A não-notícia ou como jornal pode ver copo “meio cheio” e “meio vazio”

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Jornal GGN – O grande trabalho de tabular índices de 2.945 prefeitos que se candidataram à reeleição não gerou os efeitos esperados para a Folha de S. Paulo. Nem para mais, nem para menos. Isso porque o resultado da longa análise foi de 47% de êxito para os já prefeitos que tentaram pela segunda vez o posto e 54% foram os que perderam a disputa.
 
O balanço equilibrado não geraria notícia, uma vez que não se pode ter uma das duas constatações extremas, seja a positiva ou a negativa para os candidatos às Prefeituras. Mas já com o trabalho feito e gasto, os repórteres optaram pelo posicionamento no jornal, e com o maior destaque possível em um diário, estampando a capa do impresso e do online. Qual foi o posicionamento? Os dois.
 
A manchete de capa do jornal paulista em sua versão online trouxe: “Nem metade dos prefeitos consegue se reeleger no país em meio à crise”, com a linha-fina: “Mesmo com o controle da máquina pública, mandatários centralizaram insatisfação”. Diante dessas palavras, o leitor espera que a pesquisa vá revelar uma minoria considerável de prefeitos que alcançaram o feito. 
 
Mas, usando os mesmos critérios das pesquisas de votos em campanhas eleitorais, o que houve foi um “empate técnico”. Porque aproximadamente metade deles conseguiu e a outra metade não.
 
Ainda nesta linha, mais outra contradição ao abrir a reportagem. O título migra para o oposto da conclusão inicial: “Quase metade dos prefeitos que buscava reeleição teve êxito”. Os dados obtidos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que de 2.945 prefeitos anteriores que tentaram se manter no cargo, 1.385 conquistaram.
 
A oscilação de análise entre o “copo meio cheio” e o “copo meio vazio” segue durante o texto: “O levantamento é um indicativo de que o controle da máquina municipal não é garantia de permanência dos mandatários no poder. Também reforça as análises de que neste ano o eleitor esteve mais desencantado com a política”.
 
E se artigos com base em levantamentos e pesquisas levam como uma das sustentações e argumentos as comparações com outros anos, sendo usados como formas de critérios para se ter aquela conclusão, os repórteres admitem, mais uma vez, a “não-notícia”, já que não era este o caso: “É a primeira vez que a Justiça Eleitoral compila as informações de reeleição, por isso não é possível comparar o dado com anos anteriores”.
 
Com falta de munições, os jornalistas partiram para os especialistas. Consultaram o presidente da Confederação Nacional dos Municípios, Paulo Ziulkoski, que afirmou que aqueles que recebiam o apoio de candidatos ou eleitos a nível federal e governos teve efeito reverso, “não ajudou”, ao contrário, “derrotou” quem disputava.
 
Mas a tal tese da “crise” política e econômica anunciada na primeira manchete do jornal foi contrariada pelo especialista. Talvez aí a existência de uma notícia: “O presidente da confederação argumenta que não há perspectiva de aumento de receitas e a situação deve se agravar com a proposta do teto de gastos públicos, em tramitação no Congresso.”
 
A conclusão disso é a de que, se a crise teve efeitos na eleição deste ano, não significa que será diferente na próxima disputa, diante do cenário de cortes do governo de Michel Temer.
 
Outro argumento: se o TSE não fez esse levantamento em anos anteriores, a Confederação fez e obteve o resultado de que, desde o ano de 2000, quando começou a compilar a taxa de reeleição, mais de 55% dos prefeitos acabavam se reelegendo, chegando ao índice de 66% em 2008.
 
Deste ponto de vista, seria uma comparação negativa para o resultado do ano de 2016, que teve menos êxito que esses outros anos. 
 
Por fim, a conclusão ainda da não-notícia: segundo o professor de ciência política da Universidade Federal de Pelotas (RS) que pesquisa reeleição, Álvaro Barreto, a taxa depedem de efeitos “sazonais”, entre elas a conjuntura econômica e a insatisfação com o meio político. Nenhuma novidade.
 
Seria notícia o dado, não presente no conteúdo de destaque do jornal, de que o Partido dos Trabalhadores (PT), ainda que com cenário de crise política e econômica e desconfiança do eleitor, foi a sigla que mais obteve filiados desde quando começou a ver sua imagem afetada com as denúncias do mensalão, entre julho de 2005 até março de 2016. 
 
Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

1 Comentário

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  1. Prezados:
       Pode não ser uma

    Prezados:

       Pode não ser uma grande novidade que a taxa de reeleição flutue conforme às circunstâncias, mas é isso que os dados indicam em cenários de “crise” ou de “bonança”. E o fato é que, conforme os dados da minha pesquisa, os resultados em 2016 correspondem ao mais baixo índice de sucesso da série histórica disponível, que foram de 58,3% (2000), 57,3% (2004), 67,8% (2008) e 57,5% (2012). O pico em 2008 se deu em um cenário de bons ventos, de modo semelhante ao piso de agora em um momento de retração. 

       Mas em condições mais neutras, como a literatura internacional já demonstrou, o incumbent tem vantagem estratégica sim. E os dados do país o comprovam, pois a média fica acima de 50% de sucesso (até 2012, era de 60,6%).  Não podemos nos iludir: a proximidade aos 50% registrada em 2016 não indica equilíbrio, especialmente comparado aos resultados anteriores, e sim queda. 

       Assim, a FSP tem razão no que diz. Talvez o problema esteja em apresentar a interpretação sem dados mais completos e uma análise mais aprofundada que subsidiasse o que afirma. 

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