A orgulhosa vanguarda do atraso, por Luciano Martins Costa

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por Luciano Martins Costa

Um olhar sobre São Paulo

No Observatório da Imprensa

Os dois jornais paulistas que dominam a cena da imprensa escrita no Brasil voltam a atenção para o território onde têm suas bases. O Estado de S. Paulo publica, na edição de segunda-feira (22/12), um novo painel sobre o aumento da criminalidade na capital e no interior. A Folha de S. Paulo, por sua vez, traz resultado de pesquisa Datafolha segundo a qual os paulistanos são vistos por um número crescente de brasileiros como invejosos, egoístas e orgulhosos.

As duas reportagens se cruzam em alguns pontos, mas os textos e gráficos publicados reduzem a perspectiva do leitor a aspectos formais dos temas abordados, evitando um olhar para questões mais profundas, tanto do aumento da violência como da deterioração da imagem dos paulistas. Embora a Folha cite, de passagem, que a polarização das últimas eleições possa ter afetado a visão que o resto do país tem dos habitantes de São Paulo, faltou penetrar um pouco mais fundo nas causas dessa polarização.

No que se refere ao problema da criminalidade e da violência, mais uma vez a imprensa é conduzida por estatísticas oficiais, sem investir em dados paralelos que permitiriam mensurar o fenômeno num campo mais amplo do que aquele determinado pela ação de delinquentes ou pelos confrontos entre os criminosos e agentes públicos. Ficam parcialmente fora das análises os atos violentos praticados por cidadãos sem histórico de delitos, o que seria importante para o estudo da violência na rotina da sociedade.

Visto das estatísticas que apenas levam em conta boletins de ocorrência de assaltos, furtos, homicídios e latrocínios, o quadro se limita a contabilizar a atividade do crime contumaz ou organizado, que tem sempre um importante fator de sazonalidade. Por exemplo, em determinadas épocas aumenta o roubo de carga, em outros períodos cresce o furto de telefones celulares, e o assalto a bancos pode aumentar quando se intensifica a repressão ao tráfico de drogas.

Sem essa abordagem complexa, o noticiário apenas reproduz os gráficos da polícia que, como admitem as próprias autoridades, são distorcidos por fatores banais, como a isenção de taxa para a emissão de documentos em caso de roubo ou furto: supõe-se que muita gente registra boletins falsos para não ter que pagar pela emissão de uma nova carteira de identidade.

Perfil reacionário

No caso da pesquisa Datafolha, segundo a qual a imagem dos paulistas piorou, nos últimos onze anos, do ponto de vista dos outros brasileiros, a análise se concentra no fato de que o estado de São Paulo tem perdido importância relativa com o processo de redução das desigualdades regionais. A capital paulista cresce num ritmo menor do que o Nordeste, por exemplo, e isso a torna menos atraente, enquanto a melhoria das condições de vida em outras regiões reduz a necessidade de migrar em busca de bem-estar.

A Folha de S. Paulo se refere ao perfil político que foi diferenciando os paulistas dos outros brasileiros nos últimos anos, mas não faz uma relação entre a questão das escolhas eleitorais e a realidade criada pelas políticas nacionais de redução da pobreza. “Pelo menos desde 2006, o comportamento eleitoral dos paulistas – e mais fortemente, dos paulistanos – destoa do comportamento dos eleitores do Nordeste. Enquanto São Paulo consolidou-se como maior reduto do PSDB, os Estados nordestinos firmaram-se como celeiro de votos do PT”, diz o jornal.

O que não está dito é que uma parcela importante do eleitorado paulista, e, como reflexo disso, da própria sociedade paulista, vem se tornando mais conservadora, e essa característica define um comportamento que é visto, de outras regiões, como sinal de egoísmo e arrogância.

À medida que se comprovam os resultados econômicos de políticas sociais que reduzem as diferenças regionais pela diminuição da pobreza, quebra-se a histórica hegemonia de São Paulo sobre o resto do país e surgem os dois sentimentos presentes na percepção dos brasileiros: os paulistas se tornam ressentidos e reagem com manifestações de desprezo e preconceito.

O estudo do Datafolha mostra com clareza que os demais brasileiros notam o recrudescimento de um sentimento de superioridade dos paulistas, que foi bastante manifestado após a eleição presidencial. Mas a pesquisa passa ao largo de um ponto importante: ao omitir, durante anos, os benefícios da política econômica de interesse social, e ao se comportar como um partido político conservador, a mídia tradicional tem contribuído para forjar esse perfil justamente na região onde tem mais influência.

Não estranha que milhões de reacionários com elevado grau de educação formal e alta renda se mostrem tão orgulhosos de compor a vanguarda do atraso.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

16 Comentários

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  1. O mais engraçado, e

    O mais engraçado, e sintomático do que se passa na cabeça do povo do jornal é justamente a frase: “Enquanto São Paulo consolidou-se como maior reduto do PSDB, os Estados nordestinos firmaram-se como celeiro de votos do PT” “baluarte” conta positivamente e “celeiro de votos” desqualifica.  Como se diz por aí…”então tá!!!”. 

  2. Curto-circuito explicativo

    Delfim Neto disse certa vez que “toda estatística, quando bem torturada, confessa qualquer coisa”.

