A importância do Trans-Pacific Partnership, por Jorge Arbache

Do Valor

Por que o TPP é da nossa conta?
 
Jorge Arbache
 
O virtual colapso da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) e o ritmo lento das discussões em torno de disciplinas como serviços e propriedade intelectual contribuíram para estimular uma profusão de acordos comerciais em vários cantos do globo. Afinal, dizem seus defensores, se o arranjo multilateral não vingou, então acordos bilaterais e plurilaterais têm que dar conta do recado da liberalização comercial.
 
Dois dos principais acordos ora em discussão, o Trans-­Pacific Partnership (TPP) e o Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP), merecem especial atenção em razão do porte das economias envolvidas e da sua declarada pretensão de ocupar o espaço não preenchido pela OMC de estabelecer bases e padrões conceituais de governança e de abrangência da agenda do comércio.

 
O TPP envolve Austrália, Brunei, Canadá, Chile, Cingapura, Estados Unidos, Japão, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru e Vietnã. Já o TTIP envolve os Estados Unidos e a União Europeia. Ambos os acordos se encontram em fase de negociação, sendo que o TPP já está próximo de ser concluído.
 
Um observador apressado veria pouca relevância nesses acordos, já que as barreiras tarifárias entre os países envolvidos já são bastante baixas. Mas um olhar mais cuidadoso mostraria que o grande diferencial desses acordos está em temas como compras governamentais, investimentos, mercado de trabalho, meio ambiente, competição e, sobretudo, em serviços e propriedade intelectual, que são áreas cada vez mais críticas para os destinos das economias no século XXI.
 
De fato, quando calculado em valor adicionado, os serviços já representam 54% do comércio global, mas estima-­se que serão 75% até 2025. O mercado mundial do segmento de serviços comerciais, por exemplo, é de US$ 4 trilhões, mas estima-­se que chegará US$ 9 trilhões nos próximos 10 anos.
 
Para os EUA e União Europeia, a liberalização ampla do comércio de serviços faz sentido, já que ambos têm grandes vantagens comparativas e competitivas no setor. Em 2011, os EUA e a União Europeia responderam por 60% do comércio global de serviços e tinham presença folgada em segmentos como royalties e licenças, serviços financeiros, seguros, tecnologia da informação, serviços técnicos especializados dentre outros de alto valor adicionado. Mas é na geração de empregos que se espera que o aumento do comércio de serviços venha a fazer maior diferença para eles. Na União Europeia, por exemplo, dois de cada dez empregos estão diretamente associados à produção e exportação de serviços.
 
Os acordos têm cláusulas que requerem especial atenção. Uma delas referese ao “Investor-­State Dispute Settlement”, que seria uma espécie de tribunal fora do marco legal dos países nos quais empresas estrangeiras poderão processar governos por suposta violação dos tratados que venha a influir nas expectativas de realização de negócios e lucros. Outra é a ampla liberalização de mercados com grande potencial de expansão como o e­commerce, serviços de courier, entretenimento, educação e serviços médicos. A criação de listas negativas de serviços em que, à exceção dos itens discriminados por cada país, todos os demais seriam governados pelas cláusulas dos acordos, também requer atenção.
 
Vários economistas têm levantado questões acerca dos impactos das cláusulas do TPP associadas à propriedade intelectual. Argumentam que, por serem excessivamente restritivas para atender a interesses de grandes corporações, os acordos reduzirão, ao invés de aumentar, a eficiência e a competição em vários mercados, com impactos negativos no acesso ao conhecimento, tecnologias e inovações por parte dos países menos desenvolvidos.
 
Ainda que haja apelo pela abertura ampla dos mercados de serviços devido aos seus efeitos imediatos no bem­estar das pessoas e no acesso a serviços comerciais mais competitivos, há, também, outros aspectos que devem ser considerados. Países que, como o Brasil, têm população muito numerosa, uma enorme agenda de desenvolvimento ainda por ser satisfeita e que estão desesperados para escapar da armadilha do crescimento em que estão metidos não deveriam abrir mão de encorajar e estimular atividades econômicas em que ainda seja possível aliar crescimento do emprego com aumento da produtividade. Este é precisamente o caso dos serviços, notadamente através de seus efeitos diretos e indiretos no desenvolvimento de inovações tecnológicas e de novos modelos de negócios e no aumento da densidade industrial e da diversificação da produção e das exportações.
 
Obviamente, ninguém em sã consciência pode discordar da necessidade de se proteger a propriedade intelectual ou da importância de se aumentar a eficiência dos mercados. Mas também é preciso que se reconheça a necessidade de se acelerar a disseminação e a absorção do conhecimento e a relevância dos serviços para o desenvolvimento econômico.
 
Embora o Brasil esteja de fora das negociações, os acordos plurilaterais em discussão também são da nossa conta devido aos seus inegáveis potenciais impactos nas perspectivas do nosso crescimento.
 
Nossos desafios são muitos e incluem encontrar caminhos que compatibilizem os benefícios de curto com as necessidades de longo prazo sem cair na tentação de abraçar o velho protecionismo. Em vez de nos lamentar, é preciso agir. Acima de tudo, é preciso que se busque influenciar nas discussões internacionais para que se leve em consideração as várias dimensões do comércio e do conhecimento para o desenvolvimento econômico. De outro lado, é preciso correr para se levar adiante políticas e reformas que criem as condições para que os serviços se modernizem e a produção e disseminação do conhecimento avancem fomentando, desta forma, bases sólidas para que o país possa conquistar e não mendigar seu lugar ao sol.
 
Jorge Arbache é professor de economia da UnB.
 
Redação

4 Comentários

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  1. Colaborando com o artigo

    Trabalho no desenvolvimento de embalagens para produtos de varejo.

    Um dos meus clientes é uma multinacional de matriz européia (como tenho outros clientes multinacionais, a mecânica é a mesma). Por força de contrato, não posso citar diretamente quem é.

    Seus produtos e suas marcas são líderes no mercado mundial. No Brasil, em algumas categorias, chega a ter 70% de market share.

    A maioria desses produtos tinham marcas desenvolvidas no Brasil e elas foram gradualmente sendo substituindas pelas marcas globais (o mesmo que a Nestlé fez com o Lollo, por exemplo. Hoje é Milkbar. O produto é o mesmo, a marca é outra, global. Obs.: Meu cliente não é da área de alimentos!). Hoje 90% das suas marcas pagam royalties à matriz européia. Não é remessa de lucro. O produto é fabricado aqui, mas é vendido com a marca XXXX global. Além do lucro da companhia, o produto paga royalties pelo uso da marca. É o valor intangível.

    Agora estão fechando as portas de vez aos países emergentes. Todo e qualquer design de embalagem para qualquer mercado no mundo, seja um novo rótulo ou lata, ou uma simples alteração, uma vírgula qualquer, só pode ser feito em uma única agência de design na europa. 

    Ou seja, garantiram empregos aos europeus, à custa dos nossos, e garantiram 100% da propriedade intectual.

    O resultado é espantoso. Como é uma empresa de capital aberto, cosigo ver o balanço da matriz. Nos últimos anos as vendas deles estagnaram, porém o lucro quase dobrou. Obviamente não foi somente por conta dos serviços de design, mas por um grande conjunto de serviços. A eficiência de marketing e industrial deles caiu muito durante esse tempo e estão perdendo mercado.

    Pelo que tenho visto pelos blogs, essa prática está no escopo do acordo TISA.

    Acredito que essa seja uma questão de estado, pois vamos perdendo condições de competir no mundo e internamente.

    Nossa política industrial e comercial são muito desvantajosas para nós. Mesmo assim, continuamos lutando.

     

  2. “case” excelente!

    Caro Designer, trabalho há anos com política industrial e tecnológica, e posso te dizer que 90% do que se ouve em conferências e seminários aqui e alhures é papo de ou amadores ou gente que entendeu que mais vale repetir mantras e lugares-comuns do que tentar refletir de forma conseqüente. 

    O caso que vc traz é interessantíssimo, e permite elucidar muito bem como as tais cadeias de valor globais são em sua essência fundamentalmente um epifenômeno do poder global, apenas mediado pela divisão internacional do trabalho. Tudo envolvido em um véu de vantagem tecnológica insofismável, embalado nas tolices da teoria do capital humano. 

    Exelente texto – sobretudo depois de mais uma aula de prestidigitação barata do outrora arguto Jorge Arbache,

     

     

  3. Follow the money

    Quem pode mais chora menos.

    O Brasil infelizmente têm sido subrepresentado nestes acordos.

    Não têm saida, é na chantagem mesmo, no mole ninguém entrega o osso.

    Mas uma coisa nós podemos fazer por aqui, é traçar políticas claras  e negociar firme.

    Para isto, Dilma, um governo unitário, remando para o mesmo lado, começa por onde esvai mais grana e vai fechando os poros que estes vampiros abrem.

    Acorda, Dilma!

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