A crise mundial e a saída do Reino Unido, por Marisa Choguill

Por Marisa Choguill

Comentário ao post “Brexit e o nacionalismo, por Fábio de Oliveira Ribeiro”

O governo do Reino Unido realizou o referendo sobre sua vinculação à União Europeia para aliviar a tensão interna no Partido Conservador, onde cerca de 40% dos parlamentares se opunham à adesão à UE por razões de soberania.  O referendo havia sido também uma promessa de campanha do partido.  O povo, incitado pela propaganda ufanista da ala do Partido Conservador contrária à adesão à UE, e amedrontado com a propaganda do Partido da Independência do Reino Unido (UKIP;  partido de extrema-direita) contra a imigração, votou pela saída da UE.

Portanto, por mais paradoxal que possa parecer, a votação britânica pela saída da UE não representa uma rejeição deste consórcio por seus fracassos percebidos e analisados. Os mais satisfeitos com o resultado são os partidos de extrema-direita europeus, que antecipam um ‘efeito dominó’ na Europa Ocidental com referendos em outros países e resultados idênticos.

O fato é que a Europa Ocidental está inquieta. Lesado pelo desemprego e pela imigração que barateia o custo da mão-de-obra, e preocupado com a decadência dos serviços sociais, o povo está farto das mentiras dos políticos. Se dependesse da decisão do povo, a UE seria extinta.

A verdade, no entanto, é que a crise global está por trás dos problemas enfrentados por todos os países do mundo. A crise no Reino Unido seria ainda pior se não participasse da UE, onde tem acesso ao maior mercado consumidor do planeta sem ter que pagar alfândega (‘free-trade’:  livre comércio) – US $ 1,6 trilhões anualmente e 500 milhões de consumidores.  Além disso, os trabalhadores britânicos têm seus direitos garantidos pela UE  (segurança do trabalho, saúde, educação…), enquanto os capitalistas ingleses queixam-se de tais medidas. Os trabalhadores têm o direito de viver, trabalhar e se aposentar no continente.  Privilegiado por sua aliança com a União Europeia, o Reino Unido também recebeu investimentos externos favoráveis à sua economia, como por exemplo ao sediar grupos de comerciantes chineses, japoneses e americanos que, por residirem na Grã-Bretanha, têm direitos especiais para fazer negócios na UE.  E possivelmente o mais importante benefício ao povo do Reino Unido seja a política de proteção ambiental da EU, por ser mais à esquerda do que a do governo conservador, que dá prioridade aos negócios.

Se todos esses fatores tivessem sido tomados em consideração no referendo, o resultado possivelmente teria sido bem diferente.  E é por tudo isso também que, agora, está havendo uma reação dos setores mais afetados pelo resultado  (mas tudo indica que não haverá nenhum retorno – os grupos mais reacionários ameaçam reagir se o resultado do referendo não for aceito).

Isto não quer dizer que a UE está isenta de culpa pelos problemas enfrentados pelos países membros.  Esta é uma organização que responde aos interesses do capital.  Suas políticas são neoliberais, conforme recomendações do Fundo Monetário Internacional, as quais, agora, estão sendo criticada pelo próprio fundo:  austeridade, controle fiscal, etc.

Tudo indica ainda que um dos objetivos da UE consiste em controlar o destino político dos seus Estados-membros ao unificá-los em seu projeto ‘integracionista’.  Além disso, mais recentemente, por razões geopolíticas, a UE tem estado sob forte pressão dos Estados Unidos:  para reforçar sua posição hegemônica, os EUA se opõem à cooperação econômica entre a UE e a Rússia (que favoreceria a ambos).  Muitas oportunidades de negócios estão sendo perdidas, ferindo a economia e o povo.  Talvez seja por isso que outros países europeus estão considerando referendos.  De qualquer forma, tudo indica que há descontentamento com as rédeas impostas pela UE.

Pode-se dizer que a sobrevivência da União Europeia depende agora do bloqueio aos referendos ou, talvez, de uma revisão na postura submissa de Bruxelas em relação aos EUA, resultando no estabelecimento de relações econômicas, com países como a Rússia e outros, que permitam a adopção de medidas adequadas para combater a crise.  Usando a nomenclatura dos analistas geopolíticos, os ‘integracionista’ talvez devam dar a vez aos ‘soberanistas’.

A situação está ainda muito volátil…

Redação

1 Comentário

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  1. A “desintegração” da Europa como mito

    O mito da desintegração da Europa a partir do Brexit, tal como brandido ontem por George Soros, pode ser apenas isso mesmo: um mito chantagista, brandido pelo establishment neoliberal que agora se vê, mesmo que indiretamente, questionado.

    O fantasma do avanço da extrema direita pode ser, também, apenas um fantasma a se dissipar rapidamente pela sua própria assombração.

    A retórica plagada de mentiras desse campo político (ontem mesmo o líder da extrema direita pró-Brexit da Inglaterra, Nigel Farage, admitiu que mentiu sobre o montante de recursos que o Reino Unido vai “economizar” saindo da Europa: https://www.youtube.com/watch?v=0Kqvr6eGyYs) logo produz uma imensa frustração em quem acredita nela.

    O exemplo britânico rapidamente servirá para toda a Europa como exemplo do que deve ser evitado. O individualismo utilitarista britânico parece ter atingido seu ponto de paroxismo: quanto mais reclamar a validade da sua lógica, mais prejuízo trará para a sobrvivência de quem se orienta por ele.

    O que parece que está sob risco de se desmanchar não é a Europa, sob a ameaça dos nacionalismos, mas as ilusões da pax neoliberal.

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