A senhora Lagarde na contramão do Primeiro-Ministro da China, por José Carlos de Assis

Por J. Carlos de Assis*

A senhora Lagarde, gerente-geral do Fundo Monetário Internacional, representa uma instituição internacional que cuida, como o nome diz, da moeda. Portanto, o que a senhora Lagarde tem a ver com comércio internacional? O que lhe autoriza a audácia de vir predicar à Presidenta Dilma a excelência de “uma relação comercial mais estreita” entre o Mercosul e a União Europeia? Em que se baseia? Quais são as evidências de que uma abertura comercial maior do Brasil com a Europa melhorará as condições de vida de nossa população?

Não estamos falando de uma burocrata de segunda linha numa instituição independente. Estamos falando de uma burocrata de primeira linha que obedece às ordens do Departamento de Tesouro dos Estados Unidos. Se tivesse alguma consideração com países pobres e emergentes, a senhora Lagarde estaria fulminando as políticas chamadas de “quantitative easing”, a maior picaretagem financeira do século, pela qual os países ricos se dão ao direito de imprimir moeda à vontade para encharcar dela a economia mundial.

Milton Friedman, o patriarca monetarista, dizia que não havia almoço de graça na economia. Estava enganado. Há um tremendo almoço de graça em favor dos ricos, países ou pessoas, nas relações financeiras do QE. O FED, banco central americano, e o BCE, banco central europeu, emprestam dinheiro a taxa de juros zero, ou negativa em termos reais, para que os grades magnatas de finanças façam suas especulações com commodities e ativos reais. É uma indecência para um mundo que, em boa parte, ainda padece elevado desemprego.

A arquitetura financeira internacional que possibilita isso está falida. A senhora Lagarde é gerente-geral de uma instituição alienígena, totalmente despregada da economia real. Não pode nos dar lições de coisa alguma. A nossa Presidenta é conhecida pela falta de tempo no cuidado de questões internas importantes, e teve a má ideia de dedicar mais de duas horas de conversa à senhora Lagarde, que deve ter ido embora convencida de que fez a cabeça dela na questão do comércio com a Europa, no exclusivo interesse dela, uma francesa.

Agora vamos às coisas realmente importantes. O Brasil acaba de ser visitado pelo Primeiro Ministro chinês Li Keqian. Acompanhei os três dias de visita, e tive o privilégio de assistir à proclamação de uma verdadeira grande estratégia para a própria China e, através dela, para o mundo. O eixo central dessa estratégia, como costumam fazer os chineses, está sintetizado numa única palavra: cooperação. Nos discursos em Brasília e no Rio, o Primeiro Ministro insistiu várias vezes nesse conceito: é a inauguração de uma era de cooperação!

A imprensa brasileira não percebeu nada disso. A estrangeira tentou ridicularizar os acordos assinados pelos dois mandatários. Em alguns pontos, com razão: o grande acordo assinado com a Caixa Econômica Federal, de 53 bilhões de dólares – muito pequeno, em comparação com o de 400 bilhões feito com os russos – , em grande parte são iniciativas anteriores requentadas. Contudo, o que está implícito na opinião dos jornais estrangeiros é medo de uma aproximação estratégica maior do Brasil e a China, ou BRICS.

A China nos abre um potencial imenso. Contrariamente ao padrão de investimentos fechados dos americanos e europeus, que vem aqui apenas para pilhar o trabalho, o meio- ambiente e o mercado brasileiro, ela nos oferece a oportunidade de partilhar os ganhos do desenvolvimento com uma estratégia comum na área produtiva, e oferecendo em contrapartida seu imenso mercado interno. Isso nunca aconteceu na história, na medida em que as relações que tem prevalecido são meramente comerciais num jogo de soma zero.

Gostaria que o senhor Tabaré Vazquez, que na condição de rabo que tenta abanar o cachorro quer empurrar o Brasil para o acordo Mercosul-União Europeia, entendesse o que significa isso para o seu próprio povo em termos de destruição de empregos de qualidade e de virtual impedimento da industrialização, mesmo que seja, no caso de país pequeno como os do norte da Europa, de uma industrialização especializada. Quanto a nós, não sei se já chegamos ao nível de atração para o suicídio ao ponto de aceitarmos esse tipo de conselho.

