A luta do Ministério Público para punir os torturadores – 2

Jornal GGN – Na segunda parte da entrevista, a procuradora da República Eugenia Gonzaga conta como decidiu entrar com ações cíveis contra responsáveis pela ocultação de cadáveres, como Brilhante Ustra e também civis como Paulo Maluf, Romeu Tuma e Harry Shibata.

Relata a resistência dos procuradores em entrar com ações penais e a maneira como ela e o colega Marlon Weichert desenvolveram a argumentação para entrar com a responsabilização civil.

O depoimento foi concedido a Lourdes Nassif, do Jornal GGN.

Até 2005 não se falava em punição aos torturadores.

No Brasil, a transição democrática foi feita de maneira orquestrada. Parece que ficou sedimentado no entendimento dos juristas e das autoridades que tudo seria anistiado, que não seria mais possível nenhum tipo de responsabilização dos autores dos crimes, desde prisões ilegais, retenções indevidas na cadeia, atos de tortura, assassinatos sob tortura e a não comunicação aos familiares, com enterros sem registros de onde estariam os corpos. 

Todo mundo que passou pelas faculdades aprendeu que os crimes da ditadura estavam anistiados. E Eugénia não via questionamentos consistentes à Lei da Anistia no campo jurídico.

Mas esse entendimento não estava sedimentado entre os familiares das vítimas.

Os familiares vieram até o Ministério Público com pedido humanitário de resgate dos corpos, mas avançaram.

Nas primeira reuniões sobre identificação de corpos, uma das viúvas procurou Eugenia e disse: “Só iremos descansar quando recebermos os corpos dos entes queridos e houver a responsabilização de todas as pessoas que levaram a esses assassinatos”

Eugenia explicou que havia uma lei da anistia. Não a convenceu. Disse que havia pessoas sendo processadas no resto do mundo por crimes semelhantes.

A partir da Constituição de 1988 a tortura tornou-se crime imprescritível. Mas os atos em questão haviam sido praticados muito antes e há um princípio básico em direito, de que a lei não retroage para punir réus.

Foi a viúva quem ofereceu a primeira luz. Informou que os inquéritos eram todos mentirosos. O inquérito sobre a morte do marido foi encerrado com a informação de que ele se suicidou. E havia provas de que houve tiros e tortura no dia da sua morte.

Ocorreu a Eugenia a ideia de resgatar os inquéritos. Iria desarquivá-los, baseado em fato novo, pedir a reconstituição dos laudos e ver o que acontecia. Pelo menos teriam que apurar o que em direito penal se chama de busca da verdade real. Se tiver que arquivar o inquérito que seja com base na anistia ou outro inquérito.

Para sua surpresa, não existiam inquéritos. Eram inquéritos na Justiça Militar onde as vítimas eram os réus, sendo processados como terroristas. Apesar de tantos homicídios cometidos em delegacias, não havia registro algum: só um laudo com um T vermelho (de terrorista).

A ideia de reabrir os inquéritos caiu por terra. Mas Eugênia resolveu avançar na ideia de que mesmo a anistia, para ser reconhecida, tinha que ser no âmbito de um processo. Havia a questão da prescrição da pena.

Na entrega do cadáver de Flávio Molina, Eugenia levantou pela primeira vez outra tese. O crime de ocultação de cadáver é permanente enquanto o cadáver não for entregue. É similar ao crime de sequestro, que só começa a contar depois de apurado o crime.

Falei, então, que o prazo para a prescrição dos crimes cometidos contra Flávio Molina só começariam a contar a partir daquele momento, de entrega de seu cadáver.

Houve uma reação terrível, com muitos colegas recomendando não mexer mais naquilo. Eugenia não era procuradora criminal, portanto não poderia agir no campo penal. Ao menos de poderia tentar a responsabilização civil, com reparação de dano e alguma perda de cargo.

Convidou e o colega Marlon topou estudar o tema.

Coincidiu com decisão da Corte Interamericana em um caso similar no Chile no qual mandou processar os autores de um desaparecimento. No Chile também teve Lei da Anistia e a prescrição, à medida em que, assim como o Brasil, o país não tinha assinado a Convenção da Prescritibilidade.

A partir dessa decisão, houve uma reavaliação do tema. Foi montado um evento em 2006, com juristas da Argentina, Chile e Peru e chegou-se à conclusão de que cabia responsabilização sim, especialmente no crime  de ocultação de cadáveres.

Foi redigido um documento, a Carta de São Paulo, o primeiro que afirmou taxativamente que poderia haver a responsabilização.

Em 2007, Eugenia e Marlon entraram com as primeiras ações, contra Carlos Alberto Ustra e Valdir Maciel, mas também contra civis que contribuíram para o crime – especialmente o ex-prefeito Paulo Maluf, o delegado Romeu Tuma e o legista Harry Shibata.

A ação está pendente de julgamento.

Junto com a ação civil, passaram a representar penalmente para procuradores que tinham essa atribuição, para que entrassem com ações para apurar os crimes contra Flávio Molina, Luiz Cunha e Vladimir Herzog.

No entanto, os procuradores não quiseram entrar na briga. Arquivaram as representações. Algumas dessas posições foram homologadas pelo Ministério Público Federal, invocando a tese da prescrição para não haver responsabilização criminal.

Mas a dinâmica estava aberta e não haveria mais volta.

Luis Nassif

4 Comentários

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  1. A luta do Ministério Público para punir os torturadores – 2

    Este assunto pode até progredir, mas na prática já está vencido. Estes responsáveis estão hoje todos com mais de 70 anos de vida e por isto não são impútáveis penas de prisão. Ficará apenas para a história este julgamento mas que na próxima revolução será desfeita. Esses vovôs combatiam a implantação do comunismo no Brasil e pelo andar da carruagem, o PT quer repetir esta tentativa, mesmo que usando uma maquiagem diferente e que resultará inevitavelmente numa nova revolução. Só que da próxima vez não se cometerá o erro que foi cometido pelos militares. Pra um bom entendedor meia palavra ba…

  2. E Deus criou a mulher …

    E Deus criou a mulher.

    Aí meu chapa, não adianta esconder pois as mulheres adoram detalhes.

    E aí, a dona Eugênia foi ser Procuradora de República, virou Dra. Eugênia  e começou a procurar  e começou a achar os torturadores covardes, que vão, obviamente, “sifu” (copyright Lula).

    Aí meu chapa é questão de tempo pois a Dona Justa, que anda meio Dona Injusta, vai botar a mão na turma toda.

    Por favor dra. Eugênia quando o volume de serviço estiver diminuindo peça pro seu colega Dr. Marlon Weichert segurar as pontas, pra senhora ter um tempinho pra achar o DARF da GLOBO. 

    Enquanto isso não acontece eu continuo perguntando – GLOBO KD ODARF?

  3. As viúvas de 1964.

    Para bom entendedor, meia palavra basta, mas para reconhecer um fascista, basta ler seu post. Um Vitor Hugo que não passa de um ser imoral. Quando a polícia arrancar-lhe um parente e o corpo desaparecer, ele, aí sim, vai clamar por democracia.

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