A tática de asfixia segura do PMDB, por Marcos Nobre

Do Valor
 
O PMDB e o impeachment
 
Marcos Nobre
 
Em março deste ano, o senador Aloysio Nunes Ferreira retomou o bordão: “Não quero o impeachment, quero ver Dilma sangrar”. Não faltou quem lembrasse que a estratégia já tinha sido tentada, sem sucesso, dez anos antes. Com mensalão e tudo, Lula se reelegeu, com folga, em 2006.
 
Muita coisa separa a situação atual daquela de 2005. Dilma está longe de ser Lula. A economia mundial anda de lado. O ciclo de governos liderados pelo PT ultrapassou os 12 anos consecutivos. Mas a diferença mais importante é que, desta vez, o operador da sangria não é o PSDB. 

 
A crise trouxe o PMDB para a posição de protagonista, papel que não desempenhava desde a década de 1980. A pretensão tucana da sangria foi então substituída pelo sufocamento metódico. A asfixia pemedebista é aplicada com precisão profissional: não aperta tanto que chegue a matar nem dá chance de a vítima reagir. 
 
O caso mais emblemático é o ajuste fiscal. O plano inicial do governo era fazer um ajuste forte em 2015 e mais suave em 2016, de modo a sonhar com algum crescimento em 2017-­2018. O PMDB arredondou essa conta para um ajuste parcelado em três anos. 
 
Não é pouca a confusão que pode vir de uma recessão dilatada no tempo. Mas os horrores de uma recessão ainda mais aguda do que a atual -­ como a provocada, em 1991, pelo Plano Collor, por exemplo ­ – parecem muito piores aos olhos das lideranças políticas pemedebistas. O PMDB fez do limão uma limonada, aproveitou para posar de defensor do salário e da renda do trabalhador, cerrou fileiras com setores do empresariado para postergar as desonerações da folha de pagamento. 
 
O PMDB conta com a colaboração da própria vítima para calibrar a asfixia. Passou inteiramente para as mãos de Dilma o ônus de vetar as medidas que inviabilizariam até mesmo um patamar mínimo do ajustamento pretendido, pôs nas suas costas o máximo possível do peso político do ajuste. O que mostra, paradoxalmente, que Dilma é parte essencial do equilíbrio precário montado para enfrentar a crise. 
 
A tática do sufocamento não desagradou nem um pouco o PSDB, pelo contrário. É verdade que a foto não ficou lá muito bonita. Pega mal escancarar que o grande partido de oposição depende umbilicalmente do PMDB para fazer oposição. Mas o PSDB tem três candidatos presidenciais com recall, parece o suficiente para garantir a posição de futuro síndico do condomínio. 
 
Não para alguns setores do partido, entretanto. Dada a agudeza da crise, parte do PSDB considera necessário retomar imediatamente o protagonismo para garantir a liderança do sistema político. É um movimento que favorece pelo menos uma de suas cartas presidenciais desde já, a candidatura de Aécio Neves. Mas também pode significar um afastamento em relação à estratégia pemedebista de condução da crise
 
O PMDB aceita de bom grado voltar para o fundo do palco. Ser protagonista é péssimo para os negócios. Basta mencionar o rompimento público de Eduardo Cunha com o governo, recebido com gélido distanciamento por todo o partido. O recado para o presidente da Câmara dos Deputados foi claro: apenas políticos que não se formaram na escola do PMDB cometem esse tipo de desatino em público. 
 
Na cartilha do PMDB uma movimentação do PSDB em busca de uma retomada do protagonismo que signifique apoio ao impeachment conta como jogada amadorística. Impeachment é confusão a ser evitada a todo custo. De incerteza, já basta a Lava­Jato. O PMDB sabe que parte de sua cúpula será ferida de morte e que o partido terá de se reconfigurar de maneira importante no rescaldo da operação. Mas essa é uma fonte de incerteza que está fora de controle do ponto de vista político. Não resta nada a fazer senão tentar controlar danos. 
 
Já o impeachment representa para o PMDB incerteza adicional e desnecessária. Mataria o governo em lugar de apenas imobilizá­-lo. É o tipo de jogada que tira do Congresso o controle do processo, que traz para o palco o imprevisível dos movimentos de rua, novos e velhos. O tiro pode até acabar dando no cenário de horror máximo para o PMDB, em explosões de descontentamento muito além do padrão Junho de 2013. 
 
Por fim, assumir a Presidência, em um eventual impeachment de Dilma, seria um autêntico pesadelo. Não seria possível descolar o partido dos efeitos deletérios da recessão, o que hoje é possível fazer com certo sucesso, dadas as circunstâncias. E Michel Temer presidente estaria à mercê da autofagia do bazar de interesses do PMDB, agravado pelo pânico com a foice da Lava ­Jato. 
 
Temer não poderia, como Dilma, encenar uma queda de braço com o Congresso. Estaria na posição tutelada em que esteve José Sarney na década de 1980. O resultado desastroso daquela experiência ainda está bem vivo na memória pemedebista: um candidato que não chegou a cinco por cento dos votos na eleição presidencial de 1989. E, em seguida, cinco longos anos de luta pela sobrevivência e de relativo ostracismo. 
 