Já antecipei aqui minha posição quanto ao imperativo de uma aliança estratégica com a China, a qual nossa Presidenta teve ocasião de anunciar mas não o fez. Não falo em sentido abstrato. Estou trabalhando, junto com a Coppe-UFRJ e outros especialistas, no projeto Transul, que consiste em fazer a produção no Brasil e em outros países da América do Sul plataformas de produção de metais e outros bens, sobretudo agrícolas, dedicados ao mercado chinês. A venda prévia desses produtos seria a garantia de seu financiamento.

É claro que, tanto no caso de metais como de bioprodução, temos que tomar as precauções ambientais necessárias. É um grande negócio virtualmente sem risco à disposição de nossos empresários e do Estado brasileiro. Estimo que poderemos ter um programa comum de 300 bilhões de dólares, incluindo logística de transportes e de energia elétrica envolvida no programa. Isso está à mão, em razão da postura de cooperação chinesa, uma novidade no sistema capitalista. Os pessimistas torcerão o nariz. Mas quem se preocupa com eles?  

*Economista, professor, doutor pela Coppe-UFRJ, autor de mais de 20 livros sobre Economia Política, presidente do Intersul-Instituto de Estudos Estratégicos para Integração da América do Sul.

Redação

20 Comentários

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  1. Acenderam a luz vermelha

    O Levy vai pedir demissão, mas a Dilma e o espírito do Mantega no Planalto Central estão lá para velar pela sociedade brasileira.

    O jogo está apenas começando, na minha humilde opinião.

    1. Premonição!

      Fecho contigo Alexandre. Tive essa premonição no exato momento em que Levy não apareceu para falar sobre os cortes!

      Dilma consegue fechar todos os caminhos que são abertos, um legitimo ‘exu tranca ruas’. Isso pode nos levar a situações complicadas, apesar dos bilhões chineses!

      Todos ficam sobressaltados, já que não há como prever a proxima cartada da nossa ‘estadista’.

      Em abril apareceu um ‘solzinho’, o qual foi imediatamente ofuscado pela sombra indecisa da presidenta!

      Em Maio voltamos ao velho padrão de desconfiança total no governo dos 54 milhões de votos!

    1. Desolè, chumbo trocado não doi

      E ainda não falaram uma palavra sobre o ISDA-Fix, onde as maracutais dos grandes bancos que nos exploram e exigem lisura e transparência nossa ficaram as claras.

      Quando eles forem honestos, nós também seremos.

      Simples assim.

  2. Assis, os 400 bilhões que a

    Assis, os 400 bilhões que a China vai investir na Rússia não é pelos olhos azuis de Putin.

    Na verdade foi uma resposta ao Ocidente, liderado pelos EUA que quis condicionar a Rússia para ser mais um país submisso aos desejos de Washington que infelizmente toda Europa já está.

    Para não fragilizar r seu principal parceiro e altamente estratégico, a China celebrou uma parceria bilionária com a Rússia a fim de mostrar ao ocidente a importância da Rússia para a China.

    Também vejo a parceria com o Brasil uma forma de preservar o BRICS e não deixar o Brasil voltar a ser vítima do FMI.

    As reclamações do FMI são na verdade o choro de quem perdeu muitos “clientes”…

     

    1. http://www.bloomberg.com/news

      http://www.bloomberg.com/news/articles/2014-11-10/russia-china-add-to-400-billion-gas-deal-with-accord

      Nada a ver. Quatrocentos bilhões de dolares NÃO é investimento chines na Russia, é o pacote de fornecimento de gas

      da Russia à China POR TRINTA ANOS. Se nos fecharmos um fornecimento de minerio de ferro à China por trinta anos, nos volumes anuais que exportamos, daria 900 BILHÕES DE DOLARES e a noticia sairia assim:

      “O BRASIL FECHA UM PACOTE DE 900 BILHÕES DE DOLARES COM A CHINA””os santemos de sempre iriam dançar rumba.

       

       

      1. Sim André, concordo com

        Sim André, concordo com vc!

