Aldo Fornazieri
Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.
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A Reforma Política nos programas de governo, por Aldo Fornazieri

A necessidade da reforma política vem sendo proclamada desde o início da década de 1990. Em 1993 foi realizado o plebiscito sobre o sistema de governo que resultou na vitória do presidencialismo. Atribui-se a Ulisses Guimarães a afirmação de que a reforma política “é a mãe de todas as reformas”. De lá para cá, todos os presidentes, todos os partidos e quase todos os políticos prometeram empenho na realização da reforma. Muitas propostas foram apresentadas e debatidas no Congresso. Mas nada de substantivo foi mudado. A inapetência do Congresso em realizar a reforma política fez com que o Tribunal Superior Eleitoral fosse tomado por uma fúria legiferante, invadindo as competências do Legislativo.

Chegou 2013 e a reforma política ganhou as ruas. A crise de legitimidade das instituições ficou evidente. A falta de representatividade dos políticos, dos partidos e dos governantes foi desnudada. O governo e os partidos, situação e oposição se mobilizaram prometendo urgência da reforma. Mais uma vez ela se afogou nas águas turvas do concerto de conveniências que graça no Congresso  entre os partidos e os políticos. Arrefecidas as manifestações de rua, a reforma foi resvalando para o esquecimento. Veio a copa do mundo e, enfim, a campanha eleitoral. A reforma política voltou ao debate, mas o que se nota é que ela está perdida no reino das indefinições. Consensos são parcos e incidem apenas sobre alguns pontos. Os programas de governo das três principais candidaturas apresentam apenas formulações genéricas acerca da reforma, fator que não contribui para o avanço do processo. Em 2015 terá início um novo governo e uma nova legislatura e tudo indica que a reforma política continuará sendo incremental – a conta gotas. A máxima do “vamos deixar como está para ver como é que fica” deverá continuar prevalecendo, a não ser que o imprevisto mude a nossa mesmice de uma história que se repete.

A Reforma Política no Programa de Dilma

O programa de governo de Dilma aborda a reforma política de forma sucinta e genérica. Estabelece como objetivo da reforma corrigir as distorções do sistema representativo. Para realizá-la, propõe um plebiscito. Advoga uma aliança entre “valores e representatividade” para combater a corrupção. O que isto significa não está determinado. “Melhorar a representatividade política, aprimorar o sistema eleitoral, tornar a política mais transparente” são afirmações de princípio que todos podem concordar – de Lucina Genro ao pastor Everaldo.

 Afirma-se que os cidadãos devem ter “mecanismos de controle” de seus representantes e espaços de participação popular. Não se diz quais são esses mecanismos. Dilma defenderia, por exemplo, a institucionalização do mecanismo revogatório de mandatos, o recall? Não é possível saber. Sobre o sistema eleitoral e o modelo de financiamento de campanhas, questões centrais da reforma, nada é dito. A própria idéia de realizar a reforma por plebiscito é de viabilidade duvidosa, dada a sua tecnicidade.

A Reforma Política nos Programas de Marina e Aécio

A proposta de reforma política do programa de Marina está abrigada no eixo geral “Estado e Democracia de Alta Intensidade”. O conceito de “Democracia de Alta Intensidade” foi elaborado pelo sociólogo português Boaventura de Souza Santos, que leu o programa de Marina, mas não conseguiu identificar nada que correspondesse ao seu conceito de democracia. Outra expressão que consta nesta parte do programa é a noção de “democratização da democracia”, sacada do título de um livro organizado por Boaventura. Pelo que se lê, a ideia da “nova política” não passa de um copidesque confuso de conceitos do sociólogo português. Ademais, o texto traz algumas constatações corretas sobre a natureza da crise política brasileira em meio a afirmações pouco esclarecedoras.

Em termos de reforma política, formulações vazias de conteúdo também prevalecem, a exemplo da ideia de “reconectar eleitores e eleitos” e a exigência de “comportamento republicano” de todos os agentes e ocupantes de cargos públicos. Não há maneiras de saber o que isto significa. Mas o programa de Marina é mais assertivo do que o de Dilma. As principais propostas são as seguintes: unificação do calendário eleitoral com todas as eleições no mesmo ano; fim da reeleição, com mandato de 5 anos para o presidente; Verdade Eleitoral, com novos critérios para definir os representantes eleitos garantindo as vagas para os mais votados; candidaturas avulsas para cargos proporcionais; redefinir critérios de distribuição do tempo de propaganda eleitoral gratuita; convocação de plebiscitos e referendos pelo povo e facilitação da iniciativa popular de leis; adoção de mecanismos de transparência nas campanhas. Tal como no programa de Dilma, não há definições sobre o modelo eleitoral e o financiamento das campanhas.

