A lista de Janot e a tempestade política, por Antonio Martins

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Em Brasília, denúncia-bomba vai expor corrupção do sistema político. Nas ruas, prepara-se a retomada das lutas sociais. Como ligar os dois pontos?

Por Antonio Martins

Do Outras Palavras


ATUALIZAÇÃO:
No final da tarde desta terça-feira, o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao STF a abertura de 83 inquéritos, para investigar dezenas de políticos implicados nas delações da Odebrecht. Mas ainda não se conhece os nomes que compõem a segunda “lista de Janot”. O pedido de quebra de sigilo sobre os inquéritos está nas mãos do ministro Edson Fachin.

Duas tempestades estão se armando no horizonte político do Brasil neste exato momento, e vão desabar nos próximos dias. Juntas, elas têm força para colocar o governo e os conservadores na defensiva, e varrer o ar pesado dos retrocessos, que contamina o ambiente do país há onze meses. Mas sua potência pode ser desperdiçada, porque a esquerda – e também os chamados “novos movimentos” – permanecem perplexos, sem narrativa e sem propostas para sair da crise.

 

A primeira tempestade é a nova “lista de Janot”, que o Procurador Geral da República publicará a qualquer momento. Ela é fruto da Lava Jato e das delações dos executivos da Odebrecht. Apesar dos partidarismos da operação, que em sua fase inicial perseguiu apenas políticos de esquerda, dessa vez não será possível tapar o sol com a peneira. O sistema político brasileiro – este mesmo que avança sobre os direitos sociais – está podre. 78 dirigentes da maior empreiteira do país prestaram 950 depoimentos. Contaram, segundo O Globo, que pelo 170 deputados, senadores e governadores receberam dinheiro em troca de favores à mega-construtora.

Não se sabe ainda quais serão denunciados por Rodrigo Janot, mas tudo indica que será impossível omitir o núcleo duro do governo Temer e os cacique do PSDB. Gente como Aécio Neves, que a Odebrecht alcunhou de “Mineirinho”; o ministro Eliseu Padilha (o “Primo”), o senador José Serra (o “Careca”), Geddel Vieira Lima (o “Babel”), Geraldo Alckmin (o “Santo”). O próprio Temer foi citado 43 vezes nas delações mas não é presença certa na lista, porque a Constituição não permite processar o presidente por crimes cometidos antes de seu mandato.

A chegada da tempestade já colocou Brasília à beira de um ataque de nervos. Há alvoroço. Multiplicam-se as reuniões. Temer e o ministro Gilmar Mendes, do STF encontraram-se secretamente no domingo, relata “O Estado de S.Paulo”. Horas antes, no mesmo domingo, Gilmar havia almoçado com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para discutir uma mudança de emergência no sistema eleitoral. Sob pressão intensa, talvez a casta política tente prometer que se auto-reformará. Alguém acredita?

* * *

A segunda tempestade é a mobilização popular. Estão crescendo, em todo o país, os sinais de que serão muito intensos, nesta quarta-feira, as greves e protestos contra o desmonte da Previdência e a lei que permite a terceirização selvagem do trabalho. A mídia esconde ou distorce abertamente os fatos. Nesta matéria da Folha de S.Paulo, a provável grave dos metrovíaros e condutores de ônibus é tratada como “transtorno”.

Mas tudo indica que, pela primeira vez em onze meses, os movimentos sociais conseguiram fôlego para expor as consequências da agenda de retrocessos do governo. Pode ocorrer amanhã a maior mobilização de trabalhadores dos últimos anos. Categorias como os professores, os operadores dos transportes públicos e os bancários prometem parar. Os sem-teto, os sem-terra e outros movimentos prometem se somar aos protestos, que ocorrerão em dezenas de cidades.

O desconforto vai muito além dos sindicatos. Está se espalhando rapidamente a compreensão de que a chamada “reforma” da Previdência é um ataque aos direitos da maioria – e em especial, dos mais pobres — em favor do sistema financeiro. Os deputados sentem-se pressionados. Se a votação fosse hoje, o governo provavelmente sofreria uma derrota dramática.

* * *

Qual a legitimidade do atual sistema político? Um Congresso em que centenas de deputados e senadores estão gravemente implicados em denúncias de recebimento de propina pode investir contra os direitos da maioria? Não é hora de exigir uma reforma política profunda, de interromper a agenda de retrocessos, de reabrir o debate sobre o futuro do país?

Infelizmente, esta pauta ainda não é abraçada por quem poderia sustentá-la. A esquerda histórica continua capturada pela institucionalidade. Teme questionar um sistema político onde também encontra espaço e abrigo. Sonha com 2018. Já os chamados “novos movimentos”, que se consideram herdeiros de junho de 2013, parecem se satisfazer com a condição cômoda de críticos de tudo, eternamente reativos, sem assumir a responsabilidade de apresentar alternativas.

