacina na ditadura, por Débora Duque

Nesta foto tinha um pai, por Luiza Villaméa 

Sobrevivente da “Chacina da Chácara de São Bento” reaparece e faz novas revelações sobre o caso. (Parte 1) 

Sobrevivente da “Chacina da Chácara de São Bento” reaparece e faz novas revelações sobre o caso. (Parte 2)

** não achei a parte 3

Sobrevivente da “Chacina da Chácara de São Bento” reaparece e revela fatos novos sobre o caso (Parte 4) 

Sobrevivente da “Chacina da Chácara de São Bento” reaparece e faz novas revelações sobre o caso. (Parte final) 

La última revolución de Soledad Barrett, por Andrés Colmán Gutiérrez 

Vídeos:

https://www.youtube.com/watch?v=OE1Yuaj8buY height:394]

https://www.youtube.com/watch?v=2k7oJQkQdg8 height:394]

[video:https://www.youtube.com/watch?v=oiCnHj40yOc height:394

[video:https://www.youtube.com/watch?v=tabetNHIeUs height:394

Redação

13 Comentários

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  1. Mara, parabéns

    pela lembrança daqueles tempos tenebrosos e de suas muitas vítmas como Soledad, para alguns comentaristas do blog que ainda defendem e áqueles que foram às ruas ´pedindo a volta da ditadura refletirem sobre suas escolhas..

  2. Não há,  na  História do

    Não há,  na  História do Brasil,    figura mais repulsiva do que o Cabo Anselmo. Pior que o Fleury e asseclas.

    1. Mello, se vc se destituir de

      Mello, se vc se destituir de tuas idelogias baratas ventidas na padaria da esquina, vc entenderá  que Cabo Anselmo é tão infame como o comunista Luis Carlos Prestes e o trabalhista Getúlio Vargas entegaram Olga Benário (GRÁVIDA) aos nazistas. 
      E Luis Carlos Prestes, executor fornal da adolescente Elza Fernndes…

       

      1. Covarde e rancoroso, nem Free nem Walker, BundaMole.

        Free Walker, ou em tradução livre, Imbecil Acorrentado, o assassinato dessa moça pelo grupo de Luiz Carlos Prestes deu-se num momento de desespero. Se ela entregasse mais alguém, mais mortes haveria. Você é um perfeito canalha por querer comparar situações não comparáveis.

        Sérgio Fernando Paranhos Fleury era traficante e viciado em drogas, ladrão e torturador e covarde. Tinha quase um metro e noventa e jamais enfrentou no mano a mano nem o mais franzino dos guerrilheiros. Só os encarava quando estavam amarrados na cadeira de dragão e tinha todo o tempo do mundo para torturar e assassinar os presos políticos. Sabe quem ficou com os milhões de dólares do Banco do Brasil desviados pelo Bom Burguês? Exatamente, Sérgio Fleury. Recebeu o dinheiro pois sequestrou a família do Bom Burguês e só a devolveria viva se ficasse com o dinheiro. Ele e seus asseclas do finado CENIMAR (Centro de Informações da Marinha) estiveram em Portugal para roubar o dinheiro do Bom Burguês mediante chantagem.

        Esses covardes e ladrões são seus heróis e você não vale a comida que come. Arreda daí, paspalhão. E não sabendo do que se trata, para não dizer besteiras, seu torturador covarde e imbecil, porque acabou pobre e os milicos ficaram ricos, os filhos e netos dos milicos hoje são grandes banqueiros e industriais, e você um zé mané aposentado contando os centavos para pagar os remédios. Cale-se, cálice, cale-se!

  3. A Hipocrisia no Estado Maior do Partido….

    E  inguém lembra de Elvira Cupelo Colônio, codinoe Elza Fernandes, a  adolescente justiçada* pelos comunistas de Luis Carlos Prestes.

