A melhor cerveja do mundo, por Walnice Nogueira Galvão

Ninguém ignora que as cervejas belgas são as melhores do mundo. Pois bem, dentre as inúmeras marcas, há uma que é considerada a melhor de todas.

Começando pela popularidade, sabe-se que os belgas são os maiores aficionados  do planeta. Seu consumo per capita é mais ou menos o dobro daquele entre os alemães, os ingleses ou os checos, todos eles grandes adeptos.

Os belgas se jactam de fabricar 1.200 diferentes marcas, e é bem possível que seja verdade. Desde a Idade Média vários mosteiros trapistas, de monges que fizeram voto de silêncio, já produziam cerveja: indispensável à época, e por dois ponderáveis motivos. Primeiro, era um líquido esterilizado, enquanto a água, não tratada, estava quase sempre contaminada. Por falta de cuidados, as pessoas morriam como moscas, só de beber água. Segundo, porque cerveja alimenta, e comida não sobrava em época de penúria.

Até as crianças, na Bélgica, sabem explicar pormenores da fabricação. Pelos campos, vêem-se plantações de lúpulo e dos cereais que compõem as diferentes cervejas: cevada, centeio, trigo, etc. O malte é outra história, ele deriva de procedimentos a que os cereais são submetidos.

Nessas plagas, muito prezada é a lambic, que só existe por lá e tem uma história interessante. É a mais antiga, a primordial, talvez a mãe das outras, por ser de fermentação espontânea, causada por leveduras selvagens provenientes do ambiente.

Por isso, nunca se sabe no que vai dar, os resultados podendo surpreender o incauto. Numa época em que todas as produções são padronizadas, submetidas a higiene e repousando em recipientes de aço inoxidável, esta não admite sequer pasteurização. Dizem que fica melhor ainda se armazenada em velhos barris de vinho já descartados, cheios de mofo e de fungos. O sabor da lambic é forte e peculiar, não combinando com todos os paladares: uma ale ou uma lager correm menos risco de desagradar.

Com tudo isso, e o tempo que os belgas gastam a discutir cerveja, é curioso observar alguns de seus tópicos. Como, por exemplo, disputar qual é o minúsculo bar de periferia que recebe uma vez por ano um único precioso barril, e em que época. Vai-se conferir, e o bar só tem duas mesinhas. Mas a reputação desse barril atravessa os ares e os mares.

A prestigiosa revista The Economist, do alto de sua gravidade britânica, dedicou há pouco uma edição ao glorioso néctar nacional. E revelou que a melhor de todas é a WestVleteren. Marca? Não: topônimo. Vleteren é uma aldeia quase na fronteira. É em sua fímbria oeste que fica a abadia de São Sixto, de monges trapistas fabricantes da bebida desde tempos medievais.

Comprá-la é toda uma novela. O fã não penetra na abadia: é contido no portão, onde há uma vendinha. É ali que faz sua aquisição. Que não pode ultrapassar duas dúzias de long necks por pessoa, em garrafinhas sem rótulo e sem marca. A mais famosa cerveja do mundo é anônima, e cultiva o anonimato. Além disso, custa baratíssimo, tanto quanto qualquer outra das menos renomadas do país. Os americanos há muito fazem ofertas milionárias tentadoras, mas os monges não se rendem.

A vendinha só funciona de segunda a sexta-feira, em horário comercial.  Apesar de custar tostões, acaba por sair caro, porque o habitante dos centros urbanos, como a capital Bruxelas, precisa perder a remuneração de um dia de trabalho para ir até lá. E ainda tem a despesa do combustível para a jornada de três horas ida-e-volta.

Compensa? Ah, compensa. Saborear uma WestVleteren equivale a oferecer a suas papilas um canteiro de tulipas, de todas as cores e formatos. E se o felizardo tiver ido no mesmo dia visitar os jardins de um castelo em Bruxelas que só abre uma vez por ano quando as flores desabrocham, na primavera, a sinestesia se impõe. Nesses jardins, cada canteiro monocrômico exibe um só tipo de tulipa. Apenas dois ou três canteiros maiores apresentam tulipas multicoloridas. Direitinho um gole de WestVleteren.

Walnice Nogueira Galvão

26 Comentários

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    1. O teor de álcool limite no

      O teor de álcool limite no sangue para poder dirigir é 0,5g, o que corresponde a dois copos de 250 ml de çerveja. Ou seja, a lei na Bélgica é menos rigorosa do que no Brasil, mas a fiscalização é maior e as pessoas respeitam a lei.

