Urariano Mota
Escritor, jornalista. Autor de "A mais longa duração da juventude", "O filho renegado de Deus" e "Soledad no Recife". Também publicou o "Dicionário Amoroso do Recife".
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A estreia de Soledad Barrett no teatro, por Urariano Mota

 
Linda a entrega e interpretação de Hilda Torres
 
Estou ainda sob o efeito da noite da estreia. Estou aqui sem poder voltar a meu romance, porque o pensamento está longe. 
 
Vocês acordaram? Eu ainda estou sem dormir, embora tenha tenha fingido que dormia. Foi uma longa noite que continua nesta manhã. 
O grande poder da arte. 
 
E agora retomo, a começar do fim: o grande poder da arte. Se o trabalho, se a investigação artística não servisse para nada (o que seria um absurdo), ela serviria para o encontro. De Gente. Para que as pessoas se dessem um grande abraço, coletivo e fraterno. Assim como ontem à noite. Um dos momentos, eu ia dizer mágico, mas não foi mágico, foi melhor, porque foi real, concreto, um dos melhores momentos de ontem foi a entrada no palco de Ñasaindy, que estava iluminada além das luzes e refletores. Ver Ñasaindy falar, dizer, de viva voz, que “Soledad no Recife” foi um presente para a grande guerreira, meus amigos, estou pago muito além do que mereço. 
 
E explico por quê.

 
Primeiro, foi correto e justo falar no primeiro contato a Hilda Torres: “a história de Soledad é pública”. Isso vale dizer: não tem autores. Tem homens e mulheres que não se conformam com a impunidade. 
 
Segundo, ao receber um cumprimento generoso de Marcelo Santa Cruz, que me falou que o espetáculo se devia à minha história escrita, respondi: “a história é nossa”.  E Marcelo concordou, porque na história estão Fernando Santa Cruz e sua mãe incansável. 
 
Terceiro, portanto, Soledad no teatro não é uma adaptação do livro “Soledad no Recife”. É um monólogo escrito pela atriz e pela produtora, inspirado,descoberto e 
movido  a partir do livro. A literatura é grande e cabe todos nós. E se não couber, não é digna do nome. 
 
E de fato, meus amigos, o espetáculo cresce numa história coletiva de consciência. E de fato, Hilda bebeu em muitas fontes. Uma delas foi o livro “68, a geração que queria mudar o mundo”, organizado por Eliete. Outro, foi aquele calhamaço, necessário, da Comissão da Verdade. Um livrão que é um belo tijolaço de viva história. E de fato, há poemas, há resgate de Amparo, do Tortura Nunca Mais, de Marco Albertim, o meu amigo falecido em abril deste ano. 
 
Eu fui de calça e camisa novas. Lá na plateia, minha mulher, que tem um agudo senso estético, comentou que os filhos de Ñasaindy são lindos. É que eles trazem a herança da musa, assim como Soledda foi a legítima herdeira de Rafael Barret, o genial escritor anarquista, que um dia foi elogiado por Borges. De fato, os herdeiros de Soledad são lindos. No entanto, falou  Drummond de uma beleza mais longe:
 
“Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão

Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão”.

 
https://www.youtube.com/watch?v=CUshgT8GvSE&feature=youtu.be width:700 height:394
Urariano Mota

Escritor, jornalista. Autor de "A mais longa duração da juventude", "O filho renegado de Deus" e "Soledad no Recife". Também publicou o "Dicionário Amoroso do Recife".

1 Comentário

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  1. Salve

    Agradeço muito a Lourdes e Patricia que acolheram minhas impressões. Acrescento agora, para quem não sabe: 

    Ñasaindy é Ñasaindy Barrett, única filha de Soledad Barrett. Na sua fala eu senti a concreção da arte.

    Abraços.

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