De acordo com o programa de Aécio, se eleito, ele apresentará a proposta de reforma política nos primeiros dias de governo, com base nos seguintes eixos: Fim da reeleição, com mandato de 5 anos; unificação de todas as eleições no mesmo ano; adoção da cláusula de desempenho para os partidos; adoção do voto distrital misto. O programa de Aécio tem o mérito de ser também assertivo e mais claro do que o de Marina. É o único que se pronuncia sobre o sistema eleitoral.

Os Retrocessos de Marina e de Aécio       

Marina e Aécio têm dois importantes pontos em comum nos seus programas: o fim da reeleição com mandatos de 5 anos e a unificação de todas as eleições. As propostas são tanto irresponsáveis, quanto equivocadas.  Quem estudou a história das repúblicas democráticas sabe que seu principal desafio é o de garantir instituições estáveis e perduráveis. Mudar o instituto da reeleição significa mergulhar o Brasil num experimentalismo institucional desestabilizador e inoperante. Ademais, o princípio de premiar o bom governante, abrigado no instituto da reeleição, é correto. O que se pode fazer neste caso é proibir reeleições alternadas, como propõem vários analistas políticos. Isto impediria que um mesmo indivíduo ocupasse o mesmo cargo executivo por mais de 8 anos.

Por outro lado, eleições periódicas de dois em dois anos funcionam como mecanismo de controle eleitoral dos cidadãos sobre os partidos. Adotar eleições de 5 em 5 anos representaria insular ainda mais os partidos e os políticos, garantindo-lhes uma autonomia e uma blindagem maiores das que têm hoje em relação aos eleitores. Do ponto de vista do controle democrático dos eleitores sobre os eleitos, seria correto propor a divisão da eleição para a Câmara Federal em duas: no momento em que se elege o presidente seriam eleitos 2/3 dos deputados e dois anos depois o 1/3 restante. O eleitor teria um tempo mais curto a seu dispor para punir os partidos que não correspondessem aos interesses do bem público. Aécio e Marina, ao contrário de propor algo que desenvolva o gosto da prática política nos cidadãos, propõem o seu afastamento ainda maior e a despolitização da sociedade, num claro sentido anti-republicano.

Outro equívoco de Marina é o de propor a chamada “Verdade Eleitoral” – mecanismo que estabelece que os mais votados seriam os eleitos. Esse mecanismo acaba com o voto de legenda e agride a representação proporcional dos partidos. Reforçaria o individualismo dentro dos partidos, enfraquecendo-os ainda mais. Desta forma, as propostas de Marina caminham para agravar os vícios da velha política. Se quisesse, de fato, uma nova política poderia propor, por exemplo, o voto proporcional com lista fechada, sistema que reforça o princípio da responsabilidade política. Uma nova política poderia propor também a obrigatoriedade de prévias ou primárias partidárias para a escolha de candidatos, democratizando a vida interna dos partidos. O silêncio é absoluto sobre este tema.

Aldo Fornazieri – Cientista Político e Professor da Escola de Sociologia e Política.

Aldo Fornazieri

Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

8 Comentários

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  1. “Afirma-se que os cidadãos

    “Afirma-se que os cidadãos devem ter “mecanismos de controle” de seus representantes e espaços de participação popular. Não se diz quais são esses mecanismos. Dilma defenderia, por exemplo, a institucionalização do mecanismo revogatório de mandatos, o recall? Não é possível saber. Sobre o sistema eleitoral e o modelo de financiamento de campanhas, questões centrais da reforma, nada é dito. A própria idéia de realizar a reforma por plebiscito é de viabilidade duvidosa, dada a sua tecnicidade.”:

    Ok, entao vamos rever o que foi aquele “plebiscito de 93” porque eu lembro dele e estive no Brasil entao.

    Foi golpe, e colocava aas maos da populacao uma “decisao” de mentira ja que ninguem sabia que diabos seria o parlamentarismo, e a “terceira via” era algum indizivel “reinado”(!!!!!).