Ainda é tempo de rever estas posturas, mas é preciso agir rápido. A História ensina: é em vácuos como este, quando cresce o sentimento de injustiça e ninguém oferece uma saída, que germinam o rancor e o autoritarismo radical.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

11 Comentários

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    1. Tem toda razão, Alinne, mas

      Tem toda razão, Alinne, mas estamos atentos. Como você, confirmo que eles não só foram delatados mas, em primeira mão, furo jornalístico meu, nem o JN conseguiu a informacão, transmito ao Brasil primeiramente (FORA TEMER) e ao mundo a seguir, o INTEIRO teor da delacão, entre aspas, só que por amor à ética jornalística, não declino o nome do delator (ou seriam delatores ?) 

      -Dilma – “Mentirosa compulsiva. Diz que fez regime mas não comprova; e se fez mente no resultado, dizendo ter perdido 10 kg quando o correto é apenas nove”;

      -Lula – “Outro grande mentiroso, fala em cangebrina e só bebe, arrgh, água; comprova-se vendo a gravacão de sua entrevista hoje a um juiz de Brasilia”;

      -Palocci – “Enganador, nem italiano é”;

      -Mantega – “Não honra sequer o nome, só gosta de margarina”.

    2. Foram citados ou incluídos?

      Foram citados ou incluídos? Falta esclarecer melhor!
      O que está na notíca da FSP: “A PGR incluiu os nomes dos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff e dos ex-ministros Guido Mantega e Antonio Palocci “.

  1. Vocês ainda acham que um

    Vocês ainda acham que um criminoso como Janot irá mesmo incriminar qualquer aliado que seja? A menos que o plano dele seja se tornar presidente do país ele irá esconder os processos contra amigos e inventar processos contra inimigos, e vocês tolamente esperando que ele vá colocar na cadeia alguém relacionado com o golpe de estado.

  2. Listão p/ enganar trouxa

    Pra mim, qualquer lista/denúncia elaborada por Rodrigo Janot, Sandra Cureau ou qualquer outra figura da procureur não tem nenhum valeur .  

  3. Mobilização popular,  você

    Mobilização popular,  você vai ver se a lista não conter toda a politaca nacional.

    Eu so sei que quero ver o circo pegar fogo e o palhaço morrer queimado.

     

     

  4. ele não deixaria de incluir

    ele não deixaria de incluir Lula e Dilma, mesmo sem convicção e ou, provas. A “rede” foi lançada para pegar Lula, Dilma e o PT, como em vez disso, ela veio cheia com o  PSDB, PMDB, etc, ele tenta introduzi-los à sua vontade, pós pesca.

  5. É muita ingenuidade

    Essa lista com muitos golpistas é puro teatro. Os golpistas querem passar a imagem de imparcialidade. Nenhum golpista será julgado. Quem vai ser preso dessa lista será só o Lula e a Dilma. O resto é conversa pra boi dormir. É por isso que nossa esquerda amadora está perdidinha. 

  6. Janot, sabotador?

    Não acredito que o PGR, Rodrigo Janot, teve a coragem de colocar a Dilma e o Lula nessa lista; sabotagem, só poder ser mentira da mídia e dos Blogs sujos, ou o procurador quer melar a Lava-jato ao coloca-los nessa lista; não acredito.

  7. E os fatos, o público e o papel da imprensa?

    Muita gente, hoje e nos próximos dias, estará na expectativa para saber quem está na lista de Janot, por todas as razões possíveis. Alguns esperam por mais uma oportunidade para execrar Lula, Dilma e tantos petistas quanto possível, outros desejam ver os aliados de Temer, especialmente os do PSDB levados ao pelourinho.

    Nessa polarização, a mídia em geral, e não somente os jornalões e as redes de televisão, está alinhada a um lado ou outro. Desconsiderando o provável desequilíbrio de forças entre a mainstream media, tradicionalmente conservadora ou de direita e as mídias independentes, em grande maioria, progressistas ou de esquerda, esse alinhamento ideológico, no seu extremo atingindo níveis de aparelhamento político, é nocivo e perigoso. O momento político e a democracia, ora fragilizada como nunca após 1985, não o permitem. É direito do cidadão e é obrigação precípua da imprensa a boa informação. O texto opinativo e as análises entre parênteses tomaram de assalto o jornalismo e submeteram a velha e boa reportagem que oferecia fatos e permitia ao leitor chegar às próprias conclusões. Opiniões e análises colocam uma visão interpretativa sobre fatos. Ao considerarmos que há, em paralelo, permeando e condicionando os acontecimentos, circunstâncias que escapam à narrativa simples e plana, as opiniões e análises têm seu espaço e são necessárias. Contudo, são auxiliares à informação, não devendo ignorar ou distorcer fatos e, para tanto, destes não podem se afastar. Quanto mais importante o fato, mais relevante é a sua reportagem e, no caso presente, é imprescindível dar os fatos.

