A linhagem ancestral revelada

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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(Foto: Corbis/ Latinstock) (FOTO: CORBIS/ LATINSTOCK)

Enviado por Fabio SP

Quanto tempo para cada um poder ter a sua linhagem ancestral revelada, assim como seus parentes próximos e distantes?

da Galileu

DNA:o livro das raízes humanas

Através de testes, cientistas conseguem ler as histórias dos genes e descobrir nosso passado, ajudando a traçar o caminho percorrido pelo homem ao longo dos anos

Em 1989, um homem foi até um banco de esperma para fazer sua inscrição e ganhar alguns trocados. A ideia de se masturbar e ainda receber parecia atraente, mas ele certamente não imaginava que, 15 anos depois, um garoto fruto daquele sêmen doado faria um teste de genealogia genética para descobrir quem era seu pai. E conseguiria. Tudo o que o jovem precisou fazer foi comprar, por 289 dólares, um kit de coleta de DNA – que não passa de um palito de plástico para ser raspado na parte interna da bochecha e um frasco de armazenamento. Apesar das implicações que essa história traz ao sistema de doação de sêmen, o foco de quem recorre à genealogia genética costuma ser outro: descobrir suas origens mais remotas. O garoto comprou o serviço na plataforma Family Tree DNA, divisão de genealogia da empresa americana Gene by Gene, pioneira que já realizou mais de 1 milhão desses exames desde o ano 2000. Foi com essa mesma empresa que fiz o sequenciamento dos meus próprios genes para escrever esta reportagem.

Descobri que, ao longo de milhares de anos, pelo menos 94% do meu DNA foi forjado nas proximidades do mar Mediterrâneo. A grande surpresa, provavelmente da linhagem de meu pai, foi a descoberta de que 6% dos meus genes são característicos dos judeus que vivem na Polônia e no leste europeu – informação da qual nem meus parentes e nem eu fazíamos ideia. No ramo materno, foi igualmente surpreendente saber que, ao que tudo indica, 2% do meu DNA veio do norte da África. A precisão é resultado de técnicas de sequenciamento de última geração, as plataformas que vendem o serviço permitem o acesso ao sem-fim de histórias que o DNA de cada um tem para contar.

Uma vez que os dados são cadastrados na plataforma Family Tree DNA e disponibilizados para consulta on-line do cliente, o que no meu caso aconteceu cerca de dois meses depois da coleta, é possível ter acesso a diversas ferramentas. Minha já citada composição genética pôde ser visualizada em um mapa interativo (ver ao lado) que mostra de que regiões do planeta meus genes são provenientes. Outros mapas indicam as rotas migratórias que meus ancestrais percorreram ao longo de milhares de anos. Mas o recurso mais interessante da plataforma é o Matches, que identifica os familiares cadastrados. Por isso é importante que o número de registros seja o maior possível.

“Quem quer ser testado o faz para encontrar parentes próximos ou distantes dos quais não tinha conhecimento”, diz Max Blankfeld, cofundador e diretor de operações da Gene by Gene. E foi isso que encontrei, mais especificamente um primo de terceiro a quinto grau pelo lado paterno chamado Alfonso Famoso, um senhor italiano de 94 anos que vive em Nova York. Quem opera o seu perfil é a filha, Ann Famoso Garczynski, uma grande entusiasta da genealogia genética. “Consegui chegar até o final de 1700 na linha paterna”, ela contou via e-mail, fornecido pela plataforma para todos os matches. Outro familiar encontrado, desta vez pelo lado materno, foi Rudy Abi-akar, que vive na cidade de Chahtoul, no Líbano.

EM BUSCA DE RAÍZES MAIS PROFUNDAS

Quanto mais isolada a população, mais marcante é sua identidade, conhecida como pool genético pelos pesquisadores. Mas, ao se misturarem, as populações foram deixando rastros nos DNAs. Assim, juntando genética e geografia, os pesquisadores conseguem descobrir onde ocorreram as misturas e traçam as rotas migratórias de nossos ancestrais.

Por trás deste tipo de pesquisa atuam algoritmos poderosos como o Geographic Population Structure (GPS), desenvolvido na Universidade de Sheffield, no Reino Unido. A ferramenta cruza seus dados com as informações dos nove pools humanos existentes para revelar o local onde seus antepassados viviam há mil anos. No meu caso, o sistema apontou para os arredores de Beirute, no Líbano. “O GPS é a ferramenta mais precisa para encontrar a origem geográfica de alguém”, afirma o líder da pesquisa, Eran Elhaik, geneticista da instituição britânica.

Parte das amostras que ajudaram a criar o algoritmo vieram do Projeto Genográfico, uma iniciativa internacional criada em 2005 pelos cientistas da National Geographic Society para entender melhor as raízes genéticas da humanidade. Qualquer um pode adquirir um kit e fazer o teste. “Tudo isso é parte de um projeto de pesquisa maior que estamos conduzindo para tentar pôr uma ‘lente de aumento’ no que a genética pode dizer sobre a nossa história”, explica Colby Bishop, integrante do projeto. Até agora, mais de 600 mil pessoas, de cerca de 130 países, estão cadastradas no projeto.

MERCADO DE GENES

O mercado da genealogia genética já mobiliza mais de 80 milhões de pes­­soas no mundo, de acordo com dados da agência de pesquisa de mercado Global Industry Analysts. O relatório es­ti­ma que as 55 empresas do ramo analisadas arrecadam US$ 2,3 bilhões por ano, valor que deve chegar a US$ 4,3 bilhões em 2018. Além da Family Tree DNA, são populares plataformas como 23andMe e Ancestry.com, que oferece inúmeros documentos antigos digitalizados para estimular as buscas.

No Brasil, a ideia é pouco disseminada. “Nos EUA, a genealogia é o segundo hobby mais cultivado; esperamos que aqui se desenvolva também, por sermos um país muito miscigenado”, diz Ricardo di Lazzaro, um dos sócios da Genera, empresa através da qual fiz o exame. Ele calcula que desde a entrada da Genera no mercado, em maio, foram feitas algumas dezenas de testes, mas afirma que a procura vem aumentando. O laboratório é o único a oferecer comercialmente o serviço por aqui, em parceria com a Gene by Gene – as amostras são analisadas nos EUA, e os resultados ficam disponíveis on-line.

Cada novo participante dos testes de genealogia adiciona um capítulo à história da maior jornada de todos os tempos: aquela que conta como nossos ancestrais migraram de sua terra natal africana, o berço da humanidade, para todos os outros cantos do planeta. E a linguagem dessa epopeia, como destaca o idealizador Spencer Wells no site do Projeto Genográfico, é composta por nossos genes. “O maior livro de história já escrito é aquele escondido em nosso DNA.”

(Foto: Pedro Felipe/ Editora Globo) (FOTO: PEDRO FELIPE/ EDITORA GLOBO)

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

3 Comentários

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  1. Não entendi esse mapa. Os

    Não entendi esse mapa. Os lapsos de tempos estão subestimados. E essa frase,  o que quer dizer mesmo?

    “Apesar de não terem coexistido, cientistas confirmam a existência de dois ancestrais comuns a todos habitantes da Terra: um Adão e uma Eva que continuam sua linhagem até hoje”. 

    Parece coisa de geneticista criacionista. 

  2. ARTIGO MUITO INTERESSANTE

    Seria bom que todos fizessem este teste. Eu já fiz. Não encontrei o que procurava, mas encontrei outras coisas que valeram à pena.

     

    Cidade do Porto, Portugal, 02/05/2015.

     

    Sebastião Soares.

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