    Se eh pra fazer reforma por plebiscito, suponho que a maior parte dos leitores do blog ainda precisa de traducao pra entender “institucionalização do mecanismo revogatório de mandatos, o recall”.  Eu, entre outros, nao tenho ideia, isso eh jargao puro.  Nao tenho o menor medo de tecnicidade, o problema eh que ninguem sabe o que eh e nunca apareceu aqui antes de hoje.

    Quanto aa terceira sentenca, nada eh dito ainda porque reforma politica sem reforma de campanha eleitoral vai deixar o Brasil exatamente como esta, da mesma maneira que os EUA:  empresarios compram decisoes politicas com seu “financiamento” de campanhas eleitorais e quem se ferra eh o povo.  E a unica reforma de campanha eleitoral que vai funcionar eh financiamento publico.  Chances muito boas de gerar muitissimo menos dinheiro de fonte nao-sabida e invisivel do que eh hoje.  E essa ideia eh ofensiva aa direita.

    Sim, eu disse que a falta de dinheiro de fonte invisivel eh “ofensiva aa direita”.  Quem esta no caminho de reforma politica e eleitoral eh eles, como estiveram no caminho em TODAS as “tentativas” agua-morna anteriores.

  2. Ctrl + C, Ctrl + V
    O conceito

    Ctrl + C, Ctrl + V

    O conceito de “Democracia de Alta Intensidade” foi elaborado pelo sociólogo português Boaventura de Souza Santos, que leu o programa de Marina, mas não conseguiu identificar nada que correspondesse ao seu conceito de democracia.

    1. Alguém já disse que

      Alguém já disse que democracia não comporta adjetivação. É democracia ou não é. Quem gostava de adjetivos era o pessoal de 64.

  3. nao li bem ainda
    Vou fazer em casa a noite.
    . A reeleicao tambem concordo de continuar, sem isto, nao como premio por ” bom governo” como premio mais como um processo de estabilidade das politicas do executivo. E estabilidade constitutional.
    . A forma das eleicoes para camara baixa e a alta, penso que, a coincidence entre a do presidente e os deputados( com periodo menor do que senadores ficando mais dinamico a relacao com seus eleitores) e o senado seria diferente, assim o inverso que propoe com 1/3 do congresso coincidente e depois 2/3, acho que daria mais estabilidade para o executivo quando entra e a oportunidade de alteracao depois trabalhar para mudanca do congresso. O que nao podemos eh manter esta contradicao politica, deputados e senadores sendo maioria sempre do eleito presidente, poderia ser sempre senado ou a camara baixa, neste ponto no Brasil a puverizacao com os partidos pequenos e os de aluguel somado as oposicoes sempre serao maioria fazendo a governabilidade quase impossivel.
    Se tambem no minimo deveriamos ter jah descasados e diferenciados as eleicoes para os estados de governadores, prefeitos e cameras para valorizar, valer as cidadania e com mais eleicoes locais obrigacoes e participacacao mais nas atribuicoes do que responsabilidade e administracao dos estados e do federal. Tornando a eleicao nos estados mais ou tao importante do que a federal que eh uma consequencia das forcas dos eleitores locais.
    Se comparar Aecio e Eduardo em seus estados e a governabilidade com eleicoes casadas, palanques, chegamos a loucura. No Rio o PT esta com PSB, o PT federal esta com Garotinho ou seja nao existe caracter politico e nem ideologias.
    Esta eh politica sem vergonha brasileira, claro para o poder e a governabilidade.
    Outro ponto eh como, quando e com quem fazer fazer a reforma. Tanto um como os outros tentam administrar em causa propria. A consulta popular tambem pode ser manipulada pela midia, PIG como oposicao partidaria. Como informar a populacao, outra questao, uma reforma politica sem parametros alargos.
    Ninguem sabe as definicoes da reforma na realidade, mais todos sabem que terminou e foi enterrado o nosso sistema sem representatividade e soh quem escapa ainda eh o executivo.

  4. o pedido  de pleniscito feito

    o pedido  de pleniscito feito pelo lula e dilma, e o pt, já rola na nterrnet e nos sindicatos e movimentos populares.

    sugiro assinar.

    outra questão: todo mundo tá careca de saber que o pt

    e a dilma defendem o financiamento público de campanha.

    então é votar consciente para eleger um congresso que aprove esta tese. 

