Aquiles Rique Reis
Músico, integrante do grupo MPB4, dublador e crítico de música.
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Acúmulo de bons sambas, por Aquiles Rique Reis

Despontando para o samba quando do surgimento de uma nova cena musical na Lapa carioca, Marcos Ozzellin lança Intersecção (independente), seu segundo trabalho. Do primeiro até este, nota-se o amadurecimento do cantor. Embora a meu ver rotulá-lo como sambista seja uma avaliação reducionista, já que seus recursos vocais são inegáveis e estão em franca evolução, ele volta a fazer do samba a sua praia. Inegavelmente é um grande cantor de sambas, mas assim será em qualquer outro gênero musical que decida cantar.

Canta muito bem, o Marcos. Sua voz, além de apurada, tem um timbre que naturalmente traz o ouvinte para junto de si. E ela, a voz, ressoa no fundo do céu da boca, tempera-se no nariz e sai volumosa, afinada. Tal clima de intimidade faz com que seu cantar flua de maneira simples, sem maneirismos desnecessários, muito menos trejeitos supérfluos e outras mumunhas mais.

Como no primeiro álbum, a formação instrumental difere daquelas normalmente utilizadas para emoldurar arranjos para sambas e assemelhados. Para ratificar esta impressão atual, cotejo-a com a que tive em 2010, quando resenhei o primeiro CD de Marcos Ozzellin: “Samba bom tem de ter ritmistas que criem alvoroço e façam a cabrocha gastar a sola da sandália; tem de ter surdo de marcação, caixa e repinique; tem de ter cavaco, banjo e violão de sete. Certo? Sim, mas não obrigatoriamente”. Ontem como hoje, menos pode ser mais.

O diretor musical, arranjador e produtor André Muato é um dos grandes responsáveis pelo belo resultado do CD. Seus arranjos seguram a onda para o cantor surfar, partindo de um pequeno grupo de quatro instrumentistas – Muato com seu violão de oito cordas, mais Henrique Vasconcelos (cavaquinho), Vinícius Santos (bandolim) e Thiago Kobe (percussão), além de um coro misto de quatro vozes.

Cantando compositores cariocas e paulistas, Marcos Ozzellin atesta que, ao invés de “túmulo” do samba, São Paulo tem é “acúmulo” de ótimos sambas (peço perdão aos leitores pelo trocadilho infame). O resultado é um repertório de alta qualidade: Paulinho da Viola (“Onde a Dor Não Tem Razão”) e Adoniran Barbosa (“Apaga o Fogo Mané”); “Último Desejo” (Noel Rosa), “Sandália Amarela” (Wilson Moreira e Nei Lopes) e “Tradição – Vai no Bixiga” (Geraldo Filme), “Laguidibá” (Nei Lopes, Magno Souza e Maurílio de Oliveira) e “Volta por Cima” (Paulo Vanzolini); “Estação Derradeira” (Chico Buarque), “Pra Ter Seu Bem Querer” (Moyséis Marques e Bena Lobo) e “Paulista” (Eduardo Gudin e J. C. Costa Neto).

Tocados com nuances de timbres, de dinâmicas que alternam affretandos e ralentandos, pianíssimos e fortíssimos, os arranjos de André Muato revigoram sambas consagrados. De quebra, dão real importância aos finais de cada música, fazendo o ouvinte lamentar que a música esteja acabando.

Na Lapa do Rio de Janeiro ou no Bixiga paulistano, samba é samba, desde que cantado por um bamba como Marcos Ozzellin, que dele fez seu ofício. A ele meu aplauso.

Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4

Aquiles Rique Reis

Músico, integrante do grupo MPB4, dublador e crítico de música.

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