        Não é investimento. Mas é uma grana muito alta e mostra que a China aposta alto na Rússia, ao contrário dos EUA e Europa que não estavam “apostando” na Rússia por questões politicas… o resto da história todos nós do blogue já sabe.

        Essa noticia jamais seria dada pela mídia canalha se o governo for do PT.

  3. Hole ela tem 59 anos.
      Mas

    Hole ela tem 59 anos.

      Mas assumiu seus cabelos brancos por volta dos 40 e poucos anos.

      Pode até ter seu charme ,pra alguns.

         Mas eu acho anti tesão.

  4. Lagarde

    Esta senhora passou ao meu time de suspeitos quando ainda habitava o segundo escalão, e a “in”veja elogiou sua elegância.  Depois a mídia PIG internacional, com ressonância dos PIg’s daqui, destruíram a reputação de D-S-K no episódio da camareira, para abrir-lhe o caminho da presidência do banco maldito. Dilma, mais uma vez, está corretíssima. Dá ouvidos, espaço na agenda, é gentil e cortês. Até aí, nada de mais. A mídia PIG, ao perceber que dilma não vai implementar nada de suas orientações, vai dizer o contrário, para tentar abrir brechas entre os aliados esquerdistas. A agenda do FMI e dos pig´s é a mesma, agem em bloco, refletindo as ações uns dos outros. Mas Dilma está certa, atacar o poder desta gente de frente, é burrice, melhor tratar bem quando inevitável e seguir sua própria agenda.

    Colocando-me sempre à disposição, desde já, agradeço;

    João Teodoro.

  5. Menos, menos. A diretora

    Menos, menos. A diretora gerente do Fundo tem plena liberdade de se expressar sobre materia economica. A principio o tripé das instituições de Breton Wood  promove por sua cultura economica o estabelecimento de acordos comerciais entre paises e blocos, faz parte do DNA de Bretton Woods, portanto o que a Senhora Lagarde recomenda está em linha com a

    ideologia do Fundo, do Banco Mundial e da OMC, sucessora do GATT.

    A relação com a China é de muito pior qualidade do que as possiveis com outros blocos. A China exporta ao Brasil exclusivamente manufaturas e nos importa exclusivamente bens primarios, reforçando a DESINDUSTRIALIZAÇÃO do Pais, aprofundando nossa crise de emprego e prejudicando nossa industria com produtos de baixo preço

    e aproveitando-se de suas fraquezas atuais, o queé um padrão da politica chinesa, eles abordam paises em estado de grande fragilização economica como Venezuela e Argentina com  propostas-paocte como essa para o Brasil.

    Há tambem um padrão de grandes pacotes que se materializam com dificuldade e alguns não saem do papel, especialmente o que foram porpostas para a Africa. Em 2003, quando Lula foi à China, foi assinado um acordo para

    construção do GASEN-Gosoduto do Norfeste, pela Sinipec,  ao final foram tantos os problemas que o acordo acabou sendo desfeito e o GASEN foi construido pela Mitsui japonesa.

    Não há motivos para grande entusiasmo com esses pacotes. 53 bilhões de dolares incluem a ferrovia Transpacifico,

    nem sequer tem estudo de viabilidade tem, não se tem a menor ideia se é viavel e ainda depende de negociações com terceiras paises.

    É infantil esse entusiasmo com um pacote que é menos do que o BNDES desembolsa por ano, nós não somos tão michos assim para pular de alegria com esses valores que levarão anos para se concretiza.. Já teve outros grandiosos, o Fundo Nakasone do Japão  iria indundar o Brasil com obras que nunca sairam do papel.

    Todos os negocios da China visam aos interesses da China e não do Brasil. O financiamento à Venezuela, de 44 bilhões de dolares tem como contrapartido a remessa de 500 mil barris/dia de petroleo à China, um terço da exportação da Venezuela, isso por dez anos. O padrão de financiamento chinês é bem pior do que os financiamentos do Banco Mundial, que opera com licitação internacional de fornecedores e não está ligado a compra de bens e serviços de paises especificos. Os financiamentos chineses exigem fornecedores exclusivamente chineses.

    1. Gentileza gera gentileza

      Por enquanto estamos esperando o Banco Mundial, o FMI e a Banca safada fazerem um gesto de gentileza.

