As contradições de Jango

Na última coluna comentei sobre as pesquisas do Ibope em 1963 e 1964, revelando forte aprovação popular ao governo Jango, às reformas de base e à eventual candidatura dele ou de Juscelino Kubistcheck em 1965.
 
Mesmo assim, não basta para uma reavaliação radical sobre o governo João Goulart. Foi um governo com muitas ambiguidades e uma enorme fragilidade em relação ao Brasil institucional.
 
***
 
Por tal, entenda-se o Brasil centralizado no eixo Rio-São Paulo, composto pelo Judiciário, pelas associações empresariais e de classe, pelos clubes esportivos e pela imprensa. É por aí que se expressava a opinião pública midiática, restrita. 
Na outra ponta, a opinião pública mais ampla, do mercado eleitoral, dominado pelas campanhas presidenciais e com escassa influência no período entre eleições.

 
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Jango jamais foi um revolucionário. Era um estancieiro, herdeiro de ricas terras e da tradição populista de Getúlio Vargas. Este jamais misturou-se com as massas. Cada ato seu, de reconhecimento de direitos, era quase uma concessão da casa grande. E sua habilidade política consistia em fomentar conflitos entre as partes, para se colocar como o mediador.
 
Vargas recorreu ao apoio dos integralistas para derrotar os comunistas. Depois, abandonou os integralistas, por desnecessários. Jogava com as contradições do meio empresarial, tinha uma base partidária que incluía o trabalhismo do PTB e o ruralismo do PSD.
 
Sem dispor dessas habilidades, Jango assumiu a presidência enfrentando uma conspiração ininterrupta, em um Brasil muito mais complexo, que nem a lendária habilidade política de Vargas logrou  superar.
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Administrava duas forças. Na ala mais moderada, empresários, juristas, economistas e políticos que apoiaram Vargas ou de extração de centro-esquerda, como San Thiago Dantas, Tancredo Neves, Walther Moreira Salles, Celso Furtado, jovens lideranças de centro-esquerda, como Franco Montoro. Todos de cabeça mais arejada que os dinossauros da época mas, ainda assim, membros incontestes da elite.
 
Na ala mais radical, o furacão Leonel Brizola e seus quadros gaúchos. Até por sua origem, mais modesta, Brizola encarnava um populismo mais radical, menos propenso aos arreglos com a elite da época.
 
No meio, Jango ainda precisava administrar um congresso negocista que, sentindo sua fragilidade política, exigia acesso total ao orçamento e ao crédito do Banco do Brasil.
***
Jango não logrou administrar essa diversidade.
 
Em determinado momento tentou aproximar-se dos Estados Unidos de John Kennedy; tentou compor-se com o Clube de Paris; tentou renegociar a dívida externa; manteve uma política econômica ortodoxa.
No momento seguinte, no entanto, aumentava o clamor dos adversários. Embora o incomodasse a radicalização dos aliados mais à esquerda, se abrisse mão deles ficaria a sós no enfrentamento dos conspiradores. E Jango mudava a orientação, trocava a ortodoxia pelas posições dos economistas nacionalistas, deixava de lado a estabilização e a cautela.
 
Seria injusto taxá-lo de fraco, por não ter reagido ao golpe. Perplexo, sim. Tinha um jogo de xadrez complexo pela frente e acabou se perdendo na análise das diversas variáveis possíveis, sem se decidir por nenhuma.
 
 
 
Luis Nassif

21 Comentários

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  1. Excelente

    Mas, o fato é que na época qualquer um que demonstrasse independência aos EUA e quissesse alterar o que estava estabelecido seria derrubado, independente de apoio popular, congressual…

    As “medidas exemplares” deveriam ser tomadas para demonstrar a força anticomunista ainda mais no “quintal” deles.

    Um ilustre general e político brasileiro chegou a cunhar: “O que é bom para os Estados Unidos, é bom para o Brasil”.

