A morte, os moraes e os moros, por Psicanalistas pela Democracia

Henry de Groux: “Zola aux outrages” – 1898

do Psicanalistas pela Democracia

A morte, os moraes e os moros
 
Editorial

Quando alguns se colocam no papel de justiceiros contra inimigos escolhidos a dedo e insistem em permanecer nesse pedestal de barro é evidente que, enquanto o fazem, consideram que suas ações são incólumes e que não serão julgadas pela história. Os nazistas pensavam assim, os generais latino americanos pensam e pensavam assim, os Botha pró apartheid da África do Sul pensavam assim, os colonizadores escravocratas nas américas e etc. Estavam todos fazendo o bem para as pessoas que escolhiam defender, proteger, adular e fazendo o bem ao matar, torturar e explorar os inimigos desde suas posições de prestígio e poder institucional que grupos determinados e/ou uma parcela significativa da população lhes conferia. Não estavam sozinhos. Gozavam do apoio ou da omissão de muitos.

Difícil afirmar qual o papel que o massacre à Lula e sua família tiveram na debilitação e morte de Dona Marisa. Ataques contínuos, odiosos, violentos e arbitrários contra a história, filhos e honra matam pessoas, mas é difícil aferi-los porque se misturam a muitos outros fatores que também determinam uma morte prematura ou um sofrimento que, pouco a pouco, conduz à debilidade psíquica e física que desencadeia o fim de uma vida.

O ódio mata, sempre matará e continuará matando, mas ele o faz de modo invisível, sorrateiro e poucas vezes pode ser flagrado para ser julgado. Por isso é capaz de ceifar muitas vidas na obscuridade e na covardia.

É claro que muitos odiosos, além do promotor público Rômulo Paiva Filho, ou do médico Richam Faissal Ellakis e tantos outros bem formados, bem alimentados e vestidos, nesse exato momento devem estar celebrando a morte da esposa de Lula. E desejando a morte do próprio Lula, se possível, com requintes de crueldade.

Mas o ódio gera uma alegria imbecil para o odioso e destrutiva para o conjunto da comunidade e a sociedade onde vivem os odiosos, porque não se sacia com a morte de um. Ele migra para outros, nos quais os odiosos vestem uma carapuça de ferro por eles mesmos inventada, e neles atiram até aniquilá-los, e mais outro, gerando o círculo de violência que quando iniciado é muito difícil estancar. Tal prática não é episódica e eventual. Alguém imagina o que deve sentir o médico Raicham Faissal Ellakis por pacientes que o importunam no meio de um jantar ou o que pensa o promotor Rômulo Paiva Filho por colegas de profissão que lhe são adversários? O ódio é um hábito para alguns.

Por vezes uma morte é a resultante de uma impossibilidade de resistir e um desejo de partir. Outras vezes é efeito da arrebentação de uma onda de injurias que destrói o sentido da vida e corrói as esperanças no futuro.

Mas assim como surgem algozes, surgem também os que resistem aos algozes. Não são heróis, mas revoltados, injuriados, indignados e podem se tornar violentos diante da falta de alternativas. Isso acontece diante de um sentido de urgência, uma ininteligibilidade radical que orienta a reagir sempre que a sobrevivência está ameaçada. Se pessoas forem reduzidas a bichos, reagirão como bichos.

Por mais desacreditado que esteja o sistema judiciário e de saúde no Brasil, fato é que quando flagramos os operadores do direito defendendo a injustiça e os médicos propugnando o ódio e a morte é sempre incitador de profunda revolta e medo no conjunto dos cidadãos. Os membros da sociedade letrada e rica têm defendido impropérios, violências e instigado a truculência mas não sabem com o que estão mexendo.

Eles que chamam de bandidos os que lutam por um pedaço de terra; de vagabundos os que lutam por teto e abrigo e de vândalos os que lutam por educação digna pecam por ignorância profunda e medo rasteiro de perder privilégios de classe. Cindem os movimentos sociais do sentido de suas lutas porque é exatamente o que têm de fazer para odiar. Inventar categorias que não existem; cindir causa e efeito; apartar os sujeitos de suas histórias, os homens de suas responsabilidades e dinamitar o pensamento e a reflexão sem ter o que pôr no lugar.

Crianças de 3 anos podem fazer isso. Empurram o irmão da escada para destruir o que acham que seria um obstáculo à sua alegria e felicidade. Tornam-se, por essa via, cúmplices e artífices de violências e reações contra elas mesmas. Passarão logo a serem vítimas de crueldades que estão incitando, proclamando e defendendo, mas não serão capazes de cessá-las. Querem causar o desastre mas jamais se responsabilizarão pelas consequências e jamais saberão como evitá-la.

