A pergunta que ninguém faz é: quem está perdendo com o Braços Abertos?

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Jornal GGN – O prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) disse em entrevista publicada nesta quinta-feira (28) que um dos desafios do programa de enfrentamento ao consumo de crack em regiões centrais da capital paulista, o De Braços Abertos, é lidar com os “agentes” interessados no fracasso do projeto.

Segundo Haddad, o programa reduziu o fluxo de usuários na região da Cracolândia (Luz), e isso, evidentemente, impactou no lucro de quem se beneficiava com o tráfico de drogas no local.

“Se a pessoa ganhar R$ 2 por pedra [vendida na Cracolândia], nós estamos falando de aproximadamente R$ 10 milhões de reais por ano. Esse dinheiro evaporou porque hoje caiu 80, 90% o consumo na região. Então, alguém perdeu muito dinheiro. Essa pergunta não se faz”, comentou Haddad.

O GGN reproduz, abaixo, alguns trechos da entrevista que Haddad concedeu à revista VICE.

***

Revista VICE – Estivemos no primeiro desmanche da favelinha da Cracolândia em 2014, quando começou o programa Braços Abertos. Queremos saber como você vê o usuário de crack. Quem é esse sujeito?

Fernando Haddad – Olha, eu acho que nós não devemos estigmatizar em primeiro lugar, imaginando que exista um único perfil. O que eu vi na Luz, antes de lançar o Braços Abertos, foi um problema dramático. A partir dessa visão, que, na minha opinião, é muito mais sofisticada do que a visão tradicional sobre droga, você tem de enfrentar o problema a partir da questão social. É óbvio. Toda literatura atualizada vai nessa direção. Eu li com muito gosto o livro do Carl Hart [Um Preço Muito Alto]. E o que eu aprendi lendo esses livros e conversando com especialistas é que, se você não cuidar da questão social, você não tem a menor chance de recuperar essa pessoa. Então, a política de redução de danos é efetivamente a mais recomendada pra esse pessoal. Havia uma recomendação do governo do Estado pra que a Prefeitura fechasse os hotéis do centro que eram utilizados para o tráfico e para a prostituição. Nós não fizemos isso. Nós criamos o programa, alugamos os hotéis pra Prefeitura. Em vez de expulsar as pessoas do centro, que é a recomendação higienista, né? “Põe todo mundo pra fora daqui, interna, se livra.” Nós vamos alojá-los e vamos criar um programa que oferece alimentação e trabalho voluntário remunerado – que é a grande novidade do Braços Abertos e que chamou a atenção do mundo. Veio gente da Holanda, do Canadá, da Inglaterra [nos] visitar por causa disso, dessa combinação de assistência, cuidados médicos. Todos têm prontuário, todos têm acompanhamento médico, alimentação, a questão do trabalho, a questão de [se] oferecer pra essas pessoas uma oportunidade de elas reconstruírem a sua trajetória. Qual é o problema do Braços Abertos que as pessoas, às vezes, não conseguem compreender? A política de redução de danos é incompatível com a presença do grande traficante no local. Aquele tráfico feito pelo próprio dependente – que é quase uma distribuição – é uma coisa. Mas nós não estamos falando disso. Quando as barracas se instalam e dão proteção pro tráfico, vem o grande traficante com bandeja de crack, com tijolo de crack. O pessoal, às vezes, chama de laje, chama de tijolo. Essa proteção não é para o usuário, é para o traficante. E isso impede a abordagem dos agentes de saúde e dos assistentes sociais. Desorganiza o território, que é o espaço público privatizado pelo tráfico e impede a ação dos agentes de saúde.

A primeira [ação feita na região] foi 100% pactuada, e nós desmontamos a favela. Na segunda, houve uma ameaça de resistência, porque o traficante testa o poder público. E nós fomos firmes e dissemos “Não, não vai montar”. Nós não estamos agredindo nenhum direito humano. A pessoa tá lá. Mas o tráfico não vai se instalar numa via pública.

VICE – Olhando de fora, dá a impressão de que existe um certo ruído entre a Prefeitura e a polícia. Há relatos de ações desastradas por parte de alguns policiais. Como é essa relação? Foi muito difícil fazer uma negociação pra se entender uma situação de redução de danos, que não é uma coisa usual?