    As “medidas exemplares” ocorreram em quase todas os países da Amértica do Sul,…

    O exemplo estava dado.

      1. Rompidinha ou rapidinha?

        Em que momento “o regime militar deu uma rompidinha com os EUA”? Pergunto porque fiquei curioso. Nunca soube desse momento.

        O que sei é que o regime militar prometeu que iria “dar uma rapidinha com os EUA”. E essa rapidinha virou um feliz (pra ambos) casamento de 21 anos pavoroso (pra  nós)

          1. Uma no cravo, duas na ferradura.

            Até onde sei, no pouco que sei, o grande democrata Jimmy Carter, em conversa com  Geisel e com João Figueiredo, elogiou  o que ele chamou de crescimento do Brasil, avaliou os investimentos do país em energia atômica como pesquisas para fins pacíficos. E referiu-se a importância da democracia e das liberdades individuais. Carter fez o seu papel de democrata. Os generais os deles, de ditadores. E tudo seguiu seu rumo. Sem “rompidinha” nenhuma. Até porque nem o Brasil e nenhuma outra ditadura na América do Sul podiam dar-se ao luxo de prescindir da sustentação norte americana.

          2. Existem vários outros

            Existem vários outros exemplos, com Janio se aproximando dos comunistas, Vargas barganhando participaçao na guerra, Vargas o Retornno nacionalizando de tudo…. etc. O mundo é mais complicado do que essa simplificaçao de documentario de Silvio Tendler.

            Satélite MESMO é um país que é invadido por decidir fazer reformas internas, como a Hungria. 

             

             

  2. “sem  se  decidir  por 

    “sem  se  decidir  por  nenhuma “…?   E as   reformas  de  base ?   E  a  Lei  de  remessa  de  lucros…?  E  a  criação  da  Eletrobrás ? 

         Com  uma  coligação  do mesmo  porte  da  do  Lula  (  o  PSD do  alkmin   mineiro,  do  armando  falcão,  do jk,  um  saco de gato  como  o pmdb/pp/ptb/pr  de hoje..)  e a oposição  udenista  marombada  pela  cia, e seus arietes  ibad,  grande imprensa…etc,   quando  Jango  se  decidiu……o    mundo  lhe  caiu  em  cima. Preferiu  não  confrontar  as  forças  golpistas  ( simplesmente as  forças  armadas,  a elite empresarial  e…..os  estados  unidos…) para  poupar  o sangue  de  seus  seguidores…E teve  o Uruguai,  a  Argentina,  o Chile….

         Parece  que  acham  que era  mole reverter  aquela  onda….Infelizmente  nem  Allende  conseguiu..

    1. Um exemplo. Walther Moreira

      Um exemplo. Walther Moreira Salles conseguiu destravar empréstimos do Banco Mundial para eletrificacao no RS. Ficou in tocado pelo preconceito de Brizola com o capital internacional, mesmo de multilaterais. 

  3. A classe média mesquinha, sempre.

    As pesquisas do Ibope de 63 e 64 só corroboram minha tese, exaustivamente externada em várias ocasiões e canais: estou na companhia – e que bela companhia, com total orgulho – da grande Marilena Chauí: o grande câncer dessa nossa sociedade atrasada, inculta, paupérrima em seus ideais, foi, é e sempre será a dita classe média. Não a do Lula, recém egressa pelos números apenas – essa terá o seu momento de por os dentes à mostra, mais à frente, é só esperar – mas a tradicional, a de sempre; aquela deslumbrada dos shoppings centers, das baladas, dos i-phones, do face, das ruas de junho/2013. Os “coxinhas” travestidos de engajados.

    O que nos atrapalha, acreditem, é essa classe média babaca, que se acha, arrivista, preconceituosa, racista, consumista, que quer “chegar lá” mas não tem pedigree, que enche as ruas com seus carros – a grandíssima maioria com as prestações atrasadas; mas não importa, o que vale é aparentar, é parecer e aparecer. 

