A eutanásia do investimento no Brasil, por Juliano Giassi Goularti

A política neoliberal dos anos 1990 matou a indústria tupiniquim. Aquelas que não faliram abriram seus capitais como forma de sobrevivência e as mais frágeis foram vendidas para multinacionais

do Brasil Debate

A eutanásia do investimento no Brasil

por Juliano Giassi Goularti

Quando John Maynard Keynes publicou a Teoria Geral do Emprego do Juro e da Moeda (1936), teve como preocupação central o emprego, pois estava olhando para os estragos da crise de 1929 na economia norte-americana, que provocou de imediato 4,6 milhões de demissões (1929), 7,8 milhões (1931), 11,6 milhões (1932) e 16 milhões (1933).

Com o desenvolvimento do mercado financeiro nos anos 1920, a possibilidade de os homens de negócios fazerem fortuna fácil e ganhar dinheiro rápido com ações/ativos/títulos (líquidos/moeda) produzia uma expectativa de rendimento esperado superior aos investimentos fixos/físicos (máquinas/equipamentos). Utilizando uma das frases de impacto de Keynes, estavam assim os proprietários de riqueza preferindo a “Lua ao invés de Queijos Verdes”.

Nas eleições de 1932, com 57,4% do voto popular e 88,9% dos votos do colégio eleitoral, Franklin Roosevelt (Democrata) vence Herbert Hoover (Republicano). O debate eleitoral foi pautado em recuperar e reformar a economia norte-americana da Grande Depressão. Ao assumir o cargo de presidente em 1933, F. Roosevelt apresentou à sociedade norte-americana o New Deal, que previa a realização de investimentos pesados em obras públicas para a geração de empregos e aumento do mercado consumidor.

Aqui Keynes utiliza a metáfora das garrafas. No período matutino, um grupo de trabalhadores contratados pelo Estado abriria valas, no vespertino outro grupo empilharia as garrafas dentro da vala e, por último, no período noturno, um terceiro grupo de trabalhadores as enterraria. No dia seguinte, a rotina seria a mesma. Destarte, o Estado mantinha o nível de emprego e a economia aquecida. O plano de recuperação também tinha como proposta o controle sobre bancos e instituições financeiras e econômicas, que contribuíram sobremaneira para que houvesse uma mania especulativa, que logo veio agravar a instabilidade do sistema, virando um pânico, e levando ao crash da economia doméstica.

Com o New Deal, e principalmente a Segunda Guerra, a economia norte-americana saiu da Grande Crise. Segundo o próprio F. Roosevelt (em visita ao Rio de Janeiro, 1936), “despeço-me esta noite com grande tristeza. Há algo, no entanto, que devo sempre lembrar. Duas pessoas inventaram o New Deal: o presidente do Brasil e o presidente dos Estados Unidos”.

Considerando que a Teoria Geral se apoia fortemente na crise de 1929 e nos seus mecanismos de recuperação, e que o New Deal foi inspirado na política de Defesa do Café, em que o produto que se destruía era inferior ao volume de renda que se gerava, lançamos a hipótese de que Keynes, ao escrever a Teoria Geral, também teve como apoio a política de gastos públicos do governo brasileiro. Na verdade, a inversão líquida que os Estados Unidos estavam praticando e a política de defesa do setor cafeeiro eram políticas anticíclicas de gigantesca amplitude.

Partindo do marco teórico da heterodoxia econômica, é o gasto na esfera produtiva que vai determinar o volume de emprego e o nível de renda da comunidade. Isso, portanto, quer dizer que o impulso de que necessita a economia para manter a atividade econômica está na política de gastos produtivos.

Porém, o desenvolvimento do sistema bancário e dos mercados financeiros, da primeira Revolução Industrial aos dias de hoje, tornaram os ativos/ações/títulos o negócio preferido dos proprietários de riqueza, pois apresentam menor custo de manutenção, maior rentabilidade, e, principalmente, oportunidade constante de avaliar suas aplicações a exemplo de um agricultor, que, ao examinar seu barômetro na primeira hora do dia, decide manter ou retirar seu capital da atividade agrícola entre as dez e às onze da manhã, para reconsiderar se deveria investi-lo mais tarde.

Atraídos pelas expectativas de obter mais amanhã do que possui hoje, a taxa de juros é o prêmio que os homens de negócios recebem pela tomada de decisão da aplicação de suas riquezas na bolsa, ainda mais nos tempos de livre mobilidade e desregulamentação dos mercados.

Para que os homens de negócios tomem decisões de investirem em bens de produção, o preço de mercado dos ativos/ações/títulos negociáveis na bolsa de valores têm que apresentar um maior preço de oferta em relação aos bens de investimento e as expectativas de retorno do investimento físico têm de ser superiores à valorização dos ativos/ações/títulos. Ou seja, a relação entre a renda esperada e seu preço de custo é a taxa de lucro do negócio.