Haddad – Em um ano e cinco meses de programa, nós tivemos, a bendizer, dois incidentes que reputo mais graves. Um com a Polícia Civil no ano passado e um com a Polícia Militar, que foi mais um acidente do que outra coisa. Abriram até sindicância. Mas não foi uma operação. Um agente que entrou com câmera no meio do fluxo… obviamente, aquilo gerou uma…

VICE – Não é a coisa mais inteligente a se fazer. Não no fluxo.

Haddad – Não foi uma ação planejada. Foi uma ação voluntarista que gerou um incidente grave. Com tudo isso, em um ano e cinco meses – não que eu queira, ninguém tem de sair machucado de nada –, nós tivemos mais incidentes envolvendo mais feridos no campo da guarda e da própria polícia do que no campo de moradores em situação de rua ou usuário[s]. O ideal é chegar o momento em que nada disso aconteça, e nós estamos buscando isso. Mas há muita provocação por parte de agentes que vão lá porque não querem que o programa dê certo. Isso não é o usuário. O usuário tá em paz lá. Alguns até pedindo vaga no programa. Tá certo? Tem uns que não querem, mas tem uns que querem. Quando a gente aluga um novo hotel, a gente inclui mais pessoas. Tem pessoas que lucram com aquilo. Existe lucro ali. E é isso que, às vezes, não é percebido. A pergunta é: quem lucra com aquilo? Alguém lucra. Essa pessoa pode defender o Braços Abertos? É evidente que não. A arte toda é conseguir de certa maneira manter o programa com os usuários, os dependentes, os agentes de saúde, os assistentes sociais… manter o programa afastando essas pessoas que concorrem pra sua aniquilação, que desejam que ele não dê certo. Faça a conta. Quando tinha 1.500 pessoas lá. Hoje tem, no pico, 300. Mas chegou a ter 1.500 pessoas no fluxo. Suponha que cada uma consuma 10 pedras por dia. Vê o que isso significa de lucro anual. Não é desprezível. Nós estamos falando de 1.500 vezes 10, dá 15 mil; 15 mil vezes 300 dias, 365 dias. Nós estamos falando de cinco milhões de pedras. Se a pessoa ganhar R$ 2 por pedra, nós estamos falando de aproximadamente R$ 10 milhões de reais por ano. Esse dinheiro evaporou porque hoje caiu 80, 90% o consumo na região. Então, alguém perdeu muito dinheiro. Essa pergunta não se faz. Eu acho estranho que pessoas dessa cidade críticas ao programa não se façam essa pergunta.

Leia a entrevista completa clicando aqui.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

20 Comentários

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  1. É Uma Mentira.

    Dizer que caiu o número de usuários no centro é uma mentira, não caiu, ao contrário, almentou além disso se espalhou. O Plano do Haddad foi um completo fiasco, assim como as ciclovias onde ninguém anda. Acho que que perde com as açoes do Prefeito é o cidadão de bem, infelizmente este senhou não se elege mais para nada, nem para sídico. Eu votei nele e ganhei uma cracolândia ao lado da minha casa aqui em São Judas.

     

    1. Quem usa a expressão

      Quem usa a expressão “”cidadão de bem” tem pouquissimas chances de ter votado no Haddad. Então, conta outra meu caro. Bota a cara que é mais fácil do que ficar com o discursinho de ex traída.

      1. ESTÁ CERTO

               Francy Lisboa. Virou moda falar que votou no PT e está arrependido. E também de uns tempos para cá de repente  virou moda falar que é contra todos os corruptos e citam o PSDB e depois passam a atacar somente o PT. (farsantes) 

               Em todas as cidades e distritos por menores que sejam têm tráfico de drogas. 

                Não diminuiu o consumo na mina Vila, no entanto, por terem sido presos uns elementos considerados ‘chefes do tráfico”  no local, vários adolescentes e maiores não mais foram vistos nas pracinhas próximas, sumiram.

                E foram presos em razão de uma ocorrência no meio rural de reclamação de som em volume muito alto.Uns fugiram na hora, dois foram presos e apreendido mais de 1.000 porções de cocaína. Os outros foram presos depois por deixarem celular e veículos no local.