    Não por nada, os seus grandes ídolos e referências/mentores são os Lucianos Hucks e demais televisivos, os Arnaldos Jabores e Thiagos Leifers e Bernardinhos e Anas Marias Bragas da vida. Suas leituras? Bom, acho desnecessário elencar.

    Ainda bem – vejam que merda, ainda bem que não somos um país de classe média, sonho de nossa presidenta. Que ótimo que o povão não tenha acesso à mídia, à informação – essa informação consumida via jornalões e tv. Quando chegarmos lá, cuspirão em Dilma e no PT, todos aqueles que um dia neles votaram para ascender. Depois, uma vez lá, uma vez classe média, adeus: vou garantir o meu lugar, daqui ninguém me tira!

    Pobre país: se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.

    1. É isso aí. Tem que fazer como

      É isso aí. Tem que fazer como em Cuba e acabar com a classe média. Fica só a rica (Os que mandam) e o resto é pobre mesmo!

    2. Amigo se foi

       Mauricio,

       Já que vc. está na companhia da Prof. Dra. Marilena Chaui, por favor, passe a ela, meus sentimentos, e de minha familia, relativos a “passagem” de seu irmão: Dr. Alberto Francisco de Souza Chaui, o qual creio foi o unico médico de familia que conheci – há mais de 30 anos -, e como sempre foi discreto, nem ao menos possibilitou a que seus amigos o relembrassem quando de sua passagem, pois foi em 25/12 – e Dr. Chaui, em dia de Natal, somente estaria disponivel para seus doentes, ou aos que dele necessitassem ( consultório ou no Sirio Libanes: R$ 650,00, para os que não podiam pagar sua consulta: R$ 0,00).

        É triste quando grandes homens se vão, mais triste ainda é que alguns grandes homens, que socialmente foram importantes, não tenham sido reconhecidos por seus trabalhos com os mais carentes, e ai fica dificil ver um Drauzio Varella, posar de impoluto e sociavel, surfando na audiencia da Globo, e na grana da UNIP.

       RIP – Dr. Alberto de Souza Chauí – farás muita falta.

  4. Percebam

    Qualquer semelhança com o estilo petista de governar de governar, não é mera coinscidência. 

    Para piorar,  o PT tem seu Jango, mas não tem um Brizola.

    1. Nunca vi coincidências com

      Nunca vi coincidências com resultados tão díspares. O Jango ficou 2 anos no poder e o PT com Lulilma já vai para seu décimo primeiro ano.

      Mas deixando para lá comentaristas chiapados, acho que o Assis tem razão, Nassif. Independente do Jango deixar a desejar em termos de habilidade política, fato é que durante o período duro da guerra fria, nenhum país da AL deixou de ter um golpe de estado. 

      Uma questão de geopolítica muito acima de qualquer político, desde os mais habilidosos até os mais frágeis

  5. Senhor Nassif e prezados

    Senhor Nassif e prezados amigos e prezadas amigas, este é um tema apaixonante.

    Muitos dizem que há feridas abertas, incompreensões de ambos os lados (esquerda e direita) e entre esquerdistas e direitistas.

    Dizem ainda que estes dissensos incapacitam o povo (ou parte dele) de compreender e definir o que houve em 64, para que possamos evitar repetições ou erros de mesma natureza, bem como dar a cada setor a reparação e o castigo devidos.

    É muito mais que isto, eu, modestamente, penso.

    A busca de uma verdade histórica não é um processo acabado, sabemos todos, e sabemos mais: talvez seja mais importante esta busca que a verdade propriamente dita, porque ela mesmo pode ser impossível, dado o fato de que cada grupo em disputa instrumentaliza o consenso de uum modo peculiar e que lhe favoreça na luta política.