  5. INSTRUMENTOS DA DIREITA

    Numa entrevista recente, publicada no site da Rede Brasil Atual, o professor Boaventura de Souza Santos, citado no artigo em tela, afirma expressamente que a candidata estribada no PSB é na realidade um instrumento da direita. E aponta de modo didático a real incapacidade da direita para vencer as próximas eleições presidenciais no Brasil através de um embate ideológico direto. O professor português destaca também, com precisão, o fato de que o mundo está cada vez mais infestado por ONGs financiadas por instituições norte americanas que têm o objetivo de manipular e desestabilizar países não alinhados, com a pretensão prioritária de neutralizar o BRICS, para perpetuar a dominação global, mantida por meio dos poderosos mecanismos do capital financeiro.

  6. Nassif,Unificar o calendário

    Nassif,

    Unificar o calendário das eleições para data única é um erro colossal. O correto seriam as eleições majoritárias separadas das legislativas. Assim, presidente, senadores, governadores e prefeitos seriam eleitos numa rodada, e na outra seriam eleitos os candidatos aos legislativos federal, estadual e municipal. E extremamente relevante deixar o legislativo numa eleição a parte para que o povo passe a dar a devida importância ao poder que eles possuem no sistema político brasileiro. Ao mesmo tempo seria um teste aos recém-eleitos majoritariamente sobre qual avaliação o povo faz de seu governo, dando ou retirando-lhe mais poder por meio de maioria ou minoria nas casas legislativas. Simples e democrático, seriam um avanço significativo para o amadurecimento da sociedade brasileira nas eleições, qualificando o debate sobre o importante papel dos legisladores no sistema.

  7. Desta vez vejo mais pontos de convergência

     

    Aldo Fornazieri,

    Tenho sido muito crítico dos seus textos. Um posicionamento mais forte combatendo as suas idéias pode ser visto no comentário que eu enviei segunda-feira, 10/03/2014 às 19:07, para Luis Nassif junto ao post “Clientelismo e corrupção do sistema político, por Aldo Fornazieri” de segunda-feira, 10/03/2014 às 08:18, aqui no blog de Luis Nassif, mas de sua autoria. O post “Clientelismo e corrupção do sistema político, por Aldo Fornazieri” pode ser visto no seguinte endereço:

    https://jornalggn.com.br/noticia/clientelismo-e-corrupcao-do-sistema-politico-por-aldo-fornazieri

    No meu comentário junto ao post “Clientelismo e corrupção do sistema político, por Aldo Fornazieri” eu destaco a crítica que você faz ao fisiologismo ou clientelismo sem precisar exatamente o que você considera como tal. Para mim o uso dos termos clientelismo ou fisiologismo para referir-se a procedimentos praticados fora da legalidade não seria adequado. Se se trata de prática fora da lei, a lei já prevê a denominação da ação realizada. Pode ser exação, pode ser peculato, pode ser corrupção e assim por diante. Fisiologismo ou clientelismo não podem, portanto, serem tomados como prática fora da lei. E se perscrutar em todas as democracias do mundo vai-se verificar que em todas elas se pratica o fisiologismo ou o clientelismo. Dai eu tenho dito com insistência e frequência que quanto mais houver fisiologismo mais há democracia.

    Bem, em posts mais recentes eu tenho sido menos crítico de suas idéias. Este me parece um post com o qual eu tenho menos discordância. Ainda assim vale relacionar os pontos em que divergimos. Você diz no segundo parágrafo:

    “Chegou 2013 e a reforma política ganhou as ruas. A crise de legitimidade das instituições ficou evidente. A falta de representatividade dos políticos, dos partidos e dos governantes foi desnudada”.

    Penso que aqui você exagerou. As manifestações de junho de 2013 muito provavelmente representaram um descontentamento da população. E procuraram manifestar-se sem vínculo partidário. Penso, entretanto, que as manifestações de junho de 2013 devem ser avaliadas com mais acurácia. Elas eram representativas quantitativamente? Não se pode esquecer que apesar de criar transtornos de toda ordem, no período o PIB cresceu em ritmo mais acelerado do que havia crescido nos trimestres anteriores. Pareceu-me equivocado dizer que “a falta de representatividade dos políticos, dos partidos e dos governantes foi desnudada” quando o mais provável é que os manifestantes de junho de 2013 não se sentiam representados nos nossos políticos, partidos e governantes.