               É preciso um trabalho social para os adolescentes e viciados como está fazendo o Prefeito Haddad.

              Os criminosos de quadrilhas que há muito tempo estão no crime aí é so cacete e na bala. 

               Vários Jornalsitas (e até um que eu lia e respeitava) e toda a grande imprensa são contra o Prefeito Haddad por má vontade, ideologia. Nenhuma ação de Governo nenhum vai dar resultado 100% positivo.

        1. Nem é São Paulo…

          Esse troll mal-alcunhado de “Wagner” nem de São Paulo deve ser. Se fosse lembraria-se da malfadada operação polícial conjunta da PM de Alckmin e da Guarda Civil Metropolitana do Kassab em 2012, que tratou os dependentes químicos da Cracolândia através da terapia do cassetete e da bordoada, provocando sua dispersão por todo o centro e bairros adjacentes, sem nenhuma ação de tratamento médico ou de assistência social.

          Caso ele se lembrasse do desastre que foi aquela ação truculenta e de seus efeitos negativos na opinião pública não falaria essa asneira de que os dependentes teriam sido dispersados pelo Haddad.

           

  2. Ponta de lança

    A ponta de lança da luta de classes no Brasil está aqui em São Paulo. A mais radical estupidez apolítica e o mais afiado conjunto de políticas públicas postas em prática que se viu nos últimos anos. Tudo convivendo numa panela que vai ferver ano que vem. Vai ter emoção!!!!

     

  3. Haddad apanha porque faz.

    Haddad apanha porque faz. Apanha porque é do PT. Apanha porque é eficiente. Apanha porque é competente. Eita que petista veio ao mundo pra ser Geni.

    1. O duro que não sabe (como a

      O duro que não sabe (como a Dilma) criar dividendos políticos.

      É um dos melhores prefeitos da história de São Paulo, mas é invisível aos olhos da população.

  4. Esse cara está mais pra

    Esse cara está mais pra modelo do que pra prefeito.

                Muito mais.

                Bonitão ! ! !

  5. Esse prefeitro além de tudo é

    Esse prefeitro além de tudo é elegante, pois ele bem deve saber que mais que os traficantes que perderam receita, tem muitos bandeirantes querendo detonar o prgrama, mas dele ele não disse nada, bem ao contrário daquele tal jaboticaba, digo, laranjeira!

  6. Avante

    O raciocínio está perfeito, parabéns. Pode haver uma integração maior entre todos os usuários e todos os colaboradores do projeto. Imagino uma espécie de concurso mensal, de nome missão. Seria uma a cada mes em forma de concurso: redações mais votadas, os temas mais votados, os melhores desenhos , os mais artisticos, as melhores composições, etc… A bola está com o prefeito.

  7. 450 quilos de cocaína num
    450 quilos de cocaína num helicóptero = nenhum tucano culpado
    Combate aos efeitos nocivos do uso de drogas = culpa do Prefeito petista

    Creio que o PSDB deve mudar sua sigla para PSDP, pois já virou o Partido Só Do Pó .

  8. Eu não sabia que falar

    Eu não sabia que falar “cidadão de bem” era proibido, votei no Haddad exatamente por causa das ciclovias que ele disse que ia fazer, mas ele fez tudo errado. Trabalho no centro, no TCE, e se digo que continua praticamente na mesma é porque continua, eu vivo lá. A cracolândia que apareceu na Bandeirantes está lá, suja e cheia de indigentes que não são “pessoas de bem” já apareceu até morto por faca ali, 200m de casa. Para Haddad não tem defesa, ele é incompetente e pronto.

    1. Entendi, vc queria que ele

      Entendi, vc queria que ele resolvesse todos os problemas da cidade em menos de 2 anos.

      Fora que o relato é incoerente. Por que ciclovias por si só resolveriam os problemas da cidade ?

      Russomano deve ser melhor que ele né….

    2. O Gov do Estado, Alckmin, PSDB também tem um programa

      O do Alckmin é pela internação forçada dos usuários de droga, para tratamento.

      Afora o fato de você discursar de que nada do que o Prefeito faça está certo (ciclovias, faixa exclusiva de ônibus, programas sociais), seria interessante sua opinião do que você considera certo.

