A cultura egípcia estampada em sua arte

 
Por Rosângela Vig
 
A Arte Egípcia
 
 
A Pintura é o choque fragoroso de mundos diferentes destinados a criar em e por seu combate, o mundo novo a que se chama obra. Cada obra nasce do ponto de vista técnico exatamente como nasceu o cosmos. Por catástrofes que, a partir dos fragores caóticos dos instrumentos, acabam por criar uma sinfonia que se chama música das esferas. A criação de uma obra é a criação do mundo“. (KANDINSKY, 1991, p.92)
 
O pensamento traduz de forma poética o que a criação do artista provoca no espectador: a reprodução de um universo particular, onde estão inseridos os pensamentos, a cultura e o modo de viver de um tempo. Não há dúvida que na contemplação da Arte, estão envolvidos os sentimentos prazerosos do deleite pela forma e pela cor, mas ao percorrer o objeto artístico, o espectador entra em contato com mais que isso, ele materializa um mundo diante de si. Muito do que se conhece por exemplo, dos hábitos e do modo de viver dos homens primitivos foi por meio da pintura rupestre.
 
Da mesma forma, parte da cultura egípcia ficou estampada e foi revelada por meio de sua Arte. Em seu legado estão impressos hábitos, religião e valores de uma das principais civilizações da Antiguidade, que viveu entre 3200 e 1085 a.C., no vale do Rio Nilo, ao Norte da África.

 
Os motivos religiosos que orientaram a cultura desse povo estão evidentes, por exemplo, nas pirâmides de Gizé, erguidas no Antigo Império, por volta de 2200 a.C. Tais construções,
Constituíam monumentos funerários que simbolizavam a escada que conduzia o Morto em direção a Rá, o deus Sol. O Defunto, na esperança de que o Além fosse semelhante à vida, era enterrado junto a alimentos, joias, barcos, papiros de orações, móveis, gado e até escravos. Se passasse no julgamento de Osiris, o faraó e sua comitiva continuariam a existir indefinidamente em um Outro plano. (GOLDBERG, D’AMBROSIO, 1992, p.59)
 
Essas imponentes câmaras abrigavam os restos dos faraós, que acreditavam que os rituais religiosos garantiriam a felicidade após a vida. Junto aos corpos, eram deixados objetos que pertenciam aos mortos. No Novo Império, por volta de 1500 a.C., com o objetivo de demonstração do poderio dos faraós, foram construídos os templos de Luxor e Carnac, dedicados ao deus Amon; e os conhecidos templos de Abu-Simbel (fig.1), dedicados à Deusa Hator, representante do amor e da beleza.
 
Reprodução
 
 
A Arte Egipcia Templos de Abu Simbel A Arte Egípcia por Rosângela Vig
Fig. 1 – Um dos Templos de Abu Simbel. Egito, construído entre 1284 e 1264 a.C., por ordem do Faraó Ramsés II. Foto de PetraD.
 
Na pintura, havia uma espécie de regularidade de combinação geométrica e de observação da natureza. Na figura apresentada, pode-se perceber a Lei da Frontalidade, isto é, os troncos das pessoas delineados num plano frontal e as cabeças num plano lateral. A apresentação das pessoas se dá de maneira bidimensional, com formas estilizadas e angulares, demonstrando um contorno de linhas simples e retilíneas, sem preocupação com a perspectiva e a profundidade, o que restringe o ângulo de visão. Outro detalhe era que as figuras femininas eram pintadas em ocre e as masculinas, em vermelho. O uso das cores mais fortes, e a apresentação de detalhes, torna a figura mais próxima do mundo real. O objetivo era uma arte robusta e solene, feita para a eternidade. Pode-se perceber que a Arte egípcia adiantou alguns traços que se tornaram marcantes na Arte cubista, como as representações alongadas das pessoas e as linhas retas, características marcante em Les Demoiselles D’Avignon. A questão hierárquica também é muito importante na Arte Egípcia, as pessoas com maior importância no reino eram representadas em tamanho maior, sendo em primeiro lugar o faraó, a seguir sua mulher, seus sacerdotes, os soldados e o povo.
 