    A percepção da imagem dos paulistas (não apenas paulistanos) pelos outros brasileiros pode não ter uma relação  direta com seu conservadorismo, mesmo que a atitude dos paulistas após os resultados das mais recentes eleições a reforcem.

    Podem ser outros os fatores que contribuem para essa imagem e essa pode ser uma memória discursiva que vem sendo construída há bastante tempo. Ela pode ter mais a ver com um ethos paulista que não hesita em mostrar sua cara nas mais variadas situações, e ele parece ser, sim, um ethos largamente autoritário e cheio de soberba.

    Em termos de testemunho pessoal, há pelo menos 20 anos que o vocativo “paulista” nos grotões da Amazônia e do Centro-Oeste significa algo como “predador inexcrupuloso à escala industrial”.

    O provincianismo paulista é percebido por brasileiros por aí afora como caipirice crônica, lapidada com veios de egolatria.

    Para os cariocas, o paulista é um tipo quase caricatural de caipira tecnológico que nunca sai do seu gueto e dificilmente consegue se comunicar com outros que não lhe sejam análogos (veja-se por exemplo a sugestiva comédia de costumes “Muita calma nessa hora”).

    Eu estou morando em uma grande cidade do interior de São Paulo (Campinas) na qual uma dos mais usuais entretenimentos dos forâneos (quaisquer que sejam) ao reunirem-se entre si, é purgar maledicências jocosas com relação aos locais, já que esses próprios locais não admitem sob hipótese alguma que sua cidade seja objeto de uma mínima critica ou uma mínima gozação, reagindo, muitas vezes, com grosseria e alguma intimidação.

    Sem querer dar muitas explicações, e ficando apenas na constação, o que posso perceber sinteticamente é que os paulistas são para o resto dos brasileiros o que os argentinos são para o resto dos latino-americanos: paradigma de presunção.

    De onde veio essa imagem? Provavelmente de coisas bem mais profundas que eleições recentes.

     

    “Toda estatística, quando bem torturada, confessa qualquer coisa” – See more at: http://orlandobarrozo.blog.br/?page_id=7558#sthash.5YDIhSNV.dpuf

  3. Estão tão na vangarda, que é

    Estão tão na vangarda, que é a única população do mundo que vai morrer de sede orgulhosa.

    Vai ser vanguadista assina la na c… ah! deixa prá lá

  4. São Paulo deveria tem pelo

    São Paulo deveria tem pelo menos 200 KM de metrô, mas só tem 70 Km, e no esquema incestuoso de propinas dos TUCANOS, há 25 anos no poder, com as multinacioanis que construíram esses parcos km de metrô, recentemente investigado e que rolou cerca de 15 anos, 33 indiciados e nenhum tucano de alta plumagem aparece. Acho que isso diz tudo de SamPa, a MECA DOS COXINHAS despolitizado e fundamentalistas de mercado que defendem com unhas e dentes o direito de serem explorados por seus patrões, a quem chama de ‘amigos’. DESPERTA SÂO PAULO !!!!

     

    “O BRASIL PARA TODOS não passa na REDE GLOBO DE SONEGAÇÃO & GOLPES –  O que passa na REDE GLOBO DE SONEGAÇâO & GOLPES é um braZil-Zil-Zil para TOLOS”

  5. Não aguento mais São Paulo,


    Não aguento mais São Paulo, gente … Quero mudar daqui, ONTEM !! Meu DEUS, que castigo eu cometi para ser condenado a viver nessa LATA DE LIXO !?!?!?

     

    “O BRASIL PARA TODOS não passa na REDE GLOBO DE SONEGAÇÂO & GOLPES – O que passa na REDE GLOBO DE SONEGAÇÂO & GOLPES é um braZil-Zil-Zil para TOLOS”

     

  6. A capital então é o berço da vanguarda

    Mas num quesito é verdade, a todos deram chances: petistas, malufistas, peessedebistas, janios, montoros, covas, quércias, homens, mulheres e gays.

  7. Herança genética!

    Sou paulista de nascimento, paranaense de coração e sul-mato-grossense por opção. A minha herança genética paulista era o costume, mas do qual já larguei faz é muito tempo, de “lavar o carro na rua em frente de casa todo domingo de manhã”!

  8. A ficha começa a cair.
    A

    A ficha começa a cair.

    A pontinha do iceberg começa a aparecer.

    A luz do fim do tunel e de outro trem que vem vindo

    A locomotiva agora e cada vez mais vai ser  o nordeste, o que inclui Minas do norte, o centro-oeste e o norte.

    SP não deixar de ser a potencia que é, mas vai ter que se relativisar. 

    O DUCO NON DUCOR  já era!

     

  9. Já pensou se eu  falar mal

    Já pensou se eu  falar mal dos nordestinos?

    Vou ser tachado de fascista, racista e outros istas…

    Já, ler o que eu estou lendo nestes comentários… Espero que o Ministério de Controle do Ódio na Internet (em breve no novo Governo) dê uma olhadinha por aqui…

  10. Não dá prá jogar TODA ESSA

    Não dá prá jogar TODA ESSA CARGA, no povo paulistano.

    Certamente a “interpretação  dos dados” não é feita pelo povo…e sim pelos que são pagos para destorcê-los na grande mídia.

    NÃO ESQUEÇAMOS Haddad FOI ELEITO…por este povo, e contra quem, não é mesmo?

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