      O seu discurso é o mesmo de anti-PT: se Haddad não fizer ciclovia, está errado, mas se fizer, está errado também.

       

      1. O velho truque o eleitor arrependido

        Esse é  velho truque o eleitor arrependido… O sujeito diz que votou no governante para tentar reforçar seus ataques ao dizer-se “decepcionado”. É um expediente mentiroso e mesquinho muito usado pela trollagem de direita.

        Várias vezes eu peguei um trouxa que estava dando esse golpe e fiquei debatendo vários pontos, em todos e esses caras atacavam  tudo que o governante (sempre do PT) fazia, sem nenhuma excessão, até que eu colocava a pergunta fatal: Se você é contra tudo que ele/ela (alguns casos foi com o Lula outros com a Dilma) fez e tudo que ele/ela disse, como é que você quer me convencer que votou nele/nela? (silêncio)

        É um truque velho previsível e medíocre de quem não tem argumentos para colocar.

  9. O maior perdedor é o DENARC –

    O maior perdedor é o DENARC – a Polícia Civil do Estado de São Paulo. Infelizmente, a Polícia Civil de SP há muito deixou de trabalhar, ganha salário pago pelo povo e faz atividades “paralelas”: cafetinar a prostituição, achacar camelôs, cobrar proteção dos comerciantes, sejam legais ou ilegais, ou até traficantes.

    Recentemente, a PM tem entrado nesta toada também, tem cobrado proteção(chamam de “contribuição”) dos pequenos empresários de Santos. Ou seja, SP dos “ótimos” tucanos está virando um “salve-se quem puder”.

     

    http://acervo.estadao.com.br/noticias/acervo,abadia-para-acabar-com-trafico-basta-fechar-o-denarc,9156,0.htm

  10. O maior perdedor é o DENARC –

    O maior perdedor é o DENARC – a Polícia Civil do Estado de São Paulo. Infelizmente, a Polícia Civil de SP há muito deixou de trabalhar, ganha salário pago pelo povo e faz atividades “paralelas”: cafetinar a prostituição, achacar camelôs, cobrar proteção dos comerciantes, sejam legais ou ilegais, ou até traficantes.

    Recentemente, a PM tem entrado nesta toada também, tem cobrado proteção(chamam de “contribuição”) dos pequenos empresários de Santos. Ou seja, SP dos “ótimos” tucanos está virando um “salve-se quem puder”.

     

    http://acervo.estadao.com.br/noticias/acervo,abadia-para-acabar-com-trafico-basta-fechar-o-denarc,9156,0.htm

  11. Editorial do Estadão já registra vitória de Haddad

    opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,otimismo-mas-com-cautela,1696388

    “A repressão ao tráfico é essencial para que o outro lado, o da assistência social e do tratamento médico dos dependentes dispostos a se recurerar por meio de programas bancados pelos governos municipal e estadual, possa ser bem feito. A experiência mostra que a pressão constante dos traficantes, tentando vender droga aos dependentes, complica o trabalho de sua abordagem e convencimento pelos assistentes sociais.

    Foi sempre difícil compreender por que as Polícias Civil e Militar, em vez de grandes e ruidosas operações, que produzem bons resultados, mas passageiros, não apertam o cerco aos traficantes numa ação cotidiana, permanete.Principalmente porque o fato de a Cracolândia ocupar um espaço relativamente curto e bem delimitado facilita esse trabalho”

    Como se vê, o Estadão deu os braços a torcer

  12. Temos que pensar também no

    Temos que pensar também no interesse imobiliário do entorno. É só pensar em juntar a fome com a vontade de comer. Se tem agentes sabotando, estão por conta ou estão sendo financiados? É uma investigação é tanto.

  13. Aluguel Social
    Estive no CRAS Vila Formosa tentando ajudar uma família necessitada a conseguir um aluguel social. Fui informado pelos responsáveis da unidade que a prefeitura não concedia mais esse beneficio as famílias necessitadas.
    Senhor prefeito Hadad explique-se para o povo que o elegeu como pode acontecer tamanha injustiça. A prefeitura aluga hoteis para drogados desassistidos, para bandidos, para delinquentes e nega ajuda à uma família com uma pessoa idosa com 95 anos e mais duas pessoas doentes e desempregadas.

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