A arquitetura de São Paulo por três mulheres

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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MASP
 
Jornal GGN – Lina Bo Bardi, Tomie Ohtake e Rosa Kliass foram três dos principais nomes para a arquitetura e paisagens que formam a cidade de São Paulo. Não tanto conhecidas para os aportes arquitetônicos como homens, entre eles Oscar Niemeyer e Roberto Burle Marx, a arquiteta, a artista plástica e a urbanista foram mulheres essenciais em obras cartões postais e espaços públicos da capital.
 
E não foi apenas do ponto de vista do urbanismo que as três formaram a cidade. “Tomie Ohtake, de origem japonesa, nasceu em Quioto em 1913, naturalizou-se brasileira e faleceu em São Paulo em 2015. Lina Bo Bardi, nasceu em Roma em 1914, naturalizou-se brasileira em morreu em São Paulo em 1992. Rosa Grena Kliass, nascida em São Roque e formada em 1955 na FAU – USP, é uma representante da comunidade judaica. As três formam, portanto, um trio que representa muito da história e cultura paulistana”, resumiu a especialista Ana Gabriela Godinho Lima.
 
Lima é professora do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie e ressalta que as obras das três podem ser vistas em construções caracterizadas pela academia como “excepcionais”, entre elas a construção do MASP, as esculturas de aço carbono na Avenida Paulista, no Edifício Berrini, o Conjunto arquitetônico do SESC Pompéia, a Casa de Vidro, o Parque da Junvetude, etc.
 
 
Por Lais Modelli
 
Da BBC Brasil
 

O paisagismo e a arquitetura brasileiros costumam ser lembrados pelo trabalho de homens como Oscar Niemeyer (1907 – 2012) e Roberto Burle Marx (1909 – 1994). Muitas mulheres, contudo, ajudaram a desenhar prédios, lugares e paisagens mundialmente famosos, como o MASP – Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand – um dos principais cartões postais da capital paulista.

“As mulheres no Brasil, à semelhança do que ocorreu em toda a América Latina, começam a contribuir mais efetivamente para a arquitetura em torno da década de 1940. Na maior parte das vezes, atuaram em parceria com seus colegas homens, mas essa contribuição é pouco conhecida porque os nomes delas foram omitidos ou desconsiderados na atribuição da autoria dos projetos”, explica a professora do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Ana Gabriela Godinho Lima.

Em São Paulo, maior cidade da América Latina, três mulheres ajudaram a projetar os principais espaços públicos: a arquiteta Lina Bo Bardi, a artista plástica Tomie Ohtake e a urbanista Rosa Kliass.

“A força plástica da presença das obras de Tomie Ohtake e Lina Bo Bardi em São Paulo, somadas aos projetos paisagísticos de Rosa Kliass, formam um roteiro maravilhoso da história da cidade de São Paulo”, explica Lima.

Vale do Anhangabaú

GABRIEL GRESPAN – Painel da Ladeira da Memória, no Vale do Anhangabaú, no centro de São Paulo

Além da importância do ponto de vista da arquitetura e urbanismo, a pesquisadora afirma que estas três mulheres e suas obras ajudam a descrever a diversidade cultural de São Paulo.

“Tomie Ohtake, de origem japonesa, nasceu em Quioto em 1913, naturalizou-se brasileira e faleceu em São Paulo em 2015. Lina Bo Bardi, nasceu em Roma em 1914, naturalizou-se brasileira em morreu em São Paulo em 1992. Rosa Grena Kliass, nascida em São Roque e formada em 1955 na FAU – USP, é uma representante da comunidade judaica. As três formam, portanto, um trio que representa muito da história e cultura paulistana”, conta.

Escultura de Tomie Othake

GABRIEL GRESPAN – Escultura vermelha e prata da Av Paulista. Em aço carbono, a escultura mede 8,5m de altura e pesa 7 toneladas.

Mulheres “excepcionais”

Lima explica que profissionais que ganharam protagonismo na projeção de construções públicas, como a arquiteta Lima Bo Bardi – que se tornou um marco internacional na arquitetura de museus com a construção do MASP – foram chamadas pela academia como “excepcionais”.

