A banalização da longevidade, por Alberto Dines

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
[email protected]

Do Observatório da Imprensa

Ufa !!!! A festa dos 90 anos do “Globo”, felizmente, encerrou-se nesta quarta feira, 29 de Julho. Dos três jornalões sobreviventes — ditos nacionais — o antigo vespertino carioca é o caçula. E os caçulas são geralmente mimados, impertinentes, abusados. Acham que podem tudo, principalmente quando sozinhos em casa. O jornal fundado por Irineu Marinho em 1925 é praticamente dono da praça do Rio (acompanhado pelo valente “O Dia”, o “Expresso” além do engraçado “Meia Hora”) e o carro-chefe de um dos maiores grupos midiáticos do ocidente.

A festança durou uma eternidade e embaralhou completamente o noticiário. O jornal ficou irreconhecível, chatíssimo, ególatra, absolutamente autocentrado e, como sói acontecer, mais manipulado do que o normal.

O interminável retrospecto confundiu-se com a rememoração dos 450 anos da fundação da cidade e passou ao leitorado a impressão de que o “Globo” é o centro do mundo, espelho da cidade e, de certa forma do Brasil, já que até meados dos anos 70 o Rio ainda vivia a fantasia de ser capital da República.

Em grandes ocasiões, grandes jornais brindam os leitores com caprichados cadernos especiais — um convite para guarda-los como lembrança. A infeliz opção de dispersar os textos festeiros ao longo do jornal por tantos dias (30 ? 40 ? 50?) banalizou-os, tirou-lhes qualquer importância e credibilidade.

Quando em 1991 o JB completou um século de existência, ou quando, há pouco, o “Estadão” comemorou os seus gloriosos 140 anos e a “Folha” os seus 90 (agora está com 94) as lantejoulas foram exibidas com mais discrição e compostura. Com mais classe.

O “Globo” excedeu-se nas libações retro-festivas, esbanjou poderio, ostentou o pouco que tem e misturou-o com o que não tem. Confrontou o próprio estilo austero de Roberto Marinho. Se tivesse um concorrente no mesmo segmento e de igual porte teria sido mais contido e reservado — por vontade própria ou forçado pela inevitável zombaria.

No último embate jornalístico com o “Jornal do Brasil” quando decidiu romper a praxe e invadiu o apetitoso domingo reservado aos matutinos, o “Globo” foi fragorosamente batido. Mesmo usando e abusando do rolo compressor da TV.

Sozinho em campo, “The Globe” perdeu o senso de medida, inebriado consigo mesmo. Assim não se faz gol, perguntem lá em cima ao Armando Nogueira. Dirá ele que a festinha dos 90 anos foi gol contra, goleada no estilo alemão. Tantas foram as lambanças historiográficas cometidas durante esta temporada que em breve nas escolas de jornalismo será fácil pinçar a manipulação perfeita, o factoide padrão FIFA, a mentira em estado puro.

Isso não impede que este observador lembre aos amigos e camaradas da redação do “Globo” o sábio bordão do inesquecível Ibrahim Sued: os cães ladram, a caravana passa. Bola pra frente, a demã !

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

7 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. A sociedade brasileira ainda

    A sociedade brasileira ainda não se deu conta do que siginifica “Sozinho em campo” e o poder que isso tem e exercem.

    Um dia ainda anunciarão que a roda será inventada e ninguem se dará conta.

  2. Há quase um mês não acesso o

    Há quase um mês não acesso o sítio eletrônico do Observatório da Imprensa; depois de reformulado, esse portal de análise da imprensa piorou muito. Vários colaboradores deixaram o OI (como é o caso de Luciano Martins Costa e Luiz Egypto), os leitores foram impedidos de comentar as matérias, etc. A versão televisiva do OI se transformou numa chatice só, com entrevistas bajulatórias a figuras manjadas da mídia comercial; apenas aquela com o escritor cubano Leonardo Padura se mostrou interessante. No programa que foi ao ar nessa terça, 28 de julho de 2015, Alberto Dines entrevistou três profissionais da imprensa, dentre eles o insosso Fernando Rodrigues, do UOL. O programa abordou a publicidade, dando enfoque ao fato de que os “impressos” ainda conferem maior retorno aos anunciantes, quando comparados aos meios digitais. Durante uma hora, os quatro profissionais (com origem e formação nos jornais impresos) discorreram sobre publiciade, transição impresso-digital, perspectivas futuras para o jornalismo nas diferentes plataformas, etc. Era visível a nostalgia e a tentativa de apresentar um futuro longevo e promissor para revistas e jornais impressos. O tolo (pra não dizer outras coisas) Fernando Rodrigues chegou a fazer uma analogia idiota: ele comparou os jornais em papel aos disco de vinil (LPs). Segundo o jornalista, assim como o LP, o jornal impresso sobreviverá para um pequeno nicho de leitores; na estranha analogia ele apelou para o lado sentimental, o prazer que alguns têm pelo contato físico com o objeto. A analogia de FR não faz sentido e a tese dele não se sustenta. O LP tem permanência porque é um objeto que contém arte (a música nele gravada é arte) e pode, ele mesmo, o objeto, ser arte. Um álbum bem produzido é arte pura, desde o conceito da capa, a capa em si, o encarte, o disco físico (que pode ser colorido, quadrado, retangular); a produção de um disco de vinil envolve trabalho artesanal e manual. E a arte tem permanência. Nem vou discutir os aspectos da qualidade sonora que se pode obter atualmente para um LP, usando técnicas totalmente analógicas ou uma combinação dessas com as digitais, no processo de gravação, mixagem, masterização e reprodução. A notícia e publicidade (o conteúdo de um jornal ou revista), na maioria das vezes, não.

    Essa análise que AD faz dos 90 anos do jornal O Globo é bastente lúcida e apropriada.

        1. E isso faz parte do que torna isso ótimo…

          É bom ver juventude antenada e politizada, no bom sentido, sem “coxismos”.

          Abs, bom te ver aqui, é raro…

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador