A judicialização da política em debate na Faculdade de Direito da UnB

Enviado por BrunoDF

Da UnB

Oficina na Faculdade de Direito discute Judicialização da Política
 
Pedro Wolff – Da Diretoria de Ensino de Graduação a Distância (DEGD/DGP)
 
O termo “Judicialização da Política” pode ser desconhecido, mas o cidadão está exposto a ele pela mídia. Quando se esgotam todos os poderes de argumentação e fundamentação do Executivo e Legislativo, resta apelar ao Judiciário para definir pautas de natureza complexa sem ter o domínio técnico e ainda sofrer ingerência dos outros poderes da República
 
No auditório Joaquim Nabuco da Faculdade de Direito da UnB, ocorreu a oficina “Judicialização da Política”, promovida pelos alunos de Direito do Movimento Anísio Teixeira, dentro da programação do Encontro Nacional dos Estudantes de Direito. O evento, ocorrido na última quarta-feira (23), contou com 200 inscritos que assistiram a quatro palestrantes. Foram eles: a secretária da Comissão da Mulher Advogada da OAB do Brasil, Gislaine Caresia, o cientista político da UnB, Wanderson Maia, o professor de direito da UnB, Alexandre Veronese e o promotor de Justiça Isaac Pereira.

 
Gislaine Caresia abriu seu discurso apresentando o fato que a expansão do poder judicial tomou conta dos países, tornando-se um mecanismo de controle dos outros poderes. Ela, na condição de advogada, diz estar muito preocupada pelo alto número de ações de inconstitucionalidades observadas e pela falta de leis para temas polêmicos. Um exemplo citado por ela é a pauta da legalização do aborto, em que diz que possivelmente por covardia o Congresso ainda não fechou uma posição sobre o tema. Falou também do excesso de ativismo do Ministério Público (MP) e do Judiciário nas questões de decisões políticas.
 
Para fundamentar sua fala, citou uma pesquisa feita pela OAB, para levantar quem são os que mais acionam o Superior Tribunal Federal (STF), nesta ordem: governadores, grupos de interesses (como, por exemplo, sindicatos), partidos da oposição e o Ministério Público.  “Essa pesquisa apontou que o uso do tribunal pela oposição e o argumento da inconstitucionalidade são crescentes”.  Diante disso, a advogada tem uma análise que, diante da ausência de determinadas leis, os tribunais defendem temas particulares.
 
Gislaine Caresia fala sobre a judicialização por meio do ativismo. “Outra pesquisa nossa mostra que a grande maioria dos integrantes do Ministério Público é o quarto setor da sociedade que mais aciona o Supremo, acredita que a população é incapaz de defender seus direitos”.  E por fim, os juízes, que, mesmo sem ter as devidas formações técnicas, decidem as pautas sobre educação, saúde e alimentação. Ela acrescenta que até mesmo o espetáculo midiático influencia os magistrados e questionou os alunos: “Qual a parcela dos políticos na judicialização quando quem mais pede ações no Supremo são os governadores e na terceira posição é a oposição?”.
 
E para encerrar sua fala, passa sua mensagem pessoal aos futuros profissionais de direito presentes: “Reflitam bastante sobre a decisão de seguir concurso na carreira de advocacia. Pois é o advogado que tem a oportunidade de lutar pela justiça e pelos direitos”, encerrou.
 
MECANISMOS – Wanderson Maia não escondeu a felicidade e honra de como recém-formado ser convidado para a sua primeira palestra na própria instituição. Falou aos alunos que extrapola a ideia de que a judicialização ocorra apenas no âmbito do judiciário. Ele dá como maior exemplo as Comissões de Constituição e Justiça (CCJ) presentes no Congresso Nacional. “É uma disputa territorial para conseguir espaço e há um status para quem consegue presidir a mesa”. Anderson observa que a linguagem do parlamentar muitas vezes se assemelha a de um jurista. “Há muitas citações de leis e artigos em detrimento à discussão dos mecanismos legislativos de uma nova lei sobre o povo”. E prossegue que “diante de vários contrapontos, quando a pauta se esgota, vem o questionamento judicial que finda todos os argumentos legislativos que vieram anteriormente”. Ele acrescenta a influência da mídia nesse jogo de poderes, mas diz que há um viés positivo nessa espetacularização: aguçar a curiosidade da sociedade de questionar e fiscalizar o judiciário. Cita iniciativas populares de fiscalização do Executivo e Legislativo, como exemplo, o “contas abertas” e os diversos portais da transparência, como “adote um parlamentar” e o movimento “ficha limpa”. “Diante de cada vez mais debates tão penetrantes por que a sociedade não pode criar um mecanismo fiscalizatório da classe jurídica para desenvolver no país o controle social daquilo que é público?”, finalizou.
 
Para o terceiro palestrante, o professor Alexandre Veronense, entender o problema é mais importante que conceituá-lo. Ser a favor ou contra a judicialização é um exercício de raciocínio especulativo. O educador disse que é razoável que haja transferências de decisões entre os poderes. “Mas devemos analisar até que ponto é bom ou ruim esse trânsito das decisões políticas. E mais, até onde deve ser decidido pelo Judiciário?”, questionou.
 
Veronense contextualiza que, somente na década de 1980, surgiu o interesse nos EUA de entender o papel do judiciário dentro do sistema político, para analisar como que suas decisões influenciavam no poder econômico. “Naquele contexto, as decisões dos magistrados foram importantes para resolver o problema social da discriminação da mulher no mercado de trabalho”, exemplificou.
 
Veronense avançou que a formalidade jurídica é cada vez mais absorvida pelo legislativo e judiciário e muitas vezes esse terceiro poder se torna o ator mais importante nas decisões.
 
LEGITIMIDADE – O promotor de Justiça Isaac Pereira abriu seu debate lembrando que certa vez assistiu na televisão a um ministro do Supremo afirmando ter tomado sua decisão para o melhor do país. Ele questionou a plateia se a decisão de um magistrado deve ser limitada somente à doutrina da lei, sem qualquer interferência. E abre uma interpretação histórica, anterior à criação do próprio Estado, que esta classe que detém o poder hoje foi criada para ter prestígio e regalias perante a sociedade. E diz que um dos aspectos do Iluminismo é a sujeição dos agentes públicos à legislação, ou seja, todos são iguais perante a Lei. Mas os juízes podem tomar decisões políticas porque são resguardados pelo fato de sua classe deter poder”, disse.
 
Isaac questionou aos alunos de diferentes estados sobre uma escuta ilegal que é utilizada para se chegar à autoria de um crime hediondo. “O poder pode usar isso, mas a sociedade exige regras e contenção do poder público para legitimar seus atos”, ponderou.
 
E novamente trouxe a comparação histórica afirmando que o empoderamento de uma classe, na criação do Estado, aconteceu pela justificativa de que as vinganças de sangue entre as tribos poderiam levar à aniquilação ou à guerra generalizada. “Mas a história nos mostra que esses agrupamentos de pessoas resolviam situações como homicídios casualmente, ou seja, caso a caso, sem nunca ter havido essa ‘guerra generalizada’”. Isaac diz que este fato histórico derruba o argumento utilizado para justificar a criação dessa classe punitiva.  Isto é, nunca houve o risco dessa guerra generalizada na época anterior ao Estado, e na prática nem todos são iguais perante a Lei. O promotor sugere aos magistrados de hoje um resgate de como eram realizados os julgamentos no passado, ou seja, casualmente, caso a caso.
Redação

3 Comentários

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  1. É o nível

    Como cidadão comum não entendi completamente este texto:

    “…resta apelar ao Judiciário para definir pautas de natureza complexa sem ter o domínio técnico e ainda sofrer ingerência dos outros poderes da República”

    Mas desconfio que pautas de natureza complexa para um congresso supostamente com um nível intelectual ,moral e ético com que convivemos é que gera esta discrepância da judicialização

  2. Muito interessante o artigo que segue:

    Da OAB/RJ

    ‘A despolitização da democracia dá lugar à juristocracia’

    Em sua tese de doutorado pela Universidade de São Paulo, a filósofa Maria Luiza Quaresma Tonelli analisa a judicialização da política e a soberania popular e expõe sua preocupação com a redução da democracia ao Estado de Direito. Para ela, isso significa que a soberania popular passa a ser tutelada pelo Poder Judiciário, cristalizando a ideia de que a legitimidade da democracia está sujeita às decisões dos tribunais constitucionais. Os cidadãos são desresponsabilizados de uma participação maior na vida política do país; nesse contexto, estabelece-se o desequilíbrio entre os poderes e generaliza-se uma percepção negativa da política e até a sua criminalização, alerta.

    O Brasil vive uma situação de judicialização da política?

    Maria Luiza Tonelli – Sim. É um processo que vem desde a promulgação da Constituição de 1988. A Constituição é uma carta política da nação, mas a nossa foi transformada numa carta exclusivamente jurídica. Isso significa que a soberania popular passa a ser tutelada pelo Poder Judiciário, cristalizando a ideia de que a legitimidade de qualquer democracia decorre dos tribunais constitucionais. Ora, decisões judiciais e decisões políticas são formas distintas de solução de conflitos. Por isso o tema da judicialização da política remete à tensão entre a democracia e o Estado de Direito. A judicialização da política reduz a democracia ao Estado de Direito, e estamos percebendo que alcançou patamares inimagináveis. Nesse contexto, em que vigora a ideia conservadora de que a democracia emana do Direito e não da soberania popular, a criminalização da política é consequência da judicialização. Isso é extremamente preocupante, pois generaliza-se uma ideia negativa da política.

    A senhora diz que as condições sociais na democracia brasileira favorecem a judicialização. Como isso se dá e como afeta a soberania popular e o equilíbrio dos poderes?

    Maria Luiza – A judicialização da politica não é um problema jurídico, é político. Tem várias causas, mas é no âmbito social que tal fenômeno encontra as condições favoráveis para a sua ocorrência. Vivemos em uma sociedade hierarquizada e, em muitos aspectos, autoritária. Nossa cultura política ainda tem resquícios de conservadorismo. O Brasil foi o último país do continente americano a abolir a escravidão. Trezentos e oitenta e oito anos de trabalho escravo. Passamos pela mais longa das ditaduras da América Latina. Vinte e um anos de um Estado de exceção no qual a tortura era uma política de Estado. Não é por acaso que a sociedade brasileira se esconde por trás do mito da democracia racial e nem se escandaliza com as torturas ainda hoje praticadas nas delegacias e nas prisões. Em uma sociedade pouco familiarizada com a ideia de respeito aos direitos humanos fica fácil convencer as pessoas de que a solução para os problemas sociais e políticos está muito mais nos tribunais do que na política. Isso afeta a soberania popular, pois desresponsabiliza os cidadãos de uma participação maior na vida política do país. A judicialização favorece o afastamento da política nas democracias afetando o equilíbrio dos poderes na medida em que propicia a invasão do Direito na política. É a soberania popular desapossada de seu papel de protagonista na democracia, dando lugar à hegemonia judicial. A despolitização da democracia dá lugar à juristocracia.

    A defesa da ética na política utilizada como arma por setores conservadores e da mídia para paralisar a política, já mencionada pela senhora, estaria obscurecendo a própria noção de democracia?

    Maria Luiza – O problema não é a defesa da ética na política, mas esta última avaliada com critérios exclusivamente morais. Há uma diferença entre a moral e a ética. Agir de forma estritamente moral exige apenas certo grau de obediência; agir eticamente exige pensamento crítico e responsabilidade. Obviamente que a política deve ser avaliada pelo critério moral; ela não é independente da moral dos homens e da ética pública, mas há critérios que são puramente políticos. Valores políticos mobilizam para um fim; valores morais impedem em nome de uma proibição. A política visa ao bem comum, ao interesse público. Daí que o critério da moral não pode ser o único, pois a moral nos diz o que não fazer, não o que fazer. Por isso, a moral pode ser utilizada por setores conservadores e pela mídia para paralisar a política, tanto para impedir o debate de temas polêmicos no Parlamento, como para satanizar o adversário, transformando-o em inimigo a ser eliminado. O debate sobre a política, reduzida ao problema da corrupção como questão exclusivamente moral, e não política, dá margem aos discursos demagógicos e à hipocrisia. Isso tem mais a ver com o moralismo do que com a moral ou com a ética. Quando tudo é moral, julga-se mais a virtude dos homens individualmente do que o valor de um projeto político ou a importância de algumas políticas públicas, o que afeta de maneira substancial a noção de democracia.

    Dentro do processo político, como analisa as causas e os efeitos dos protestos nas ruas?

    Maria Luiza – Protestos têm como causa a insatisfação. Nas sociedades democráticas, protestar é um direito. Quem protesta quer ser ouvido e atendido. Em um país como o nosso, que, apesar dos avanços, ainda padece da carência de serviços públicos de qualidade, as manifestações nas ruas podem ter como efeito uma nova cultura política de fortalecimento da democracia. O que não podemos concordar, todavia, é que o uso da violência numa democracia sirva de justificativa para a conquista de mudanças sociais e políticas. O efeito pode ser o contrário. Política e democracia não combinam com violência.

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