    É verdade que há uma camada grande de brasileiros que não se sente representada no nosso parlamento e nos nossos partidos e nos nossos governantes. Em geral, entretanto, cada um dos representantes não se sentia representado no outro manifestante. Não havia denominadores comuns que os manifestantes abraçassem em conjunto. E o problema maior em meu entendimento, é que os representantes só se sentiriam representados se a democracia representativa funcionasse de modo idealizado. A democracia representativa idealizada seria algo em que para cada momento de composição de interesses conflitantes cujo resultado seria um denominador comum, a alma de todo brasileira seria consultada e o resultado seria exatamente uma representação do interesse de cada um de tal modo que todos ficassem satisfeitos com o denominador comum encontrado uma vez que ele era exatamente o que eles desejassem. Ainda assim, se a saúde não fosse de primeiro mundo, se a educação não fosse de primeiro mundo, se a segurança não fosse de primeiro mundo, se os transportes públicos não fossem de primeiro mundo, se os meios de comunicação não fossem de primeiro mundo, se os lugares de lazer não fossem de primeiro mundo, haveria massa suficiente para participar de manifestações como a de junho de 2013. E então soaria ridículo sua afirmação de que as manifestações desnudaram “a falta de representatividade dos políticos, dos partidos e dos governantes”.

    O que se pode ver nas manifestações de junho de 2013 é o total desconhecimento do funcionamento do processo democrático em um sistema capitalista. E é claro que as manifestações de junho de 2013 revelaram insatisfação. Insatisfação que é crescente quando se avalia que vivemos em um país capitalista com um grau de desigualdade imenso a que poucos países igualariam. Insatisfação que com o desconhecimento redunda em manifestações sem denominador comum e com um grau variado de reivindicações.

    Então as manifestações de junho de 2013 reivindicavam, em primeiro plano, uma democracia inatingível e, em segundo plano, a satisfação dos seus desejos que o país evidentemente não tem condições de atender. É em decorrência dessas impossibilidades que a reforma política que você atribui como sendo uma reivindicação das manifestações de junho de 2013 “se afogou nas águas turvas do concerto de conveniências que grassa no Congresso entre os partidos e os políticos”.

    E eu diria que não foi tanto pelas conveniências que grassam no Congresso, mas mais porque em uma democracia as reformas são pontuais e em compasso de espera. O que se tem que verificar é se a nossa democracia representativa está muito atrasada em relação às democracias mais avançadas do mundo. Provavelmente se se pedisse um estrangeiro estudioso no assunto a que encontrasse um exemplo a se comparar, ele iria apontar a democracia do Brasil que seria tomada como uma das democracias mais avançadas do mundo.

    E então você discute a Reforma Política em cada programa dos candidatos a presidente. É bem verdade que você se restringiu ao Programa da presidenta Dilma Rousseff, ao Programa da candidata Marina e ao Programa do candidato Aécio Neves. Ao falar sobre o Programa da presidenta Dilma Rousseff, você questiona se o programa dela “defenderia, por exemplo, a institucionalização do mecanismo revogatório de mandatos, o recall?” Uma proposta interessante, mas que deve ser bem avaliada. Na Califórnia onde evidentemente a democracia está mais evoluída, o instituto do recall foi utilizado contra o governador Joseph Graham “Gray” Davis, Jr em 07/10/2003 sendo ele substituído por Arnold Schwarzenegger eleito em 17/11/2003. O particular no caso não foi a eleição de Arnold Schwarzenegger, mas sim o fato de que a coleta de assinaturas foi financiada com a fortuna pessoal de Darrell Edward Issa, um deputado republicano cuja fortuna é estimada em 2013 em cerca de US$450 milhões. E foi no ano da invasão do Iraque, com o Partido Republicano conclamando a nação americana a cerrar fileiras com o presidente George Walker Bush, o filho. Não se espanta que seis meses após a invasão do Iraque o Arnold Schwarzenegger tenha sido eleito.

    Se daqui a 50 anos o recall estiver instalado em outros países com o mesmo nível de renda do Brasil, eu se estivesse vivo não veria problema nenhum de adotarmos semelhante mecanismo. No momento atual parece-me ideia despropositada.

    Ao falar das propostas de Marina Silva e de Aécio você trata em conjunto a proposta do “fim da reeleição com mandatos de 5 anos e a unificação de todas as eleições”. Primeiro você tratou da reeleição e depois da unificação de todas as eleições. Gostei de ver você defender as eleições de dois em dois anos. Eu considero as eleições de dois em dois anos como uma prática democrática saudável no Brasil.