Outro aspecto importante dessa civilização era o uso da pedra Lápis Lazúli, considerada a pedra dos Faraós. Muito apreciada por ser de tom azul escuro e opaco, de indescritível beleza, o material representava a água, símbolo da vida e portanto, da purificação e da regeneração no outro mundo. Junto aos corpos eram deixados objetos, amuletos, jóias e escaravelhos feitos com a pedra que também era triturada e pulverizada sobre os olhos dos mortos e das mulheres egípcias como maquiagem. Há ainda o registro de pintura com Lápis Lazúli nas tumbas e murais do Antigo Egito. Na Idade Média e no Renascimento aumentou-se o uso da pedra por artistas, para a fabricação de pigmentos com tom forte de azul.
 
 
 
A Arte Egipcia Fac simile de pintura da tumba do Farao Ramses III A Arte Egípcia por Rosângela Vig
Fig. 2 – Fac símile de pintura da tumba do Faraó Ramses III, Novo Império, 20ª. Dinastia, reino de Ramsés III, 1184 – 1153 a.C., Egito. Rogers Fund, 1933 (33.8.7). Imagem: © The Metropolitan Museum of Art.
 
 
Tanto o pintor, como o escultor, nesse período, ainda eram operários anônimos. Sua função era a de subordinados e suas personalidades não poderiam ser salientadas. Poucos nomes são conhecidos e, como não assinavam suas obras, fica difícil a associação delas com seus autores. Alguns que demonstravam mais habilidade, trabalhavam para o faraó e chegavam a ter suas tumbas decoradas.
Embora parte do magnífico tesouro dessa grandiosa civilização do Oriente tenha sido alvo de roubos, muito se confirmou a respeito de sua história e de sua cultura, a partir de escavações do final do século XIX e da descoberta da Pedra de Roseta em 1799, de fundamental importância para a compreensão dos hieróglifos.
 
A produção estética, nesse sentido, emerge como um mecanismo para a demonstração de ideias e, a despeito da atribuição de valores pessoais, a Arte espelha, antes de mais nada, a síntese de uma estrutura temporal, em forma de memória. E o artista egípcio, dispondo de um material rudimentar apoderou-se da simplicidade da forma das figuras alongadas, para se empenhar na demonstração de uma essência de beleza única. À luz da Filosofia, a simplicidade da obra pode ser explicada da seguinte forma:
 
Quanto mais simples e essencial o calçado, quanto mais sóbria e puramente a fonte se erguem na sua essência, tanto mais imediata e manifestamente todo o ente se torna mais ente conjuntamente com eles. Dessa forma, o ser que se oculta clareia-se. O clareado desta natureza na obra é o belo. A beleza é um modo como a verdade enquanto desocultação advém. O clareado que tem esta natureza dispõe o seu esplendor na obra. O resplandecer disposto na obra é o belo. (HEIDEGGER, 2008, p.44, 45)
 
Para o filósofo, a beleza é a exposição de um conteúdo interior e não puramente a demonstração da realidade; numa obra, nada se diz, seu caráter explicativo é silencioso, está nas entrelinhas das cores e das formas fundamentais que se dispõem. É nesse ponto que a beleza aflora. Ainda não havia discussões acerca da beleza no Egito antigo, mas o artista desse período, com poucos artifícios, conseguiu deixar evidente a essência, em sua obra, pelas formas simples e esguias das pessoas representadas. Suas mãos deixaram evidentes a sensualidade, os gestos delicados e lentos e, ainda que tenha permanecido desconhecido, sua arte foi levada adiante, por séculos.
 