    Mas não podemos renunciar a esta perseguição, porque estas definições são cruciais para a consolidação do nosso cotidiano político e nossas perspectivas, onde podemos avistar, como um dèjá vu, os mesmos perfis ideológicos no campo de batalha, ainda que alguns gostem de se apelidar por outros nomes, ou dizer que a luta de classes não existe mais.

    Neste sentido, eu gostaria de discordar do Senhor Nassif em alguns pontos, a começar pelo principal: Nenhum governo é golpeado pelas suas contradições! Ele é golpeado por golpistas, que não enxergam mais como fazer a luta política dentro do campo institucional, ou imaginam que o golpe seja o atalho mais adequado.

    Eu arriscaria dizer que não há governo sem elas, e os mais profícuos sejam, justamente, onde as haja em maior número.

    O consenso da sublimação de conflitos, explicado magistralmente por Buarque de Hollanda, nos trouxe o caos institucional e paradigmas privados em lugar do formalismo público e das regras universais.

    Mais recentemente, no maior “país do planeta”, um estranho consenso (bush jr) e ausência de vozes dissonantes roubaram o caráter dos EEUU.

    Mas vamos ao tema em si:

    É preciso entender o mundo em 64, tomando por base o confltio bi-polar que o orquestrava (A Guerra Fria), e mais ainda: que este conflito bi-polar se reproduzia de forma multipolar em vários cantos do planeta. Um exemplo: um ultra-direitista como Janio condecorando Che Guevara. É um ato simbólico, meramente provocativo, e por várias vezes associado a personalidade mercurial do “presidente vassourinha”, mas também desvenda como havia peculiaridades nestes conflitos de natureza ideológica, ou seja, não há uma forma plana de enxergá-lo.

    Todos os países, a seu modo, esgueiravam-se, uns mais outros menos, de acordo com sua posição e importância relativa, na tentativa de tirar proveito de ambos os lados, e não são incomuns histórias e fatos que cruzam interesses geopolíticos em estranha promiscuidade.

    O Senhor Nassif descreveu com eficiência estes pêndulos, que se faziam mais (ou tanto) por pragmatismo que por afeições ideológicas, embora estas estivessem também no contexto. 

    Sendo assim, os EEUU tinham muito interesse em barrar qualquer avanço mais à esquerda na América Latina, óbvio, mas eles não levariam tais desígnios à frente sem a aliança com as elites locais, muito mais interessadas na associação rentista com o capital internacional que perder tempo com a construção de um modelo de capitalismo que disputasse espaço com a hegemonia estadunidense.

    Não é possível, portanto, que cada governo que caiu pela ação quase linear da CIA e de outros órgãos de “política exterior” dos EEUU na época, o tenham feito porque eram “contraditórios demais”.

    A ação estadunidense era declarada: manter espaço de influência para a expansão capitalista: pelas urnas (quase em lugar algum), pelo golpe (AL), ou pela guerra direta (Ásia).

    Voltando as contradições de Jango, eu diria que todos os governos que o antecederam experimentaram contradições tão ou mais graves que as dele, e oscilaram tanto ou mais que ele na economia e na gestão de política econômica.

    Aqui, mais uma vez é preciso notar o mundo ao redor:

    Um mundo recém saído da II Guerra Mundial, com uma potência emergente, herdeira do legado de outro império capitalista (Inglaterra), que por sua vez, antagonizava outra potência militar (URSS), necessitando afirmar definitivamente seu campo de inflluência em seu quintal (ainda mais depois de Cuba, baía dos Porcos e crise dos mísseis), atolada em conflitos na Ásia (Coreia e depois Vietnam), e que por tudo isto e muito mais, nunca poderiam permitir que um país como o Brasil (ou o bloco latinoamericano) confrontassem sua condição de locomotiva do mundo.

    É preciso reavivar a memória e descobrir que o Império Inglês não se consolidou semeando “democracias”, ou países competitivos aos redor do globo.