    Agora pareceram-me frágeis seus dois argumentos contra a proposta de fim da reeleição. O primeiro seria que acabar com a reeleição “significa mergulhar o Brasil num experimentalismo institucional desestabilizador e inoperante”. Experimentalismo desestabilizador para mim é o instituto do recall que se você não elogiou pelo menos apontou para a lacuna no programa da presidenta Dilma Rousseff ao não tratar da questão.

    E o segundo argumento em favor da manutenção do instituto da reeleição foi o de premiar o bom governante. Quer dizer, o argumento de que “governo bom, o povo põe e governo ruim o povo tira” não me parece ter qualquer base científica e você utiliza dele. Eu acusava os tucanos de mentir quando repetiam esse refrão porque, como estudiosos que são, eu sabia que eles sabiam que o refrão era falso. Você é também um estudioso, assim só me restariam imaginar que você mente ou que você é um idealizador incomensurável apegado às mesmas idealizações de Marina Silva.

    E o argumento em favor da reeleição com base no princípio de premiar o bom governante é frágil porque por o argumento justificaria a reeleição ilimitada.

    Eu compreenderia a defesa da reeleição, por quem teve oportunidade de acompanhar as eleições no mundo para observar quantas escolhas na avaliação pessoal são mal feitas, sob o fundamento de que a reeleição significa dar ao povo uma dupla oportunidade de manifestar um poder imensurável que é a escolha do presidente da república. A eleição direta é uma radicalização da democracia. A reeleição de certa forma também é, mas o é em uma área de risco muito grande. Aliás, em certo sentido também seria radicalização da democracia o instituto do recall. Ainda que aparentemente a escolha do povo na maioria das vezes não guarde relação alguma com a qualidade do eleito, conceder o poder de escolher diretamente o presidente de um país com amplos poderes é uma radicalização da democracia que precisa ser exercitada. E esse poder não seria ilimitado exatamente por saber que não há nada que garanta a correção dessa escolha. Então se criariam novas oportunidades para realizar a tentativa de escolha entre outros concorrentes.

    Eu particularmente sempre fui contra a reeleição. Penso que o instituto da reeleição fortalece muito São Paulo e acho que a coincidência da eleição de governadores com a de presidente reforça ainda mais o Estado de S. Paulo. Assim defendo o mandato de 5 anos apenas para presidente da República, e sem direito a reeleição. No modelo assim haveria eleições solteiras para presidente depois eleições de presidente casada com eleições para prefeito e depois eleições para presidente casadas com eleições para governadores. Há outras coisas que sou contra. Sou contra a eleição em dois turnos, que, aliás, também favorece São Paulo. E não sou contra porque favorece São Paulo. Sou contra porque penso que o presidente da República deve ser eleito por uma idéia majoritária entre outras tantas, não havendo porque colocar uma idéia em comparação com apenas outra. E se fosse fazer a minha preferência com base ao que não fosse bom para São Paulo eu teria que ficar contra as eleições diretas, pois o chefe do Centrão Roberto Cardoso Alves dizia que ele só era a favor das eleições diretas porque as diretas favoreceriam São Paulo.

    Gostei também da sua proposta da obrigatoriedade de prévias ou primárias partidárias para escolha de candidatos.

    Boa a sua crítica a proposta de Marina Silva chamada de Verdade Eleitoral com a escolha dos mais votados, exatamente porque agride o instituto da proporcionalidade. Faltou dizer que a proporcionalidade é um preceito constitucional. Só que você passou batido na proposta de Aécio Neves do voto distrital misto.

    O voto distrital misto é um engodo até no nome. Primeiro é de observar que o voto distrital majoritário exige alteração na Constituição porque nela há a previsão da proporcionalidade. E o voto distrital misto que na verdade deveria ser expresso como voto distrital majoritário e voto não distrital (ou geral) proporcional leva a que, nos estados que tenham poucos representantes, praticamente a proporcionalidade seja transformada em eleição majoritária.

    Eu defendo o voto distrital puro e proporcional puro. E ele não precisaria de alteração da constituição porque a proporcionalidade é preservada na íntegra. Esse voto significa que o voto não será mais não distrital (ou geral) puro e proporcional puro como é atualmente, mas sim será proporcional na proporção de votos recebidos por partido e cada candidato só poderá receber voto na circunscrição de sua candidatura.

    Clever Mendes de Oliveira

    BH, 16/09/2014

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