Compreende­-se a preferência do PMDB pela continuidade da tática da asfixia segura. Diante da recessão e do avanço lento e implacável da Lava ­Jato, o fundamental é não fazer marola. O PT já está devidamente imobilizado, pode apenas espernear. A sigla já virou sinônimo de encrenca no dicionário eleitoral e não tem como desembarcar do navio avariado do governo Dilma.
 
Mas parte do PSDB ainda acha que pode fazer marola sem virar a canoa. E, dentro do próprio PMDB, há Eduardo Cunha, que já deu um passo em falso e ameaça dar muitos mais. São fios desencapados que o PMDB vai ter de neutralizar se quiser continuar pilotando a crise nos seus termos. 
 
Marcos Nobre é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap. Escreve às segundas­-feiras 
Redação

10 Comentários

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  1. Penso que o melhor seria um

    Penso que o melhor seria um acordo, Dilma entrega a Presidencia a Temer e a lava jato é asfixiada e o País volta a sua ordem natural, podendo andar para frente, sem repúblicas paralelas.

     

    1. ASFIXIAR A LAVA-JATO.
      Você

      ASFIXIAR A LAVA-JATO.

      Você está doido?

      A primeira grande oportunidade de punir as empreiteiras e por na cadeia esses exploradores que por mais de 500 anos roubaram o povo brasileiro.

      Na verdade tinha de tirar a Dilma não para matar a Lava-jato, mas para que os desdobramentos da Lava-jato não paralizem o país como está acontecendo hoje.

      Queremos a Lava-jato mais forte do que nunca. Quando chegar a hora de investigar a Dilma, que seja a ex-presidente e não a presidenta.

       

      1. Você não tem vergonha de

        Você não tem vergonha de propor a saída de uma Pesidente eleita e honrada.

        O que todos de bom senso estão esperando são as investigações sobre as roubalheiras da oposição, casos não faltam. Justiça seletiva não é justiça, justiça arbitrária não é justiça, justiça com viés político não é justiça.

        Dilma e Lula já tiveram sua vida devassada muito antes de lava jato e até hoje não conseguiram nada, já o candidato a presidência pela oposição foi citado com todas as letras e até o valor da suposta mesada que ele recebia em furnas foi revelado, porque não investigá-lo/

    2. E o PSOL , adorando essa

      E o PSOL , adorando essa situação crítica atual do PT, vai tentando e comendo pelas beiradas até conseguir um lugar ao sol e eleger um dia um presidente da república de esquerda e todos ficarão felizes para sempre. Bem, o PSOL vai ter que comer um bocado de feijão pra chegar até lá.

  2. Nao se “coopera” com

    Nao se “coopera” com gigolas.  Nao por falta de tentar bem ou tentar mal:  eh impossivel mesmo.  A UNICA coisa que importa pra gigolas eh a gigolagem.

  3. Na minha opinião

    Na minha humilde opinião, na era digital não existe inferno que dure para sempre. E 3 anos e alguns meses na era digital é quase para sempre. É um clima de instabilidade que a própria sociedade brasileira não irá suportar. Nem que seja para inaugurar um novo inferno, ou uma versão light ou enviesada dele, algo vai acontecer.

    Está claro para todos que a perseguição é ao PT e suas figuras públicas. É óbvio que se o Temer assumir ou, ainda, se for alguém da oposição, enfim, qualquer um que não seja petista, a operação Lava Jato acaba no outro dia, pois terá atingido seu objetivo. Este país obviamente não está sendo passado a limpo. Este país está sim aderindo ao fascismo como praxis política.

    Quando o PT sair do poder, vejam que irônico, a Lava Jato terminará porque ‘livrou o país da corrupção’. Logo, não precisaremos de mais nenhuma investigação, pois o PT estará fora do poder. 

    Significará o seguinte: toda vez que algum governo for do campo popular, teremos o inferno na terra. Eles serão ‘corruptos a priori’. Se for do campo fascista / ultra-direita / grande mídia, nunca serão investigados, logo serão ‘honestos a priori’.

    De resto, é impossível Dilma se manter como um Sarney e governar desta forma asfixiada até o final: é muito tempo. Há fatos no curto prazo que atiçam a tomada imediata do poder. Os verdadeiros donos do poder estão se coçando para colocar outra pessoa na abertura da Olimpíada. É muita visibilidade, é muito simbólico. Não querem uma (argh) petista lá.

    Com certeza teremos dias piores, mas não serão com Dilma. No curto prazo uma mudança vai acontecer, seja com Temer, com a oposição, com Cunha, com todos eles. Mas algo vai acontecer.

    Somente algo muito improvável poderia mudar isso. Um fato cataclísmico. Uma bomba jogada no Instituto Lula não fez se mexer nem a Dilma. Talvez se o próprio Lula for preso tenhamos um fato político que gere uma reação.

    Mas eles não são tão burros para fazer isso. Pensando bem… até que são…

    1. A coisa não é assim

      A coisa não é assim inexorável.

      Bastaria que o Governo não tivesse sido tão leniente no trato com as corporações, tivesse construído mais pontes, ao invês de dinamitado todas.

  4. Impressionante:

    Impressionante: independentemente do que é bom para governança, o PMDB se tornou um partido de imobilização democrática.

     

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