A nova geo-economia, por Joseph E. Stiglitz

Tatiane Correia
Repórter do GGN desde 2019. Graduada em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), MBA em Derivativos e Informações Econômico-Financeiras pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Com passagens pela revista Executivos Financeiros e Agência Dinheiro Vivo.
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O ano de 2015 pode ser considerado um período “memorável” para a economia global – além de um desempenho decepcionante, ocorreram diversas alterações (para melhor e para pior) no sistema econômico global.

Em artigo publicado no site Project Syndicate, o economista Joseph E. Stiglitz (professor da Columbia University e vencedor do Prêmio Nobel de Economia em 2001) destaca o acordo sobre o clima, fechado em Paris no mês passado. Embora o economista afirme que, por si só, a proposta não é suficiente para limitar o avanço da temperatura global ao objetivo de 2 graus Celsius acima dos níveis vistos no período pré-industrial, mas foi suficiente para deixar as pessoas em alerta – o mundo está se encaminhando para uma economia verde.

Ao mesmo tempo, o articulista diz que o repúdio de uma economia com elevadas emissões de carbono, em que normalmente dominam os interesses sobre o carvão, o gás, e o petróleo, é apenas uma das várias mudanças importantes na ordem geoeconômica global, e muitas outras mudanças são inevitáveis, dada a parte crescente da China na produção e procura globais.

“O Novo Banco de Desenvolvimento, fundado pelos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China, e África do Sul), foi inaugurado durante este ano, tornando-se a primeira instituição financeira internacional importante liderada por países emergentes. E, apesar da resistência do Presidente dos Estados Unidos Barack Obama, o Banco Asiático de Investimento em Infraestruturas, liderado pela China, foi também fundado, e deverá começar a funcionar este mês”.

Contudo, o comércio foi o responsável pelas decisões mais controversas em termos geoeconômicos em 2015. Depois de passar despercebida após anos de conversas, a rodada de Doha, iniciada pela Organização Mundial do Comércio (OMC) para corrigir desequilíbrios em acordos comerciais anteriores que favoreciam os países desenvolvidos, recebeu um enterro discreto.

“A hipocrisia da América, defendendo o comércio livre mas recusando-se a abandonar os subsídios sobre o algodão e outros produtos agrícolas, colocou um obstáculo intransponível às negociações de Doha. Em vez de conversações globais sobre o comércio, os EUA e a Europa montaram uma estratégia de dividir para reinar, baseada em blocos e em acordos comerciais que se sobrepõem”, afirma Stiglitz.

Como resultado, o que era esperado como um regime global de comércio livre deu lugar a um regime discordante e regulamentado – o comércio para a maioria das regiões do Pacífico e do Atlântico será governado por acordos, com milhares de páginas e repletos de complexas regras de origem que contradizem os princípios básicos da eficiência e da livre circulação de mercadorias.

Por outro lado, os Estados Unidos finalizaram negociações sobre aquele que, na visão de Stiglitz, poderá vir a tornar-se pior acordo comercial em décadas, a chamada Parceria Trans-Pacífica (PTP), e enfrentam uma batalha para a sua ratificação, já que todos os principais candidatos presidenciais Democratas e muitos dos Republicanos se lhe opõem.

O economista destaca como um dos problemas o capítulo que proporciona aos investidores estrangeiros o direito de processarem os governos em tribunais internacionais privados, quando acreditarem que os regulamentos governamentais são contrários aos termos da PTP (inscritos em mais de 6 mil páginas). No passado, esses tribunais interpretaram o requisito de que os investidores estrangeiros recebem “tratamento justo e equitativo” como motivo para atacar novas regulações governamentais, mesmo que estas sejam adotadas simplesmente para proteger os cidadãos de danos notórios recentemente descobertos.

“Embora a linguagem seja complexa, convidando a custosos processos judiciais opondo corporações poderosas a governos com problemas de financiamento, até os regulamentos que protegem o planeta de emissões de gases que promovem o efeito de estufa estão vulneráveis. Os únicos regulamentos que parecem seguros são os que envolvem cigarros (as ações movidas contra o Uruguai e a Austrália por solicitarem uma rotulagem discreta sobre os malefícios para a saúde despertaram demasiada atenção negativa). Mas permanece uma série de questões sobre a possibilidade de processos numa miríade de outras áreas”, diz Stiglitz.

Na visão do economista, aqueles que procuram uma maior integração econômica têm uma especial responsabilidade de serem fortes defensores de reformas globais na governação: se a autoridade sobre as políticas nacionais for cedida a órgãos supranacionais, então a concepção, implementação, e aplicação das regras e regulamentos deve ser particularmente sensível às preocupações democráticas – o que não ocorreu sempre em 2015.

“Em 2016, devemos esperar a derrota da PTP e o início de uma nova era de acordos comerciais que não recompensem os poderosos e castiguem os fracos. O acordo de Paris sobre o clima pode ser um arauto do espírito e da mentalidade necessários para sustentar uma cooperação global genuína”.

Tatiane Correia

Repórter do GGN desde 2019. Graduada em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), MBA em Derivativos e Informações Econômico-Financeiras pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Com passagens pela revista Executivos Financeiros e Agência Dinheiro Vivo.

3 Comentários

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  1. a expressão essencial e

    a expressão essencial e fundamental é o acordo global,

    não esse do transpacífico, capiraneado pelos eua e seu

    armamentismo que hegemoniza tudo e a todos….

     

  2. os resíduos da soberania

    O que restaria das autonomias constitucionais se um acordo assim entrasse em vigor? As sanções terminariam recaindo sobre os povos que estão embaixo da autoridade estatal. Seria algo como a ordem mundial imaginada em 1984 de Orwell. As ‘ordens’ intra-estatais ficariam restritas à atividade do Fisco (tributação e arrecadação), das Polícias (espancar e matar), com o Exército na retaguarda destas últimas funções policiais.

    Seria a supressão no Direito da noção de Justiça. É uma perspectiva terrível, que somente poderia ser enfrentada por uma utópica união de povos afetados.

     

  3. Curioso é que quando o

    Curioso é que quando o anúncio desse acordo foi feito, a mídia brasileira, em especial a Rede Globo desceu matérias e matérias dizendo que o Brasil estava ficando para trás, que tomava suas decisões baseadas em questões ideológicas, que esse acordo tinha o potencial de mudar a geopolítica do comércio internacional, e passados apenas alguns meses da assinatura do acordo vem um Nobel em Economia, o Joseph Stiglitz, dizer que não é bem assim, que esse acordo é o pior que poderia ter surgido nos últimos tempos, e que ainda pode atentar para a soberania e democracia dos países participantes, naturalmente os mais fracos. 

    Como visto, nada mudou em nossa mídia, seu exercício preferido é diminuir o Brasil, como se tivesse certeza que uma parcela do seu grupo, originalmente, adora esse tipo de notícias, e a outra parcela, ela faz acreditar que realmente essa é a verdadeira notícia.

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