A profecia que devora o profeta, por Luciano Martins Costa

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Do Observatório da Imprensa

Jornalistas que foram demitidos da Folha de S. Paulo fazem circular uma carta do jornal, assinada pelo editor-executivo Sérgio Dávila, justificando os cortes ocorridos na semana passada. Como se sabe, o diário paulista vem reduzindo sua força de trabalho desde janeiro. O Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo considera que se trata de uma tática para evitar que se configure uma demissão em massa, caso em que as entidades sindicais precisam ser avisadas com no mínimo 30 dias de antecedência.

Na linguagem peculiar dos momentos de crise, o texto começa assim: “A Folha realizou nos últimos dias ajustes em sua equipe. A redução é efeito da crise econômica que afeta o país e atinge a publicidade”.

Esse é o ponto central a ser discutido neste espaço, mas há outras questões levantadas na mensagem que merecem atenção. Por exemplo, informa-se que equipes serão reagrupadas e outras mudanças deverão ser anunciadas. O executivo chama o adensamento de grupos editoriais menores em equipes maiores – caso de Ciência e Saúde, que se agrega ao caderno Cotidiano – de “mudanças morfológicas”.

O jornal promete que essas futuras movimentações “não envolverão novos ajustes” – expressão que ameniza a dureza das demissões. O objetivo, afirma, “é tornar o jornal mais eficiente para atender as demandas do leitor bem como otimizar o funcionamento da redação”.

O comunicado assegura que a Folha “continua líder em seu segmento, seja em circulação, audiência ou fatia publicitária, faz parte de uma empresa sem dívidas, que integra o segundo maior grupo de mídia do país, e preserva sua capacidade de investimentos editoriais”. Portanto, é de se concluir que se trata de dificuldades circunstanciais.

Na lógica do negócio, quem paga pela circunstância desfavorável é sempre o jornalista, não o executivo que errou na estratégia ou na gestão da empresa. No caso das empresas jornalísticas, pode-se afirmar que um dos elementos mais interessantes desse jogo é o fato de que a imprensa tradicional tem se dedicado, ano após ano, a convencer o leitor de que a economia brasileira está no caminho errado. Quando o anunciante, diante de tanto pessimismo, resolve poupar seu dinheiro, cumpre-se a profecia.

O viés negativo

Há sempre mais de uma maneira de dar uma notícia, como se diz na velha anedota sobre o gato que subiu no telhado. Por exemplo, se o leitor procurar o mesmo assunto em duas fontes distintas, poderá encontrar duas versões diferentes do mesmo fato, apesar da grande homogeneidade que se observa nos principais veículos de comunicação do Brasil. No caso do noticiário econômico, predomina um viés negativo, mas mesmo nesse contexto pode-se fazer interpretações variadas.

Vejamos, seletivamente, como os principais diários de circulação nacional abordam nas edições de sexta-feira (24/4) um mesmo assunto: o índice de emprego. O Globo coloca o tema no rodapé da notícia sobre o projeto de terceirização, com o seguinte subtítulo: “País volta a gerar empregos formais”. O Estado de S. Paulo traz reportagem de tamanho médio, na parte inferior de uma página onde o destaque é também a terceirização. Diz o título: “Economia brasileira cria 19 mil vagas de emprego em março”.

Observe-se, agora, como a Folha de S. Paulo trata os mesmos indicadores. No alto da página, com dois infográficos que mostram a queda da oferta de empregos no trimestre e a recuperação ocorrida no mês de março, o leitor se depara com o título: “Emprego formal tem pior 1º trimestre desde 2002”.

Em termos de comparação, leia-se que o especialista Valor Econômico publica o seguinte título: “Mesmo com março melhor, emprego é negativo no 1º trimestre” – e a reportagem, mais equilibrada, registra uma diversidade maior de interpretações de analistas e autoridades.

Não se está aqui a dizer que a imprensa deve sempre procurar o lado mais otimista dos acontecimentos, porque uma de suas funções é manter a sociedade alerta tanto para oportunidades como para riscos ao seu bem-estar. O que, sim, se pode conjecturar, é que tem razão o ministro do Trabalho, citado nas reportagens, quando afirma que o discurso de que o país está em crise, repetido desde a campanha eleitoral do ano passado, afeta a criação de empregos.