Não é possível acusar ninguém por uma morte cuja causa se esgota nas explicações sobre o corpo, mas é preciso ficar atento para rastro que o ódio deixa e que promete deixar mais óbitos atrás de si. A morte, efeito de ódios, é o caldo que faz recrudescer desejos de vingança e por aí os círculos da revolta se fecham, porque quando iniciados imantam a violência infinita que reduz toda disputa à contenda física paralisando por muito tempo o pensamento. Todo argumento perde valor e sentido e tudo se resume ao gosto ou desgosto do momento. Amo ou odeio e ponto final.

A paz só reina duradouramente quando há senso de justiça, igualdade e futuro, ela precisa de nossa capacidade de imaginar, pensar e inventar. Sem isso somos bichos, predadores e presas, que podemos conduzir a um mar de dores insuperáveis, que só quem as viveu em outros momentos de crise pode testemunhar.

Quando isso acontece o ódio veste sua armadura, autoriza-se e reage rompendo barreiras de decência e eliminando limites antes construídos com lutas e dificuldades em nome de um convívio possível e duradouro entre diferentes e divergentes. Estamos no Brasil muito longe da paz e muito próximos da guerra. Sempre estivemos, mas agora tudo assume ares de iminência.

Há muitas maneiras de interpretar a morte de alguém. Pode ser mera casualidade, pode ser o destino, pode ser uma fatalidade, mas há outras interpretações que veem na morte a resultante de um processo de crueldades que não puderam ser cessadas pelas instituições e pessoas investidas de representação e legitimidade para fazê-lo e que deviam, por obrigação moral e ética, tentar evitar o pior e não insuflá-lo. O efeito colateral de interesses que dependem de mortes para se manterem ativos será a revolta e as ações sem previsão que elas engendram.

Não temos mais como nos enganar, morreu Dona Marisa, o alvo agora é Lula, a despeito dos abraços comovidos e dos cumprimentos cínicos que povoaram o hospital Sírio e libanês. Outros, milhares de alvos são exterminados nesse momento em muitas cidades brasileiras. Depois outros virão.

A escória das elites brasileiras não pretende apenas atacar pessoas. Seu plano é muito mais ambicioso. Conduzir o Brasil ao que era: um imenso latifúndio de escravos e miseráveis com açoites em poucas mãos. Todavia muitos que se aproveitam desse momento não estão interessados nisso exatamente. Eles aproveitam a oportunidade para demonizar, matar, cruelizar e praticar, sem condenação, inefáveis maldades a céu aberto. O promotor Rômulo Paiva Filho e o médico Raicham Faissal Ellakis foram porta vozes de muitos. Um deveria zelar pela justiça o outro pela vida. Se formaram para isso. Porém num segundo tornaram-se boçais que instigam outros a beberem vísceras e sangue. Hienas roendo carcaças. Estamos no fundo do poço e o caminho só pode ser para cima.

A morte cruel não encerra nada, mas dá início a um processo de dor e ressentimento que dificilmente poderá ser cessado com abraços protocolares à beira do caixão.

A morte poderá nos instruir a nos levantarmos antes que outras mortes ocorram. E diante da premência de uma onda de maldades que não encontra termo, teremos de estancá-las de um jeito ou de outro.

Teori morto, Moraes já vestia a toga para substituí-lo. Mal termina o sepultamento de Marisa e as armas já estão engatilhadas para Lula. Enquanto isso corpos são empilhados em todas as cidades brasileiras e aqueles que reclamarão seus mortos se multiplicam.

Estaremos próximos de ter de decidir entre matar ou morrer?

Redação

8 Comentários

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  1. “Quando alguns se colocam no

    “Quando alguns se colocam no papel de justiceiros contra inimigos escolhidos a dedo e insistem em permanecer nesse pedestal de barro é evidente que, enquanto o fazem, consideram que suas ações são incólumes e que não serão julgadas pela história”.

    O Dallagnol e tão esperto que já até providenciou os criterios pelos quais sera condenado, com absoluta convicção sem necessidade de provas.

  2. A morte …..

    Espetacular o artigo. Eu não sou psiquiatra não tenho estudos suficiente para se-lo, porém, o artigo é de uma clareza cristalina. Eu do alto da minha ignorância já escrevi antes aqui mesmo no Blog do Nassif. A grande maioria dos que participaram daquelas passeatas na Paulista e no Brasil não eram bobinhos manipulados não, representavam extamente isso que diz o artigo. Muitos eram pessoas cultas cruéis capazes de qualquer bestialidade, as outras perteciam à elite que queriam e querem extamente que o país permaneça com um grande Casa Grande e a Senzala que se exploda.  A grande pergunta que não quer calar é: Como sair desse pesadelo?