“O papel de ‘arquiteta excepcional’ foi identificado em primeiro lugar pela pesquisadora americana Gwendolyn Wright e dá conta de explicar como essas mulheres, à custa de renúncias pessoais, como a constituição de uma família, ter filhos etc, alcançaram grande projeção e prestígio”.

Escultura em Aço Carbono

GABRIEL GRESPAN – Escultura em Aço Carbono em Frente ao Edificio Berrini – projeto de Tomie Ohtake

A pesquisadora lembra que muitas dessas profissionais “excepcionais” tiveram seu protagonismo ignorado por anos. Um exemplo é a engenheira Carmem Portinho, que ajudou no Projeto do Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Moraes, conhecido por “Pedregulho” (1947), e no Museu de Arte Moderna (1952), ambos no Rio de Janeiro. “A autoria de ambos projetos foi atribuída, por muitas décadas, apenas a Affonso Eduardo Reidy. Até hoje é possível encontrar textos recentes que não reconhecem o papel de Portinho na concepção destas duas obras”, informa Lima.

A construção do maior aterro do mundo, o Parque do Flamengo, inaugurado em 1965 no Rio de Janeiro, teve a participação de Maria Carlota Costallat de Macedo Soares que, segundo Lima, também teve seu protagonismo ignorado na arquitetura.

Apesar do pouco reconhecimento na arquitetura das cidades, algumas “excepcionais” conseguiram ter seu protagonismo valorizado: em 1997, uma das obras de Tomie Ohtake dedicadas a homenagear a imigração japonesa no Brasil foi inaugurada pelo próprio imperador japonês Akihito e imperatriz Michiko; em 2016, o conjunto arquitetônico do Sesc Pompeia, na Zona Oeste de São Paulo, projetado por Lina Bo Bardi, foi eleito pelo jornal britânico The Guardian a sexta melhor construção do mundo.

Sesc

GABRIEL GRESPAN – Conjunto arquitetônico do SESC Pompéia por Lina Bo Bardi

Roteiro pelas construções de mulheres em São Paulo

A reportagem da BBC Brasil visitou as principais obras públicas de Bo Bardi, Ohtake e Kliass que ajudam a contar a história da cidade de São Paulo no século 20 e montou o roteiro abaixo.

– Construções de Lina Bo Bardi

Lina Bo Bardi na Casa de Vidro/Arquivo

INSTITUTO LINA E PM BARDI –  A casa em que morou a vida toda, Casa de Vidro, no Morumbi, foi a primeira construção de Lina Bo Bardi

A italiana Lina Bo Bardi se mudou para o Brasil em 1946, com o final da Segunda Guerra Mundial, à procura de um país onde não se destruía, mas se construía. Tornou-se mundialmente famosa por projetar espaços voltados às artes em São Paulo.

MASP: Construído na década de 1960, Lina projetou o MASP, localizado na Avenida Paulista, a convite do jornalista Assis Chateaubriand. Vários de seus objetos pessoais, como parte da sua biblioteca particular, pertencem hoje ao acervo do museu. O prédio é tombado pelo Iphan.

Teatro Oficina: Além do MASP, Bo Bardi ajudou a construir um dos principais e mais antigos teatros em funcionamentos do Brasil, o Teatro Oficina, no bairro do Bixiga. Amiga do diretor e ator Zé Celso, Lina, que também atuou como designer, ajudou a montar diversos cenários e figurinos do Teatro Oficina.

Casa de Vidro

GABRIEL GRESPAN – A Casa de Vidro – Moradia Lina Bo Bardi e Pietro Maria Bardi por Lina Bo Bardi

Casa de Vidro: A casa em que morou a vida toda, Casa de Vidro, no Morumbi, foi a primeira construção de Lina Bo Bardi, hoje museu dedicado à memória da arquiteta, o Instituto Bardi. A construção, cercada paredes de vidro sem parapeitos, é ícone da arquitetura moderna no Brasil. O jardim de 7.000 m2 da casa foi plantado pela própria Lina, assim como parte dos móveis também foram desenhados pela arquiteta. Construída em 1951, a Casa de Vidro também ajuda contar parte da história cultural do Brasil, pois reunia amigos de Lina como Glauber Rocha.

Conjunto arquitetônico do SESC Pompéia: inaugurado na década de 1980, é outra obra de Lina e tombada pelo Iphan. O prédio apareceu na lista do The Guardian como um dos 10 melhores prédios do mundo.

