Anistia entre amigos prepara nova ordem política, por Paulo Moreira Leite

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Jornal GGN – Está em curso uma operação considerada uma “anistia” para os envolvidos na Lava Jato que foram pegos pedindo doações oficiais para suas campanhas e receberam os recursos em dinheiro vivo ou no exterior. A ideia da operação é apontar essa transação como fruto de pagamento de propina entre políticos e empresários dispostos a obter contratos com a Petrobras, ora para uso eleitoral, ora para enriquecimento pessoal. Mas está a caminho uma lei, patrocinada pelo governo Temer, que distingue quem fez uso de caixa 2 de quem recebeu propina, pois o primeiro tipo de crime tem potencial baixo para gerar prisões.

“O acordo que se busca em 2016 tem como base a preservação dos amigos e a exclusão de lideranças populares que têm sua  expressão maior é o Partido dos Trabalhadores, cuja extinção já aparece no radar, e a consolidação de um monopólio político conservador, à prova de alternâncias no poder, como aquela iniciada pela chegada de Lula ao Planalto, em 2003. Recuperando uma posição de força perdida no final da ditadura militar, a classe dominante não quer riscos”, escreveu Paulo Moreira Leite nesta sexta (12).

Por Paulo Moreira Leite

Anistia entre amigos prepara nova ordem política

No 247

Sem um grama de espírito panfletário, pode-se dizer que o poder de uma classe dominante funciona assim mesmo.

     Depois de conduzir um processo seletivo de criminalização e encarceramento de  adversários políticos, os aliados de Michel Temer, acusados de envolvimento nos mesmos crimes de corrupção apurados na Lava Jato resolvem preparar um conforto exclusivo — encerrar a operação e garantir anistia para os amigos que deram o azar de serem apanhados na operação. Depois que as forças do adversário foram duramente atingidas, suas fileiras se encontram dispersas e boa parte das lideranças,  encarceradas, procura-se fazer uma previsível correção de rota.

     A entrevista de Michel Temer publicada no Valor de hoje é parte deste esforço. Apanhado numa delação premiada de Marcelo Odebrecht, Temer admitiu que recebeu o dinheiro. Não foram 10 milhões de reais. Foram 11,3 milhões esclareceu, com prudência profissional, já que este é o número  consta da “prestação de contas do período.” Temer fala de um período em que, como vice presidente da República e presidente do PMDB, havia uma “enxurrada de empresários querendo colaborar” e que, na época, 2010, isso era perfeitamente legal. Tocando no nervo da discussão, afirmou aos jornalistas:

     “Essas doações estão sendo criminalizadas. Por quê? Não pelo seu aspecto formal, mas pelo seu aspecto mais indutivo, achando que aquilo entrou porque havia propina. Então, vai precisar provar que aquele valor que entrou no partido e que houve prestação de contas é fruto de propina. É uma questão a ser examinada.”

      Este é o ponto em discussão. Envolve o destino de investigações que começam a se aproximar de figurões do governo Temer — além do próprio interino, estão citados José Serra e Eliseu Padilha, sem falar no eterno Aécio Neves.

     Também diz respeito a quem está interessado em debater formas de reconstruir o sistema democrático massacrado por condenações duríssimas. Ainda  envolve os debates sobre acordos de leniência, que protegem os empregados de uma empresa — e o PIB do país inteiro — contra desmandos e abusos cometidos por executivos e dirigentes acusados de corrupção. Podemos avançar numa saída democrática. Ou abrir espaço para um regime autoritário, que exclui a participação das lideranças populares.

     O argumento do presidente interino ajuda  a recordar que o eixo das condenações da Lava Jato foi constituido por essa mudança de natureza. Alterou-se a visão do chamado objeto investigado. Aquilo que se via como doações de campanha, e que eram perfeitamente legais na época, constituindo no máximo irregularidades fiscais conhecidas como caixa 2,  passaram a ser classificadas como propina. Não era um percurso fácil, porém.