 
Agradecimentos:
 
Um especial agradecimento ao The Metropolitan Museum of Art, museu fundado em 13 de abril de 1870 em Nova York, cuja missão ”é coletar, preservar, estudar, expor e estimular a apreciação por, e conhecimento avançado de obras de arte que representam coletivamente o mais amplo espectro da realização humana ao mais alto nível de qualidade, tudo a serviço do público e de acordo com os mais altos padrões profissionais”. – Declaração de Missão do Museu.
Conheça também a História do Museu The Metropolitan Museum of Art.
Redação

4 Comentários

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  1. A cutura do antigo Egito é

    A cutura do antigo Egito é fabulosa.

    Arquitetura, engenharia, medicina, astronomia,…, muito além do seu tempo.

    Um mistério.

    1. agradecimento

      Boa Tarde Assis Ribeiro, 

       

      Sou professora de História da Arte, com Mestrado em Comunicação e Cultura.

      Mas também sou Artista Plástica e meus trabalhos podem ser vistos em meu blog.

      Vou visitar o seu também.

      A Arte é sempre bem vinda e informação também. 

      Neste ponto em que estou no site, falo por etapas de cada período artístico relacionado à Arte Ocidental. 

      Claro que muitas culturas foramaram a nossa. 

      A Arte egípcia influenciou a grega, que foi um ícone de informação para a nossa civilização, em todas as áreas, incluindo aí a política, a literatura, a escultura e a arquitetura. Isso sem falar que a mitologia nos serve de modelo até hoje, como se pode ver em filmes e livros. 

      Então fique de olho no site, porque a cada mês envio um novo artigo.

      muito obrigada 

      Rosângela 

       

       

  2. É muito legal ver a “Arte

    É muito legal ver a “Arte Egípcia” como tópico aqui do blog. Eu saúdo a iniciativa da autora, mas sinto que há algumas coisas que precisariam ser melhor discutidas.

    Em primeiro lugar, não é só a “arte egípcia” que estampa sua cultura: toda cultura visual o faz. Esse é o princípio básico da pesquisa iconológica.

    Não vou discutir o argumento geral do texto, mas me permitam algumas observações mais específicas:

    1. “uma das principais civilizações da Antiguidade, que viveu entre 3200 e 1085 a.C.”

    Eu francamente não entendo qual o critério para determinar que a civilização egípcia existiu apenas entre essas datas específicas. O dado é absolutamente incorreto (basta consultar o Ancient Egyptian Chronology editado por Erik Hornung e outros, e disponível na internet).

    2. “foram construídos os templos de Luxor e Carnac, dedicados ao deus Amon”

    Luxor e Karnak eram dedicados a “Tríade Tebana” (Amun, Mut e Khonsu).

    3. “e os conhecidos templos de Abu-Simbel (fig.1), dedicados à Deusa Hator”

    Na verdade, o complexo de Abu-Simbel tinha dois templos. O maior era dedicado a Ra-Harakthy (esse que está na foto, com o deus em questão sobre a porta), Ptah e Amun. O outro, menor, era dedicado a Hathor – transfigurada em Nefertari (a esposa favorita de Ramses).

    4. “Outro detalhe era que as figuras femininas eram pintadas em ocre e as masculinas, em vermelho.”

    Nem sempre.

    5. “Pode-se perceber que a Arte egípcia adiantou alguns traços que se tornaram marcantes na Arte cubista, como as representações alongadas das pessoas e as linhas retas, características marcante em Les Demoiselles D’Avignon.”

    É difícil sustentar essa proposição.

    5. “Tanto o pintor, como o escultor, nesse período, ainda eram operários anônimos.”

    São conhecidos vários arquitetos e escribas egípcios.

    6. “grandiosa civilização do Oriente”

    O Egito ficava no norte da África, da minha parte não vejo essa civilização como uma civilização do Oriente.