    O Brasil de Jango, por sua vez, veio tombando de períodos de ditaduras (Vargas), tentativas de golpes (República do Galeão), uma renúncia traumática do primeiro presidente orgânica e declaradamente conservador do país (Janio), e a interrupção dos planos eleitorais conservadores, trazendo uma expectativa nada animadora de retorno.

    Não se sabe ao certo (creio que não houve estudo neste sentido), do sentimento da nação, à época, pela renúncia de Janio, o sentimento de frustração e rejeição do povo de ver o seu presidente rejeitar o encargo lhe dado pelas urnas.

    De todo modo, arrisco a dizer que a direita encarnada na UDN, que nunca teve sucesso eleitoral, demoraria décadas para voltar a tê-lo (de fato, só teve em Collor, deposto em outra intrigante “coincidência histórica”).

    Por isto é que estes setores, a direita, a classe média, os clubes, militares, etc, junto com o establishment internacional (EEUU), aderiram a ideia de utilizar as contradições de Jango para derrubá-lo, e não para vencê-lo nas urnas.

    Justamente porque a população, ainda que por pressentimento ou intuição, enxergasse tais contradições, ainda assim lhe apoiava eleitoralmente, mas como ficou evidente, não a ponto de reagir nas ruas a um golpe.

    Esta foi a conta feita pelos golpistas, e que Jango pessoalmente (aí sim) não soube fazer, ao contrário de Vargas e JK.

    Jango não caiu por suas contradições, mas porque se dispôs a enfrentá-las.

    Vargas teria ficado em cima do umbuzeiro.

    Este é o compenente “personalista” que talvez tenha feito a diferença, mas também temos que considerar que Jango não era inclinado a gestos fatais como Vargas em 54.

    Mesmo assim, nenhum dos dois, nem Vargas nem Jango imaginavam um conflito aberto (guerra civil) pelo poder, ainda que Vargas tenha experimentado embates sanguinários ao longo de sua carreira, principalmente na parte gaúcha dela.

    Vargas usou cada ferramenta que pode para encurralar adversários e cooptá-los quando possível.

    Jango, provavelmente, acreditou demais na outorga de seu mandato e seu cargo, e não “usou” tudo que tinha a sua disposição, até porque imaginava que a fase de maturação democrática do país estava em um curso sem retorno.

    Fundamentalmente, este era o momento do Brasil: definir se permaneceria como filial dos EEUU (como fizeram os golpistas de 64), mantendo seu povo comendo titica, ou se ousariam modernizar e ampliar as bases sociais de participação na economia e na política do país.

    Esta encruzilhada histórica só agora nos é possível enxergar pela afastamento proporcionado pelo tempo. Jango (e nem ninguém dentro ed seu governo) não tinha como ter esta perspectiva.

    Enfim, eu termino este longo e chato comentário denunciando (respeitosamente) a fragilidade do raciocínio do Senhor Nassif no seguinte ponto:

    O setor que deu o golpe no Jango não estava ao seu alcance, e nunca estaria. Os setores à direita de seu governo, como San Thiago Dantas, Tancredo, Moreira Salles, etc, que ele administrava junto com o espectro mais à esquerda, personificados em Brizola, Arraes e outros, mantiveram-se até o fim com o governo, salvo uma ou outra exceção que só confirma a regra. Ou seja: ele foi capaz de administrar estes conflitos.

    Não foi do seio das contradições do governo que saiu o golpe.

    Foi de um setor que só enxergava o golpe como arma política, já que as urnas estavam interditadas pela “loucura” janista.

    O resto é História.

      1. Meu caro amigo, obrigado por

        Meu caro amigo, obrigado por replicar meu comentário.

        Mas observe, meu interesse não é expor as contradições do editor do blog, afinal, todos nós temos as nossas, e são salutares.

        No entanto, há um perigo que ronda a compreensão do golpe de Estado de 64, e que se materializa na eterna busca de setores democrátios, progressistas e de esquerda pela “fraqueza” de Jango, ou de sua “culpa”.