Em março do ano passado, quando  o impeachment não passava de um projeto obsceno   dos adversários de Dilma vencidos cinco meses antes nas urnas presidenciais, a Folha de S. Paulo registrou a dificuldade de separar uma coisa da outra.”Doação ou propina,” escreveu o jornal em editorial, que informou: “Em relatórios enviados ao STF, Polícia Federal diz que, em alguns casos, dispõe de ‘elementos iniciais’ a indicar que a doação eleitoral foi utilizada como forma de corrupção.” Conforme o jornal,  em alguns casos a própria “PF ressaltava a necessidade de aprofundar análises.”

   Já naquele momento, as investigações apontavam para um equilíbrio notável na distribuição de doações de campanha, que jamais seria acompanhado, mais tarde, pela investigações e punições. Um levantamento do Estado de S. Paulo mostrou que entre 2007 e 2013, o PMDB, PSDB e PMDB receberam um bolo total de R$ 571 milhões em donativos de empresas, dos quais 77% haviam saido de empresas com negócios ligados a Petrobras, alvo da Lava Jato. Segundo o jornal, o Partido dos Trabalhadores ficou com a maior parte e o PSDB veio logo atrás, com mais 42% dos donativos. Na campanha de 2014, as grandes empreiteiras envolvidas também fizeram doações aos grandes concorrentes, partilhando somas equivalentes mas não iguais. Se a OAS chegou a doar R$ 30 milhões a Dilma, deixando R$ 10,7 milhões para Aécio, a candidata do PT recebeu R$ 16,8 milhões da Andrade Gutierrez, contra R$ 20,2 milhões para Aécio.

    Como registrei em A Outra História da Lava Jato:  “Estamos falando de quem negocia bilhões de reais, para lá e para cá.  Dinheiro puro, sem ideologia. Vamos falar em cortesia e boas maneiras?”

    Interpretando o espírito da legislação, escrevi: O jogo sempre foi este e é para ser este: pedir e prometer, pagar e esperar.”

    O que separa uma coisa da outra? A política.

    Entrevistado neste espaço, o professor Sidne Chalhoub, que leciona História do Brasil em Harvard, esclarece o ponto:

    — Hoje o Judiciário tem hoje um poder imenso, sem paralelo. A tese é que ‘tudo é corrupção e todos são corruptos.’A partir daí, cria-se o arbítrio, que é o caminho para a seletividade, para o uso político da Justiça.”

      Avançando no ponto de vista, Chalhoub explica que a natureza da legislação contribui para esse poder discricionário dos magistrados:

     “Nosso sistema legal tem regras múltiplas, contraditórias e incoerentes. Essa situação cria um espaço infinito para se agir arbitrariamente, porque a cada dia você pode mudar a interpretação de determinada lei, de uma regra, e aplicá-la seletivamente.”

    A política entrou em cena, nos primórdios da Lava Jato, para culpar e criminalizar. Volta a cena, agora, para aliviar e inocentar.

    Essa é a questão. As coisas não poderiam estar mais claras.

    Após a destruição do sistema político construído a partir da Constituição de 1988, que instituiu o mais amplo e duradouro regime de liberdades públicas da história do país, o plano é consolidar uma nova ordem republicana.

    Ampla, geral e irrestrita, a anistia de 1979 preparou a democracia dos anos seguintes. Recusou as objeções contra Leonel Brizola, Miguel Arraes e outras lideranças consideradas indesejáveis pelos poderosos de então. Deu-se um jeito para abrir a porta das cadeias para os condenados por ações armadas. Nasceu um país onde a liberdade de expressão e o direito de organização eram valores absolutos. Os partidos comunistas, mantidos na ilegalidade desde 1947, foram legalizados antes da Constituinte. As centrais sindicais, alvo de perseguição duríssima por parte dos golpistas de 64, puderam ser organizadas.

   O debate, hoje, envolve o país dos próximos anos, onde a votação do impeachment de Dilma será uma fronteira. A anistia entre amigos humilha os que acreditam que todos são iguais perante a lei. Institui a desigualdade como método preferencial de tratamento político.