  1. Nada contra.

    A melhor do mundo é para quem tem paladar refinado, ou já experimentou todas. Eu, quietinho aqui em BH fico felicíssimo em tomar uma Wals e achando que estou tomando o néctar dos deuses (um dos). E ca entre nós, é muita pretensão falar que é a melhor do mundo, seja lá o que for.

  2. Correção

    O consumo de cerveja per capita na Bélgica é inferior ao consumo na Alemanha e muito abaixo do consumo na República Tcheca, campeã mundial neste quesito.

    Existem 5 marcas de cerveja fabricadas por monges Trappistes na Bélgica : Chimay, Orval, Rochefort, Westmalle e Westvleteren. As 3 primeiras são situadas na região da Walônia (sul do país, que fala francês), enquanto que a Westmalle e a Westvleteren são fabricadas na região flamenga. Todas as outras cervejas ditas “de abadia” são truques publicitários para enganar o consumidor incauto (essencialmente estrangeiro, os Belgas não são ludibriados tão facilmente nesse assunto) e fazê-lo acreditar que está comprando e tomando uma cerveja tradicional e não uma invenção comercial. A Leffe, que é encontrada com certa facilidade no Brasil, é um exemplo de cerveja fabricada pela Inbev que usa desse subterfúgio. A própria Inbev lançou no Brasil uma Bohemia tipo Abadia há alguns anos, um pouco parecida com a Leffe, porém menos incorpada e com teor alcoólico bem mais baixo.

    Das cervejas trappistes, é possível encontrar a Chimay azul (a mais forte), vermelha ou branca de vez em quando em alguns supermercados de São Paulo. Já consegui comprar Rochefort no Pão de Açúcar ; quanto à Westmalle, só em alguns bares especializados em cervejas diferentes. Também é possível encontrar a marca La Trappe, uma cerveja de monjes Trappistes holandeses.

    Até poucos anos atrás, a Orval podia ser comprada em qualquer supermercado na Bélgica ; hoje o produto praticamente desapareceu das prateleiras, porque ao contrário de Chimay, Westmalle e Rochefort, os monges da abafia de Orval não aumentam a produção de cerveja, mas as exportações, sobretudo para os Estados Unidos, têm provocado o desabastecimento do mercado local.

    Quanto à Westvleteren, como bem diz o texto, somente comprando no próprio local nos dias úteis em horário comercial.

    Para apreciadores de cervejas especiais, recomendo o bar Delirium em São Paulo, cuja carta de cervejas é bastante extensa, embora os preços sejam proibitivos (como infelizmente é o caso de todas as cervejas especiais vendidas no Brasil, sejam elas nacionais ou importadas).

    1. Parabéns

      Não gosto de cerveja, prefiro vinho, mas fiquei admirado com seu conhecimento sobre o assunto. Aprendi contigo. Sempre gosto de aprender. Estive em junho na Europa e passei uns dias na Bélgica. Lembro de um bar, uma loja na verdade, no centro de Bruxelas, chamado “250”, porque vende 250 tipos diferentes de cervejas em latas e garrafas. Apenas entrei e dei uma olhada. Para mim, parecia tudo igual, mas reconheço que o ignorante sou eu, neste assunto.

      Se você puder, por favor, me explique: é verdade que os irlandeses só tomam cerveja quente, isto é, na temperatura ambiente, sem ter passado por nenhuma geladeira??

        1. Já eu apreciou tudo, wiski,

          Já eu apreciou tudo, wiski, vinho, cerveja e tequila….

          Desde o dia que o homo sapiens sapiens descobriu o prazer do álcool nunca mais se livrou dele…parece que está escrito no DNA….kkk

          1. Ou como dizia o poetinha

            Ou como dizia o poetinha Vinícius de Moraes: o melhor amigo do homem é o whisky, o wissky é o cachorro engarrafado…hehe

      1. É de nascença

        Renato, no meu caso o conhecimento vem do berço : sou belga e morei na Bélgica até os 25 anos, tempo mais do que suficiente para aprender alguma coisa sobre esse patrimônio nacional, junto com o chocolate e as batatas fritas (não sei se você foi comer fritas numa dessas barracas que encontra em todo lugar no país, verá que são muito diferentes das daqui, pelo modo de preparo e o tamanho).

        Ainda assim, toda vez que volto para lá para visitar meus parentes, fico admirado com a quantidade de novas cervejas que surgem o tempo todo. Realmente é uma questão cultural, do mesmo jeito que o vinho faz parte da refeição na França, Itália e outros países produtores, a cerveja faz parte do DNA belga, embora eles não sejam os maiores consumidores.