    2. Comercio Brasil -China X Brasil – EUA

      AA, acredito que vc deve rever seu pensamento em relação à exportação para a China.

      1. Eu sei que eu sou inocente e

        Eu sei que eu sou inocente e não tenho a formação que vocês têm, mas eu não compreendo esta insistência em que o Brasil não pode exportar produtos primários, notadamente agrícolas, com quantidade de terra, água e sol que tem.

        A população chinesa é ao que me parece cinco vezes maior que a do Brasil, e seu território apesar de ser maior tem grande parte de montanhas e desertos, então não fica difícil de deduzir quem vai exportar o quê para quem. Isto é fácil até para mim.

        Além do fato de ser a agricultura hoje altamente tecnificada, e pode ser mais ainda basta querer fazer. O Brasil deve produzir tecnologia sim, mas aqui do meu pouco conhecimento, acredito que jamais deixará de ter os produtos primários como o seu principal item de exportação.

  6. No futuro choraremos lagrimas

    No futuro choraremos lagrimas de sangue com esta aproximacao com os chineses. Se americanos e europeus saomesquinhos, os chineses dao aula nesse mister.

  7. Parabéns, J. Carlos de Assis,

    Parabéns, J. Carlos de Assis, todo apoio ao seu trabalho, e ao que precisar.

     

    ***

     

    Fato é que trabalhamos com o FMI e… olha só como estamos. Bem, verdade que estamos um pouco melhores do que estarámos se estivéssemos seguindo a cartilha que vem desde a ditadura e até FHC.

     

    A questão não é a inclusão de nosso mercado no internacional, a questão é aceitarmos a posição que querem nos impor como condição para essa nclusão. O problema, afinal, é que nossos capitalistas menos patriotas aceitam a posição que os capitalistas dos EUA – mais patriotas – impõem, se não por pura babação, pela possibilidade de levar algum “por fora”. Além, é claro, de poder posar de rei que tem um olho apenas. Assim nossos capitalistas não estão interessados se suas mansões estão construídas no meio da favela: não só mandam seus filhos para estudar no exterior como aqui cercam-se de violenta polícia por todos os lados. Ou alguém imagina alguma outra razão para a violência policial crescente em “territórios” de privatistas? A ironia é que os policiais também ficam de fora dos muros…

     

    Não… o tempo em que estivemos com o FMI não valeu a pena, trouxe-nos muito mais problemas do que soluções. Como não dá para estabelecer relação de igual para igual com os “donos” do FMI – eles sempre botarão poder sobre nós, e nossos capitalistas aceitarão – o melhor é criarmos força fora desse “banco”. Afinal, se queremos resultados diferentes do que temos tido, temos que nos lançar a ações diferentes.

  8. Mário Amato da FIESP também se dizia “anarquista”, sério!

    Desempregar; calotear a seguridade social com precatórios; proibir investir em infraestrutura; não reajustar o salário mínimo; não contratar funcionário público; arrochar salários com o objetivo de sobrar mais para exportar e diminuir a importação de forma a gerar superávits apropriáveis pela banca com política de juros altos…; mas o “Anarquista Sério” não tem tesão por causa dos cabelos brancos assumidos aos 40 pela inquisidora francesa, enquanto perdoa tal receituário de paneleiro de Paulista! Agir assim não é sério. O Mário Amato dizia-se um e lá mesmo, na Paulista!

  9. Não são apenas os empresários

    Não são apenas os empresários brasileiros que aceitam a posição de submissão aos interesses dos EUA, pessoas de todas as camadas sociais, de humildes balconistas de lojinhas e “rolêzinhos” até a nossa “jeunesse dorée” têm em comum o deslumbramento pelos nossos “irmãos do norte”. O trabalho de propaganda institucional norte-americana sempre foi bem feito. Há um círculo vicioso a ser quebrado se quisermos prosperidade: não somos patriotas porque nosso país não é bom ou nosso país não é bom porque não somos patriotas?

  10. Para quem quiser se informar

    Para quem quiser se informar sobre essa senhora e outros gênios das finanças lá e aqui.

    Inside job . Adisposição nas locadoras .

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