        Ora, a grande causa de um golpe de Estado é a existência de setores golpistas dispostos a levar o embate democrático (por estado mais agudo e crítco no qual se encontre) a uma ruptura, ou melhor, a uma disrruptura institucional, justamente por que estes setores são incapazes de acumular capital político para permanecer no campo da normalidade.

        As contradições de Jango, suas fraquezas (supostas), seus problemas são inerentes a qualquer governo democraticamente eleito, e cujos processos estão em permanente construção.

        Veja você que o golpe de 64 (e os demais pela AL) inaugurou uma “teoria” que só seria utilizada novamente, e com tanta desfaçatez em bush jr com seu ataque preventivo.

        1964 foi um “golpe preventivo”, onde as justificativas (se é que podemos chamá-las assim) foram: “vai ter golpe branco; pode haver uma ditadura comunista; brizola come criancinha, etc.

        Jango nada mais fez que trazer ao debate um conjunto de reformas e uma proposta de novo pacto constitucional. Salvo raros temas, não há debates interditados na Democracia, ou há?

        Em outro post recente deste blog, o comentarista André Araújo sublinhou que Jango e Brizola pregavam pela abolição do Direito de Propriedade, dando a este direito um status de direito natural de primeiríssima grandeza, e que qualquer debate sobre alteração destes limites ou da natureza deste direito, ainda que dentro das vias legais, eleitorais e constituintes, fosse um ato de lesa-humanidade.

        Bem, quais são os limites para as escolhas populares? O que é de fato o poder originário?

        Podemos discutir maioridade penal? Casamento gay? Pena de Morte? Presidencialismo, parlamentarismo, monarquia, república, pacto federativo, tributos, responsabilidade fiscal, mas e os limites da propriedade? NUNCA!

        Esta é a grande sacada do capitalismo: incluir o direito de propriedade na categoria de direito natural. Não é, e nunca será.

        Então, caro amigo, eu me preocupo que as teses da contradições de Jango esposem, ainda que de leve, as teses de que foi o Jango o responsável pelo golpe que lhe derrubou, pelos defeitos, pelos erros, etc.

        Eu só reconheço uma instância para retificar erros de escolhas populares, que são outras escolhas populares, salvo quando há rompimento do pacto constitucional.

        Jango não infringiu nehuma condição deste pacto, e ainda que assim fosse, havia a previsão legal para processar suas faltas, e se fosse o caso, puní-lo.

        Golpe só tem uma causa principal: golpistas.

        Foi esta a minha preocupação quando contra-argumentei o editor do blog. Apenas isto.

         

        Um cordial abraço.

    1. Excelente!
      Não há como

      Excelente!

      Não há como olvidar a força e as imposições da “Guerra Fria”, em todo o período pós-Vargas, sobretudo a partir de Eurico Dutra, no final dos anos 40 – lembre-se a cassação dos mandatos da bancada comunista no Congresso ! E, além disso, é fundamental observar o que diz Obelix: 

      ” O setor que deu o golpe no Jango não estava ao seu alcance, e nunca estaria. Os setores à direita de seu governo, como San Thiago Dantas, Tancredo, Moreira Salles, etc, que ele administrava junto com o espectro mais à esquerda, personificados em Brizola, Arraes e outros, mantiveram-se até o fim com o governo, salvo uma ou outra exceção que só confirma a regra. Ou seja: ele foi capaz de administrar estes conflitos.

      Não foi do seio das contradições do governo que saiu o golpe.

      Foi de um setor que só enxergava o golpe como arma política, já que as urnas estavam interditadas pela “loucura” janista.”