        Quanto à tua pergunta sobre Irlanda, não posso te responder com total segurança. O que sei é que muitas cervejas belgas, sobretudo as mais fortes, são servidas a uma temperatura entre 12 e 15 graus, que era a temperatura do porão das casas onde a cerveja é armazenada. Nenhuma cerveja é servida estupidamente gelada como se faz no Brasil. Possivelmente as cervejas irlandesas são servidas nessa mesma temperatura, mais fresca que a temperatura ambiente, mas não gelada como aqui.

        1. Obrigado…

          … Nícolas, pelas explicações.

          Comi vários tipos de chocolates, que existem aos montes, artesanais, especialmente em Brugges. Comi as batatas fritas, várias vezes e tomei vários tipos de cerveja. Mas não tenho, é claro, a educação suficiente para saber dizer que esta é melhor ou pior do que aquela. Conseguia perceber que algumas eram mais amargas, outras mais suaves, mas minha análise era sempre bem superficial.

    2. Os preços das cervejas especiais

      Acredito que os preços das cervejas “especiais” seja artificalmente aumentado, devido à necessidade de estabelecer “exclusividade” no seu consumo – um fenômeno típico da gourmetização que hoje é moda no Brasil, o chamado “produto diferenciado”. Aconteceu com os vinhos nas décadas de 1980 e 1990, esta que teve o auge do fenômeno dos “enochatos”. Depois o vinho foi se popularizando e o aumento do mercado (junto com a queda de barreiras de importação) derrubou sensivelmente o preço dos vinhos. Lembro que na minha infância/adolescência vinho português era tão caro que meu pai só comprava uma ou duas garrafas uma vez por ano, pra acompanhar o bacalhau da sexta-feira santa. Hoje eu compro vinho do Douro mais barato que muitos vinhos nacionais.

      Pra mim, a prova definitiva do aumento artificial veio quando um amigo viajou à França e trouxe uma garrafa da cerveja DeuS pra mim. A garrafa custou 13 euros (48 reais). O custo dos impostos justifica ela ser vendida a 190 reais no Brasil (isso pela internet e nos sites mais baratos. Num bar especializado chega a 250-300 reais brincando), quatro vezes o preço do exterior?

      1. Certo em parte, errado em outro

        Há um problema de carga tributária, que é próprio do Brasil, que diz que a cerveja artesanal deve ser tributada em valor maior que a cerveja da AMBEV. Não lembro a porcentagem, mas quem ganha com isto? A indústria é privilegiada, claro, continuamos tomando cervejas de milho. Já imaginou cerveja artesanal custando apenas o dobro da industrial?

  3. Errado

    A distinta professora Walnice, que tanto me ensinou sobre Euclides da Cunha e Guimarães Rosa, lá na USP, em tempos já bem antigos, está errada desta vez.

    O maior consumo anual per capita de cerveja é o da República Tcheca, Depois, Alemanha. 

    Sinceramente, desconheço a posição dos belgas nesta escala.

  4. Dofentes paladares

    A melhor cerveja do mundo é belga, mas chama-se Leffe. Em matéria de cerveja o consenso é muito difícil, já que é uma questão de difentes paladares.

    Resultado de imagem para leffe, uma marca de cerveja 

  5. Acho que o titulo é meio

    Acho que o titulo é meio pretensioso, assim como não existe o melhor vinho do mundo, a questão do paladar é fundamental. Adoro cerveha mas só Pilsen ou Lager, cerveja preta pra mim é veneno, fiquei dois dias de cama em Bruxelas depois de um copo de cerveja preta e perdi um jantar da familia na Maison du Cygne. A mesm coisa com whisky ou qualquer outra bebida, só tomo whisky 8 anos, de 12 ou 15 nem toco, me dá dor de cabeça. Tudo isso é muito individual.

  6. Das trapistas eu prefiro a
    Das trapistas eu prefiro a Achel. Lambic tem que ser mesmo lá na fonte.
    As cervejas belgas são as melhores cervejas… belgas. Eu acho muito “carameladas’ pro meu gosto…
    Gosto mais das munchner alemãs e das ales inglesas…
    … Mas tenho notado que estao inventando um montão de coisas diferentes de algum tempo pra cá.

  7. A melhor cerveja é aquela que

    A melhor cerveja é aquela que faço em casa “made in fundo de quintal” porque ajusto ao meu paladar. Claro que só ficou assim depois de algumas derrapadas.

    Essa questão de melhor do mundo acho sem sentido porque, como diz meu pai: “Gosto e c* cada um tem o seu”. No meu caso a melhor do mundo é essa, enquanto que para a reportangem é a Westvleteren.

  8. Belgas não dominam a rte do

    Belgas não dominam a rte do lúpulo. desculpa mas a afirmação não procede, belgas são bons de fermento, que é importante mas não é tudo…

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