   O acordo que se busca em 2016 tem como base a preservação dos amigos e a exclusão de lideranças populares que têm sua  expressão maior é o Partido dos Trabalhadores, cuja extinção já aparece no radar, e a consolidação de um monopólio político conservador, à prova de alternâncias no poder, como aquela iniciada pela chegada de Lula ao Planalto, em 2003. Recuperando uma posição de força perdida no final da ditadura militar, a classe dominante não quer riscos.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

5 Comentários

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  1. Lava Jato: perseguição a Lula, anistia para os golpistas ladrões

    Mulher e filho de Lula dão banana à PF

    Os dois ficarão em silêncio no depoimento   Publicado 12/08/2016, no Conversa AfiadaBanana.jpg

    Reprodução: Capital Digital

    No G1:

    Marisa e filho de Lula decidem se calar em depoimento, e PF lamenta

    Marisa Leticia Lula da Silva e Fábio Luis Lula da Silva, esposa e filho do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, informaram que ficarão em silêncio no depoimento à Polícia Federal (PF). Ambos foram intimados a prestar esclarecimentos no inquérito que apura a propriedade de um sítio em Atibaia, no interior de São Paulo.

    A força-tarefa da Operação Lava Jato suspeita que a propriedade seja do ex-presidente. Por outro lado, Lula afirma que ele e a família frequentam o espaço na condição de amigos dos proprietários.

    (…) Na petição, a defesa de Marisa disse que, “tendo em vista o grande estardalhaço realizado pela imprensa a respeito dos fatos apurados”, a cliente pretende usar o direito constitucional de permanecer em silêncio.

     

  2. Não acredito na viabilidade

    Não acredito na viabilidade desse acordo, dado o poder extraordinario do PGR, hoje a maior autoridade do Pais em um nivel nunca antes visto desde a Constituição de 1988.. Vulgarizando a matéria: “esqueceram de combinar com o Procurador “

  3. A isso se soma a perda

    A isso se soma a perda calculada de direitos a ser imposta aos trabalhadores. Longe de ser um problema financeiro ou de conceito de estado mínimo, visa acima de tudo colocar a classe trabalhadora de joelhos, com possibilidades mínimas de reação e iniciativa.

  4. Manifesto secreto da PGR

    Coisas que se acha na Net.

    Não se trata nem de destruir e nem de conservar uma ordem social qualquer por cima dos Estados e de seus chefes, porque esta ordem social não existe – ela precisa de ser criada. Por cima da nossa nação e dos nosso governo há que formar um governo geral, puramente científico composto só pela PGR, que seja uma emanação dos nossos prórprios interesses e que consagre tudo o que constitui a sua vida interior.

    Vivemos em tempos interessantes.

  5. Capitalismo descentralizado

    E a gente segue caindo sempre no mesmo golpe.

    Assim com em ’64 quem executou o golpe foram os militares, agora quem o executa são o Judiciário e o Parlamento. Mas o mentor, do qual não se fala (tabú?) e quando se fala é apenas en passant e apesar de ser o principal, é o mesmo, nos dois casos: o poder econômico agigantado de interesses geopolíticos.

    Faço questão de adjetivar e discriminar o poder a que me refiro – tão grande que, no meu diletante ponto de vista considero, em ordem, o 5o. poder democrático mas em importância atual, o 1o. – como “agigantado de interesses geopolíticos” para diferenciá-lo da necessidade que todos temos de comer, vestir, morar e poder ir trabalhar.

    O mentor do golpe de agora, que é o mesmo dos anteriores, não apenas não precisa de dinheiro para comer, vestir e morar como é o verdadeiro inimigo de quem precisa comer, vestir e morar. Inimigo oculto, é verdade, no inconsciente geral (como todos os tabús) dos que alimentam esperanças de um dia, quem sabe, não mais precisarem de dinheiro apenas para comer, vestir e morar. A atividade econômica agigantada e centralizadora não é apenas a pequena atividade econômica que cresceu. A mudança de escala faz toda diferença. A agigantada é oposta, inimiga, da pequena.

    Estamos no começo. Como diz György Lukács, “na pré-história da Humanidade”. Mas que a gente já podia ter aprendido essa diferença, para evitar cair sempre no mesmo golpe… ah, isso a gente podia, sim.

    De outra forma, pelo menos por enquanto somos todos capitalistas, nós e eles. Mas eles não são nossos amigos, suas ações sabotam as nossas possibilidades de prosperidade. Onde já se viu admirar e até trocer para que o inimigo ganhe?

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