    7. “E o artista egípcio, dispondo de um material rudimentar apoderou-se da simplicidade da forma das figuras alongadas, para se empenhar na demonstração de uma essência de beleza única”

    Em primeiro lugar, dificilmente no Egito terá existido aquilo que chamamos de “artista”, porque “arte” não deve ser definida apenas por uma questão de meios (e os egípcios não tinham uma palavra específica para isso). Essa é uma discussão ampla em Egiptologia. Mais além, por questões religiosas (e até mesmo estéticas) tampouco essa liberdade de se apoderar da linguagem visual. Ela toda obedecia a regras bastantes específicas (sua beleza estava justamente na capacidade de reproduzir com exatidão os princípios figurativos existentes – algo equivalente ao princípio de Maat).

    8. “Ainda não havia discussões acerca da beleza no Egito antigo”

    Consultar o significado de “nefer” em Egípcio. (http://en.wikipedia.org/wiki/Nefer)

     

    Enfim, mais uma vez, eu saúdo a iniciativa e deixo um abraço para todos!

  3. É muito legal ver a “Arte

    É muito legal ver a “Arte Egípcia” como tópico aqui do blog. Eu saúdo a iniciativa da autora, mas sinto que há algumas coisas que precisariam ser melhor discutidas.

    Em primeiro lugar, não é só a “arte egípcia” que estampa sua cultura: toda cultura visual o faz. Esse é o princípio básico da pesquisa iconológica.

    Não vou discutir o argumento geral do texto, mas me permitam algumas observações mais específicas:

    1. “uma das principais civilizações da Antiguidade, que viveu entre 3200 e 1085 a.C.”

    Eu francamente não entendo qual o critério para determinar que a civilização egípcia existiu apenas entre essas datas específicas. O dado é absolutamente incorreto (basta consultar o Ancient Egyptian Chronology editado por Erik Hornung e outros, e disponível na internet).

    2. “foram construídos os templos de Luxor e Carnac, dedicados ao deus Amon”

    Luxor e Karnak eram dedicados a “Tríade Tebana” (Amun, Mut e Khonsu).

    3. “e os conhecidos templos de Abu-Simbel (fig.1), dedicados à Deusa Hator”

    Na verdade, o complexo de Abu-Simbel tinha dois templos. O maior era dedicado a Ra-Harakthy (esse que está na foto, com o deus em questão sobre a porta), Ptah e Amun. O outro, menor, era dedicado a Hathor – transfigurada em Nefertari (a esposa favorita de Ramses).

    4. “Outro detalhe era que as figuras femininas eram pintadas em ocre e as masculinas, em vermelho.”

    Nem sempre.

    5. “Pode-se perceber que a Arte egípcia adiantou alguns traços que se tornaram marcantes na Arte cubista, como as representações alongadas das pessoas e as linhas retas, características marcante em Les Demoiselles D’Avignon.”

    É difícil sustentar essa proposição.

    5. “Tanto o pintor, como o escultor, nesse período, ainda eram operários anônimos.”

    São conhecidos vários arquitetos e escribas egípcios.

    6. “grandiosa civilização do Oriente”

    O Egito ficava no norte da África, da minha parte não vejo essa civilização como uma civilização do Oriente.

    7. “E o artista egípcio, dispondo de um material rudimentar apoderou-se da simplicidade da forma das figuras alongadas, para se empenhar na demonstração de uma essência de beleza única”

    Em primeiro lugar, dificilmente no Egito terá existido aquilo que chamamos de “artista”, porque “arte” não deve ser definida apenas por uma questão de meios (e os egípcios não tinham uma palavra específica para isso). Essa é uma discussão ampla em Egiptologia. Mais além, por questões religiosas (e até mesmo estéticas) tampouco essa liberdade de se apoderar da linguagem visual. Ela toda obedecia a regras bastantes específicas (sua beleza estava justamente na capacidade de reproduzir com exatidão os princípios figurativos existentes – algo equivalente ao princípio de Maat).

    8. “Ainda não havia discussões acerca da beleza no Egito antigo”

    Consultar o significado de “nefer” em Egípcio. (http://en.wikipedia.org/wiki/Nefer)

     

    Enfim, mais uma vez eu saúdo a iniciativa e deixo um abraço para todos!

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