  3. Pisam todo dia em nossas cabeças

    A luta vai ser mais violenta do que quiseram Getulio, Goulart, Lula, Dilma… Mas parece não haver outro jeito.

    “É uma cova grande pra tua carne pouca
    Mas a terra dada, não se abre a boca
    É a conta menor que tiraste em vida
    É a parte que te cabe deste latifúndio
    É a terra que querias ver dividida
    Estarás mais ancho que estavas no mundo
    Mas a terra dada, não se abre a boca.”

  4. Estaremos próximos de ter de decidir entre matar ou morrer?

    Sim, estamos.

    Comandos de Caça a “Petistas” será a reação da direita em 2018, quando a derrota nas eleições for iminente – essa direita psicopatizada quer destruir a inteligência nacional; 

    os verdadeiros estrategistas do golpe também querem destruir a inteligência nacional porque é essa inteligência que produz tecnologias nacionais e empresas capazes de competir com as multinacionais dos países deles.

     

    A defesa de privilégios citada no artigo traduz-se em não oferecer condições à maior parte da população para competir por posições de status na sociedade – tirar a povão dessa competição sempre foi o grande objetivo da fração psicopatizada da classe média-alta e nós, pessoas que desejamos que os gênios escondidos por debaixo da pobreza e mísério possam vencer essa competição, somo rotulados como “petistas” – o verdadeiro significado desse termo;

    assim como o verdadeiro significado da frase “Tirar corruPTos do poder” era tirar do poder as pessoas que querem os filhos e filhas do povão tenha acesso a competição pelas posição de status na sociedade. Quando chegar 2018, eles vão preferir nos matar a perder as eleições pra nós.

  5. Casa grande e Senzala

    As reações vulgares, cruéis, insensíveis, nojentas dos que se acreditam herdeiros da Casa grande, demonstram como esse povinho infeliz acha mesmo que pessoas como o Lula e família são comparáveis aos escravos da Senzala. Na época, quando morria alguém na Senzala, os moradores da Casa grande achavam que a dor dos parentes não tinha sentido, pois pertencendo à uma “raça inferior”, eles não tinham sentimentos, nem direito ao luto… Evidentemente nada mudou.

    A atitude dessas figuras, sobretudo as públicas, para com a dor do Lula me deixou envergonhada de pertencer  à raça humana.

  6. O Reich Tupiniquim

    Este é o artigo mais lúcido dentre todos que tenho lido nos últimos dois anos aqui no portal GGN (Obrigado Nassif).

    No início de 2015, alertei aos meus amigos mais próximos que veríamos emergir a “Besta” no seio da sociedade brasilera.

    Ressaltei, também, que isto se encaminharia para a criação de um Estado de Excessão (O REICH TUPINIQUIM).

    Quando a política (que deveria ser a “arte do diálogo”) torna-se o purgar do ódio, estamos a um passo muito pequeno do Nazi-Fascismo, afirmei em meus grupos de whatsaap. 

    Apesar da minha boa intenção, as agressões que sofri em virtude disso fizeram-me preferir sair destes grupos virtuais, uma vez que a maioria dos integrantes eram cidadãos da classe média-alta paulistana (meu ambiente de convívio em SP).

    Infelizmente, prevejo décadas de cicatrizes decorrentes deste período, pois o ódio é irracional e, apesar de nos afetar a todos, apenas as vítimas do dele compreendem conscientemente o mal que isso faz ao conjunto da sociedade.

    É ingênuo, apesar de belo, pensar que a solução para este impasse é apenas o Amor fraterno. è isso sim, mas muito mais…

  7. HUMANISMO VERSUS FASCISMO

    A tragédia dantesca promovida pela escalada do fascismo, que dissemina o ódio, avilta a dignidade humana e apodrece as instituições, está claramente delineada e reproduzida.

    E a espiral de violência, de todas as espécies e dimensões, avança célere na construção do caos, que ameaça dissolver a sociedade na lama fétida da infâmia, num processo que visa ‘primaveras’ a lá Iugoslávia, Líbia, Síria.

    Diante de quadro tão insalubre, iníquo e insano, não cabe nada senão perseverar na luta pacífica e democrática, para promover a construção coletiva de uma cultura libertadora, com base na fraternidade autêntica e na verdadeira ideia de Justiça Social. Nem matar, nem morrer, mas sim conscientizar, para sanear o mal através do bem.

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