    * na esquerda justiçamento é pegar um fio de cobre bastante resistente, botar no pecoço da jovem comunista e enforca-la até a morte. 

    Depois do horror é só dizer aos militantes que era para o bem da causa…

     

    1. Va enfiar Carlos Prestes no

      Va enfiar Carlos Prestes no olho do rabo, cara!

      Que merda eh essa agora?!?!?!

      Alguem sabe o assunto, pelo menos?

  4. Soledad no Recife

    O trabalho de Mara L. Baraúna é tão bom, oportuno e necessário,  que é meu dever saudar a recuperação que ela realiza no dia da morte de Soledad. Nada de reparosou emendas. 

    Em atenção a ela, ao Nassif, aos leitores amigos, deixo alguns parágrafos do livro Soledad no Recife: 

    “Pesquisadores já escreveram que, de um ponto de vista genético, todos temos significativa herança dos avós. Mas Soledad, mais que uma herança genética, era filha do seu avô. Em espírito e vida, era filha do escritor Rafael Barrett. Isso dito assim, escrito nessa frase, é informação que nada explica nem permanece. Porque é necessário que se diga, mais que se informe, que o escritor Rafael Barrett era um homem anarquista, um intelectual anarquista do começo do século XX, e mais, e aqui nos aproximamos do destino de Soledad. Rafael Barrett era, é um escritor poderoso, um artista dos incomuns, dos que fazem obra com o seu pensamento e vísceras.

     

    Falecido aos 34 anos, em 1910, foi um espanhol que amou o povo paraguaio com uma dedicação apaixonada, louca, universal, com os olhos críticos contra a podre sociedade de então. Mas tudo que acabo de dizer soa como retórica, como oco panegírico, se não transcrevemos palavras suas, para notar em quê esse escritor era mesmo tão bom, fecundo, adivinhatório. “Às vezes é necessário um motim para restabelecer a ordem”, esclarecia. Rafael Barrett poderia ser um humorista, com o seu brilho para o paradoxo, se não tivesse os pés metidos no charco, no Chaco, urgente. Ele parecia ter a consciência clara do quanto os seus curtos dias punham a sua vida no urgente. Nele há pensamentos que, dirigidos aos paraguaios, atingem os paraguaios de todos os países do mundo. “Enquanto a dor não te queime as entranhas, enquanto um dia de fome e abandono – pelo menos um dia – não te vomite para a vasta humanidade, não a compreenderás”.

     

    E como um chamamento, profético, seguido por Soledad Barrett, hoje vemos: “Preparem suas crianças para que vivam e morram sem medo”. Quando adentramos o espírito de Rafael, quanto mais o pesquisamos, mais ficamos em espanto com a solene descoberta, solene porque não só grave, mas séria: Soledad Barrett encarnou o mundo de palavras desse gênio. Ainda que passemos ao largo de estranhos acasos, estranhos para não dizê-los impressionantes, acasos, para não dizer coincidências, como os dias de nascimento de Rafael e morte de Soledad, 7 de janeiro de 1876 e 7 de janeiro de 1973, um dia depois do  aniversário de Sol em 6 de janeiro, ainda assim há na formação e últimos instantes de Soledad uma encarnação das palavras de Rafael Barrett: “Por isso o mais forte do homem é uma idéia que não se curva”.

     

    Parece-nos, quando o filme retorna à posição do corpo de Soledad no necrotério, uma fé, concreta e tangível e indubitável, no valor das palavras, nas consequências da palavra, como um vigor realizado que descobre e faz crescer pensamento. Um pensamento que foi até o sangue, real, doloroso, até a derradeira expressão, quase diria, mas que não é derradeira, porque é da natureza do pensamento a frutificação”. 

     

     

       

  5. Obrigada Mara
    Obrigada Mara.
    Obrigada Urariano
    Va para o diabo que te carregue free walker junto com o MALDITO anselmo

    De Soledad no hay lo que decir solo lo que llorar

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