      E é sempre bom não esquecer as especificidades do período, com o país ainda não tendo atingido a franca urbanização, que sobreveio posteriormente. Ou seja, grande parte da população ainda vivia nas áreas “profundas” do Brasil, manietada pela visão de suas oligarquias rurais. Além disso, a força ideológica dos meios de comunicação, à época, que “consensuaram” essa visão de mundo e prepararam as condições para que a direita ficasse – ideologicamente – à frente da disputa ! Ainda é preciso conhecer a história de incontáveis lideranças progressistas nessas áreas (que não conseguiram construir, a tempo, alternativas à “hegemonia” dos comunistas), para avaliar como tudo se deu, realmente.

       

       

       

  6.  
    Com essa revisão histórica,

     

    Com essa revisão histórica, em menos tempo do que se imagina Jango será considerado o maior presidente que o Brasil já teve (rs). A verdade é que ele não tinha preparao nenhum pra situação que lhe apresentou depois da renuncia de Jânio. Acho que a única coisa positiva do seu governo foi ele não ter lutado para não sair do cargo – e jogar o país numa guerra civil que sabe-se lá no que poderia resultar. E não se deve esquecer que o Brasil, desde a volta de Vargas à presidência, vivia uma guerra entre suas lideranças políticas civis, uma querendo dar o golpe na outra ( parecendo um pouco um filme argentino ótimo chamado Nove Rainhas. Quem não viu ainda, veja ). Recordemos que JK só pôde tomar posse porque um militar , o Lott, garanttiu isso, já que forças políticas civis – lideradas por Lacerda – não queriam isso. 

  7. NÃO TINHA O QUE DECIDIR

    O golpe foi perfeito.

    Se ele resistisse, os americanos desembarcariam no Rio Grande do Norte, e transformariam o Brasil num Iraque. Quem mais contribuiu para isso foi a mídia, disseminando o medo aos comunistas, e inventando que Jango era de extrema esquerda.

    O que resta é aprender com os erros do passado. Se tivéssemos na época a DEMOCRACIA DIRETA, como havia em vários países da Europa e EUA, ele poderia ter estabelecido várias medidas por plebiscito, como acabou de fazer a Islândia. Ou seja, o maior erro dos políticos nacionalistas, foi não buscar o apoio do povo através da DEMOCRACIA DIRETA. E continuamos no mesmo rumo…

  8. Guerra Fria. Não tão fria…

    Não estudei a História deste período (será que já foi escrita). Tinha na época 14 anos e pouco discernimento para entender tudo o que acontecia. Especialmente quando a família era católica carola, udenista fanática e recebia e lia religiosamente as Seleções do Readers Digest, propaganda descarada do American Way of Life.

    Portanto pouco desta época posso entender de forma isenta só pela vivência que tive. Mas a sensação que tinha era de que vivíamos numa bagunça tremenda. Eram reivindicações sem fim, greves a toda hora. Até que pouco mais tarde durante o serviço militar tomei conhecimento da revolta contra a hierarquia militar que é o âmago do funcionamento destas forças. Chovia ferrantas pesadas na cabeça dos oficiais que inspecionavam os porões das máquinas dos navios. Para sua segurança davam serviço com a pistola 45 na cintura. Não por mera formalidade, mas para sua própria segurança. Todos os machados (ferramenta anti-incêndio) que ficavam nos corredores das embarcações foram recolhidos. Ouvi esta explicação como um dos argumentos para entrada e franca adesão dos milicos à Revolução de 64.

    Isto sem levar em conta que todos estes milicos foram treinados pelos americanos na Escola das Américas no Panamá para combater (e torturar) os inimigos da Guerra Fria, que não era tão fria assim…

     

     

  9. A questão não era Jango, mas

    A questão não era Jango, mas a fragilidade da Democracia brasileira, a elite brasileira nunca foi democrática, nunca teve qualquer apreço pelos valores democráticos. Vejo temerosa semelhança entre o contexto de Jango e aquele de Dilma, apesar da situação atual ser mais estável, a Democracia está mais consolidada, Dilma conta com o apoio de Lula, com todo seu respaldo popular, e os EUA estão enfraquecidos.

     

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