Contudo, do contrário, o volume de investimento não pode aumentar quando a taxa de juros for alta e produzir expectativas de rendimentos mais elevados. Nesse caso, a melhor opção são os negócios na bolsa, pois os custos de manutenção são insignificantes e o prêmio pela liquidez é substancialmente atrativo. Assim, a liquidez enquanto faísca que estimula a explosão não produz facilmente emprego como também não estimula o consumo em massa, isto é, contribui para o desemprego involuntário.

Trazendo a discussão para economia brasileira, o investimento privado há tempos não dá as caras e um dos fatores é que a Selic tem proporcionado um maior grau de rentabilidade às ações/ativos/títulos.

Lentamente, a política neoliberal dos anos 1990 matou a indústria tupiniquim. Aquelas que não faliram abriram seus capitais como forma de sobrevivência e aquelas mais frágeis foram vendidas para multinacionais. Com a eleição de Lula, mudanças importantes foram realizadas na política econômica, principalmente depois de 2007, com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Depois de trinta anos, o Estado retomou o planejamento e a capacidade de investimento. O PAC revelou os interesses governamentais, sinalizou a política de investimento público e procurou despertar o espírito animalesco do empresariado, com objetivo de que houvesse uma ampla socialização dos investimentos com foco na geração de emprego e renda, já que é o gasto que vai determinar o nível de emprego e o volume da renda.

Considerada como uma das principais demandas do empresariado do setor produtivo, a taxa de juros elevada repele os investimentos. Num pacto político entre governo e empresários, o governo acreditou nos homens de negócios e correspondeu ao pedido das Federações das Indústrias e reduziu os juros de 26% em 2002 para 11,2% em 2007, 8,7% em 2009 e 7,2% em 2012, elevou o desembolso do BNDES de R$ 65 bi (2007) para R$ 190 bi (2013), expandiu a renúncia fiscal da União de R$ 52 bi (2007) para R$ 170 bi (2013) e abriu leilão para concessão de serviços públicos (portos, aeroportos, ferrovias) na expectativa de retomar o investimento autônomo. Mesmo assim, os homens de negócio da nação tupiniquim decidiram por não arriscar e manter sua riqueza em forma líquida.

No capitalismo financeirizado, a diferença entre a liquidez da moeda e os demais bens de produção é enorme. Os proprietários de riqueza podem decidir gastar em bens fixos, propiciando elasticidade da demanda efetiva, ou se refugiar na riqueza já acumulada, ocasionando desemprego involuntário. Os homens de negócio seguem o dinheiro.

Mas ao mesmo tempo em que o dinheiro é estímulo também é obstáculo. Logo, o “amor ao dinheiro” em forma líquida conduz o sistema financeiro. Mas esse “amor” é sua desgraça que leva à eutanásia do investimento fixo/físico.

 

 

Redação

10 Comentários

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  1. Olha só!!!

    Teorias para a economia norte americana não funciona aqui.

    O Brasil precisa desenvolver uma economia capitalista e atender a demanda reprimida interna. E de ter um governo que proteja o povo brasileiro.

    Nos governos Lula e Dilma o BNDES (via propina ou não) financiaram empresas nacionais. Este governo FDP (via propina ou não) está tirando o dinheiro do BNDES para financiar empresas estrangeiras.

     O cavalo do desenvolvimento passa mas alguns brasileiros insistem em não montar…

  2. Acusador Intolerante

    curioso é que enquanto aqui o governo quer forjar uma indústria, no Chile, na Nova Zelândia e na Austrália; produtos como Uva, Leite e Algodão são exportados para que importem carros e tecnologia, usando o que tem se tornaram países desenvolvidos e com qualidade de vida, mas, não são modelos a serem copiados…

    1. Há sim!!! A agricultura brasileira…

      O Brasil é plantio de norte a sul, cultivar a terra é colher dinheiro. Mas os gestores públicos insistem em deixar a agricultura nacional à míngua. 

      E a roda gira…

    2. Exato

      Não podem ser copiados, pois o Brasil possui população bem maior que a de todos esses países.

      Nesse caso, uma economia sustentada em bens primários não gera uma renda per capita adequada ao desenvolvimento.

    3. Ao contrário dos países citados, o Brasil precisa de indústria

      O Brasil tem gente demais para só a agricultura, cada vez mais mecanizada, absorver mão de obra.

      A agricultura brasileira atrai divisas, e isso é importantíssimo, mas é pouco tributada. Como converter a riqueza da agricultura em riqueza nacional? Não dá para apenas ficar esperando os produtores gastarem para que o resto da população aproveite as migalhas.

      Será que esse modelo de imunidade tributária dos produtos agrícolas exportados não está na verdade transferindo receitas tributárias para o exterior?

      Aqui se diz que tributar exportados é exportar tributos. Isso é válido quando se enfrenta concorrência interncional, então é razoável eliminar todo custo adicional possível para garantir competitividade do produto nacional. Porém, a agricultura brasileira é tão competitiva que as principais barreiras que ela enfrenta são tarifas cobradas por países importadores. Deixamos de tributar na saída para que os extrangeiro tribute na entrada como forma de garantir a sobrevivência dos seus produtores locais pouco eficientes. Não seria melhor tributar na saída e ficar com esse dinheiro?