    O que se vê é: de um lado o destaque à presença de Dilma e Lula como arrolados na lista e a minimização sobre quem e sobre aquilo afetos ao governo e a sua base de apoio e; de outro, uma abordagem diametralmente oposta. Isso atende à expectativa de dois públicos, situados nos extremos ideológicos aos quais cada veículo se alinha. Mas, e os demais, aqueles que querem e precisam saber dos fatos e a quem matérias parciais ou dirigidas não atendem, como ficamos?

    Temos, estes, o conhecimento inequívoco e concreto ou, seja, o fato, que os progressistas sofrem uma perseguição política movida pelo establishment ao estilo McCarthy. A parcialidade alcança as instituições, sejam de comunicação, sejam de apuração e investigação, sejam o Ministério Público e a magistratura.

    Muitos, desejamos, pelo o que cremos ser o bem do País e de seu futuro, que os rumores sobre Lula e Dilma não sejam seguidos de denúncias pela PGR. Mas, como provável é, se ocorrer, que sejam denúncias vazias, menores, baseadas em convicções e não em provas. Eventuais condenações que as sucedam que o sejam amparadas em teses antidemocráticas e espúrias, como a do domínio do fato. Logo, se formalmente legais, ainda assim ilegítimas. Em tal situação, onde esteja evidente que as circunstâncias e seu desfecho resultaram de interesses de poder, cuja força atingiu líderes opositores apenas como meio de alcançar objetivos próprios, o projeto progressista poderá ser mantido, até fortalecido, e o julgamento dos promotores dessa tragédia virá, oportunamente, para aplacar as injustiças.

    Ao par do desejo anunciado de ver Lula, Dilma e, por conexão, todo um projeto para o País serem poupados por mérito, é vital conhecermos dos fatos com a urgência e precisão possíveis. As eventuais ilegalidades arroladas em denúncia ou em pedido de investigação feitos pelo Ministério Público aos tribunais, afeitas a todos os envolvidos, estão bem consubstanciados e têm real procedência? Por exemplo, o noticiado em O Globo de que Marcelo Odebrecht afirma ter pago 23 milhões de reais à Lula e a ilação implícita que é indício de ato criminoso procedem ou não?

    É difícil acreditar que o Presidente Lula, amparado em uma história de superação pessoal e de tamanho êxito na condução de um governo que mudou a face do Brasil, o primeiro e único líder político brasileiro a ter reconhecimento mundial, uma referência universal para os povos, ousasse se atirar de cabeça na lixeira da história. Também não casa com o comportamento visível da Presidenta Dilma (declino gênero após o Golpe), com sua postura pública, com seu modo de vida e com sua história pessoal e política a acusação de desvios de conduta, de atos próprios ou delegados a terceiros de corrupção. Custa-se a crer que tais fatos sejam reais e esperamos que não o sejam. Todavia, nós, público interessado, precisamos saber. Não podemos ficar à mercê de versões.

    Muito embora, conceitos como público, povo, cidadão e eleitor, ante a semiótica, sejam objetos cuja leitura e entendimento pelo interpretante estejam submetidos a sua contextualização e, por decorrência, percam parte do seu sentido concreto, real, sendo abstraídos e, não raro, usados como figuras de linguagem, somos concretos, seres que pensam, selecionam opções e decidem. No mínimo essas características demandam consideração.

    Muito se debate, em todos os círculos, profissionais e acadêmicos, sobre o papel da imprensa, a sua contribuição para o bem ou para o mal, especialmente, sobre seu papel nos momentos de crise social, econômica ou política. Restam acusações por ação e omissão enquanto se sucedem as crises e os seus decorrentes passivos de credibilidade, pesando sobre o conjunto da imprensa. Parece que jornalismo, a não ser o especializado, não deveria ser pensado e moldado com o objetivo de alcançar um dado segmento de público. A linha editorial e o formato da notícia deveriam resultar da visão ética e ideológica adotada publicamente por cada veículo e na oposta que a sua qualificação e atribuição de valor jornalístico pelo público levaria a conquista de leitores e de audiência.

    Pode esta ser uma interpretação romântica e pouco qualificada, até ingênua. Entretanto, é fato que o modelo atual tem levado ao descrédito, ao crescente afastamento do público mais crítico e mais exigente, dito qualificado, e a submissão das redações a interesses conflitantes com a prática do verdadeiro jornalismo e da própria instituição Imprensa. Então, não seria este, o momento presente, uma oportunidade? O momento de se fazer e de marcar diferença?

    Com a palavra a Imprensa.

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