– Paisagens de Rosa Kliass

Rosa Kliass, a primeira arquiteta paisagista mulher do Brasil

MARCELO SCANDAROLI

Rosa Kliass, 84 anos, nascida no interior de São Paulo, foi a primeira arquiteta paisagista mulher do Brasil, sendo a criadora da Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas.

Parque da Juventude

GABRIEL GRESPAN – Parque da Junvetude – Utilizando partes do antigo Carandiru – por Rosa Kliass

Na gestão do prefeito Faria Lima (1965-1969), ajudou a organizar o Departamento de Parques e Áreas Verdes da Prefeitura de São Paulo (Depave). Projetou as áreas verdes da Avenida Paulista (1973) e a sinalização das placas da avenida, revitalizou a paisagem do Vale do Anhangabaú (1981), no centro de São Paulo, e transformou a área que abrigava o Complexo Penitenciário do Carandiru em um dos principais parques públicos paulistanos, o Parque da Juventude, na Zona Norte (concluído em 2007).

– Obras de Tomie Otake

Tomie Ohtake em 2013

DENISE ANDRADE – Com esculturas e painéis gigantes, Tomie Ohtake se transformou em ‘ícone múltiplo’, segundo Paulo Miyada

Com esculturas e painéis gigantes, Tomie Ohtake ajudou a narrar a participação dos imigrantes japoneses na formação de São Paulo, mas não somente. Segundo o arquiteto e curador do Instituto Tomie Ohtake, Paulo Miyada, “No campo simbólico, Tomie Ohtake é reconhecida como ícone múltiplo, que contempla, a um só tempo: a singularidade da cultura nipo-brasileira desenvolvida no último século; a importância e ousadia das artistas mulheres na modernidade nacional; e o potencial inventivo de criadores que não cabem na alcunha de ‘jovens'”.

“Relembrar as obras de Tomie Ohtake é uma forma de identificar muitos dos espaços simbólicos que já tinham papel fundamental na vida na metrópole, como o centro histórico de São Paulo e a Avenida Paulista, e outros que ganharam mais e mais importância nesse período, como o Monumento à Imigração Japonesa na Avenida Vinte e Três de Maio e os painéis na linha verde do Metrô”, explica o curador.

Monumento à Imigração Japonesa – Localizado na Avenida 23 de Maio. São quatro faixas de 12 metros de concreto, em formato de ondas, que representam as gerações de japoneses que vieram para o Brasil

Monumento à Imigração Japonesa

GABRIEL GRESPAN – Monumento à Imigração Japonesa

Painéis “As Quatro Estações”, localizados no metrô Consolação. Trata-se de um conjunto de quatro painéis de 2 metros por 15,40 metros.

Painel

GABRIEL GRESPAN – Painel no metrô Consolação

Escultura vermelha e prata da Av Paulista – Em aço carbono, a escultura mede 8,5m de altura e pesa 7 toneladas.

Escultura de Tomie Othake

GABRIEL GRESPAN – Escultura vermelha e prata da Av Paulista.

Painel do Edifício Tomie Otake – Obra com 45 metros de altura e 10,80 metros de largura

Painel de Aço

GABRIEL GRESPAN – Painel de Aço no Instituto Tomie Ohtake – obra com 45 metros de altura e 10,80 metros de largura

 

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

2 Comentários

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  1. Fundamental recuperar a

    Fundamental recuperar a história e reconhecer o protagonismo e a contribuição de tantas mulheres não só para a aquitetura, mas em todos as áreas. Em minha modesta e leiga opinião, há uma diferença significativa entre as contribuições de Tomie Ohtake e Lina Bo Bardi para a paisagem paulistana. A última parece ter tido como princípio uma preocupação constante com o uso e a fruição públicos da paisagem, como mostra o vão-janela do MASP. Não sei se poderiamos dizer o mesmo de Tomie Ohtake. Pelo menos, o instituto que leva seu nome (creio que obra de seu filho, Rui Ohtake) foi uma das primeiras monstruosidades do tipo construídas na região, dominando o horizonte de quem passava pela Vila Madalena e arredores. Depois, vieram aquele monstro na rua Fidalga 247? (assinado por algum arquiteto figuração) e outras aberrações.

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