    4. Nada mais anacrônico

      Isso que você defende é, nada mais, nada menos, que a Teoria das Vantagens Comparativas de D. Ricardo apresentada ao mundo em meados do século XIX, e combatida arduamente pela CEPAL, desde os primeiros escritos de Prebisch no final dos anos 1940, que a via como um obstáculo ao desenvolvimento latino-americano. Será que os países realmente desenvolvidos abririam mão do desenvolvimento tecnológico para se dedicar apenas à agricultura? Será que essa possibilidade está no horizonte dos planejadores do Estado Chinês, que vislumbram o topo do PIB mundial num período não muito longo de tempo? Claro que o conceito de “desenvolvimento” é muito mais complexo que a simples contabilidade expressa pelo PIB dos países, mas querer ignorar a importância do desenvolvimento tecnológico-industrial, e defender apenas a agricultura, é querer voltar a fase primário-exportadora do final do século XIX, e início do século XX, um modelo totalmente incompatível com um país de dimensões continentais, e com mais de 200 milhões de habitantes, como é o nosso caso. A título de comparação, usando os países que você citou: Chile, 18,3 milhões de habitantes, Nova Zelândia, 4,5 milhões de habitantes e Austrália, 24 milhões de habitantes. Percebe a diferença? Para exemplificar, veja porque Trump ganhou as eleições nos EUA. Um país que pretende ser economicamente viável, precisa ter uma Indústria forte e Agricultura também forte…Isso sem falar nos setor de Serviços.

  3. Essa conversa de espírito

    Essa conversa de espírito animal(esco) é engraçada.

    A teoria econômica sempre tomou o indivíduo como um ser racional. E em cima disso, por conseguinte, montou seu edifício teórico também em bases racionais.

    Agora se saem com essa, de que o impulso ao risco não é lá assim racional, é animal.

    Tenho cá minhas suspeitas para essa malandragem teórica. E a graça está em ver que esse subterfúgio entrou pela porta dos fundos e já sentou na sala de estar da “ciência econômica”.

    Arbeit macht frei…

    1. essa….

      Nossas discussões são de lunáticos. Somos um país bipolar. Agora vamos explicar nossas imbecilidades de forma capitalista? Mas nossa única elite, a elite esquerdopata tupiniquim quer ter capitalismo sem capitalistas. quer ter industrialização sem indústrias, quer controlar o mercado entregando o mesmo mercado à voracidade sem controle de empresas transnacionais estrangeiras. Que compromisso com a nação tem uma empresa que não precisa se comprometer com nada, em determinado, país fora obter lucro? Nossa convicção tupiniquim no anticapitalismo está explicita na destruição de empresarios e empresas brasileiras na investigação chamada Lava Jato. Mesmo antes de defesa, recursos, a lei sendo usada como lei, como “sugere” nossa Constituição, já destruimos os menos de 2% de grandes empresas genuinamente nacionais, enquanto liberamos para os 98% de empresas estrangeiras o que restava para ser parasitado. As quais foram liberadas de condenações mesmo antes das investigações. Um país que não sabe se vai pra Marte ou pra Jupiter só poderia viver da sua  bárbarie diária, enquanto o cancro instalado no Poder Público prospera. O Brasil se explica.   

  4. finaciamento

    Eu tenho batido na tecla que, quem define a política de governo são os financiadores de campanha. Sei que tenho razão por motivos que não vou declinar, mas ninguém com sanidade mental, vai acreditar que alguém doa uma fortuna a outro alguém, só por causa da cor dos olhos ou por promessas de político. A coloração política compra-se com dinheiro e muito dinheiro, e esse é o quase único problema da democracia, seja ela de que matiz se apresentar, no fim todas as democracias da terra são capitalistas, não porque o capitalismo neoliberal deu certo, mas porque o voto popular custa uma fortuna e uma fortuna grande, então há que recorrer ao financiador.

    Não ousarei dizer que o modelo chinês é o melhor porque serei xingado mas que é o mais barato de todos, isso não há dúvida. Então se acaso algum banqueiro inadvertidamente doou um dinheirinho para a campanha presidencial, o juro da CELIC é defenido por esse inocente senhor. Aqui e onde vocês quizerem quem paga manda

  5. Fui pesquisar sobre a citação

    Fui pesquisar sobre a citação “despeço-me esta noite com grande tristeza. Há algo, no entanto, que devo sempre lembrar. Duas pessoas inventaram o New Deal: o presidente do Brasil e o presidente dos Estados Unidos” e cai em um delicioso artigo da Revista de História da Biblioteca Nacional.

    O artigo é de 2009 e além do paralelo entre Vargas e Roosevelt tem outro entre Lula e Obama, que à época enfrenavam a crise ocasionada pela globalização.

    http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos/o-new-deal-by-vargas

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