Se o leitor tiver acesso aos três diários de circulação nacional, mais o Valor Econômico, vai entender o seguinte: a oferta de empregos caiu no terceiro trimestre mas se recuperou em março; os contratos para grandes obras estão sendo retomados, o que pode conter os cortes na construção civil; a publicação do balanço da Petrobras é vista pelo mercado com otimismo; o setor de serviços segue em pleno crescimento.

Nas redações, as profecias catastrofistas devoram os profetas.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

6 Comentários

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  1. Bem feito!

    Peço perdão por sair dos limites da boa educação e do respeito que devemos a nossos similares, mas:

    há anos, e especialmente desde 2010, meus ouvidos e minha racionalidade são vitimizados diariamente pelas obtusidades e boçalidades veiculadas pela FSP, da qual fui leitor fiel de 1978 a 1992.

    Lamento pelos “jornalistas” demitidos, eu ia dizer assalariados, mas praticamente todos eram P.J. individual, mas eles eram quem escreviam essas boçalidades que me assolam a cada vez que cruzo com um membro da tal “classe média/alta paulistana meritocrática e mais preparada”.

  2. Efeito prático.

    Bom, o efeito prático disso pe que o jornal em si está cada vez mais fino. O primeiro caderno passa por debaixo da porta. 

    Os grande anunciantes da “Foia”, as incorporadoras/construtoras, estão com o estoque imóveis em alta. Na época da máfia do ISS, envolvendo as construtoras na cidade de Sumpaulo, os anúncios bombavam. Metade das páginas eram delas, as incorporadoras, com os lançamentos.

    E o Governo Federal, então, esquece de vez, não anuncia neles mesmo.

    O catastrofismo de umas páginas afasta os bons negócios que se veiculam nas outras páginas.

    A crise está na mídia e em setores da construção civil afetados especialmente pelo segmento do petróleo.

    E o emprego na indústria autpmobilística está saindo de Sumpaulo capital e ACBD, senhoras e senhores. Vai para o Nordeste – vide fábrica da JEEP – e para o interior do Rio de Janeiro – Land Rover em Itatiaia/Resende- e São Paulo – Honda em Itirapina, Mercedes-Benz em Iracemápolis, e ampliação da fábrica da Toyota em Sorocaba.

    Esse negócio de impeachment, incertezas, brigas políticas, não agradam a economia real. Então , como chamar anunciantes se tudo que está sendo noticiado só tem um lado, o lado negativo. Nada de positivo, só veem desgraça no horizonte. Se amplifica e se dá muita mídia para os caso de corrupção – de um lado, claro – e assim o sentimento de incertezas toma corpo na sociedade.

    A mídia como partido do “quanto pior melhor” da um tiro no pé dela, acelarando a morte dela com o prório veneno.

    Logo, um consolo. Benfeito.

  3. Vivemos na era dos

    Vivemos na era dos neologismos.

    Se não me engano no valor econômico de hoje, 24 de abril, o grupo globo anuncia investimentos de alguns bilhões para os próximos anos. Estão muito otimistas para quem só produz notícia pessimista.

  4. Os mesmos que ainda hoje tem

    Os mesmos que ainda hoje tem osgasmos ideológico de prazer pelo fato de Fidel ter mandado tudo quanto era de jornalista pro paredon, agora morrendo de peninha pela falência de certos pigentos

  5. Como mineiro, deixei de

    Como mineiro, deixei de assinar a FSP após o Itamar Franco anunciar que não iria honrar alguns dos compromissos assumidos pelo seu antecessor (Eduardo Azeredo).

    A FSP, que apoiava o presidente-imperador (FHC) assumiu sua face partidária e desancava o Itamar Franco diariamente.

    Depois a FSP ficou telefonando e pedindo para que eu voltasse a assiná-la.

    Tinha duas assinaturas e a partir daquela época (1998), nem de graça eu quero tal jornal.

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