Bispos censuram pesquisa acadêmica e PUC-SP pode perder áudios de M. Foucault

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Do Jornal do Barão

De 30 de abril de 2015, por Vitor Bastos – Representante dos estudantes da Faculdade de Ciências Sociais no CONSUN

Aprovado por unanimidade em todas as instâncias pelas quais tramitou (Departamento, Faculdade, Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão, Conselho Universitário – CONSUN), o projeto de criação da “Cátedra Michel Foucault e a filosofia do presente” visa consolidar a PUC-SP como centro de referência para estudos do pensamento de Michel Foucault, incrementando principalmente o intercâmbio entre estudiosos da América Latina. A criação da Cátedra consiste de uma iniciativa conjunta do Consulado Geral da França em São Paulo e de representantes das seguintes instituições estrangeiras: École Normale Supérieure de ParisUniversité de Bordeaux III, Université de Paris VIII, Collège International de Philosophie(França), Universidade de Lisboa (Portugal), Universidad Complutense de Madrid (Espanha), Universidad San Martin (Argentina), Universidad de Caracas (Venezuela) e Universidad de Valparaiso (Chile).

A Profa. Dra. Salma Tannus e o Prof. Dr. Márcio Alves, coordenadores do Grupo de Pesquisa Michel Foucault e proponentes da criação da Cátedra, contaram com o apoio de 9 instituições de ensino, de 6 países, além do intermédio do Consulado Geral da França que articulou a doação histórica pela “Bibliothèque Générale du Collège de France” dos áudios originais de todos os Cursos (1971 a 1984) ministrados por Foucault nessa instituição. Essa doação faz da PUC-SP a única instituição fora da Europa a adquirir esse acervo. Além de nós, somente as francesas Collège de France (Paris) e Institut Mémoires de l’Édition Contemporaine (Normandia) possuem tal material. A Biblioteca da Faculdade de Filosofia já havia recebido os áudios originais do Collège de France desde 2012 com a condição de que fosse criada uma Cátedra para o filósofo.

Após ter sido aprovada no dia 30 de julho de 2014 pelo CONSUN, instância de maior representatividade da comunidade universitária, a criação da Cátedra foi submetida ao Conselho Superior (órgão da Fundação São Paulo), conforme regulação interna aprovada pelo próprio CONSUN, composto pelos 7 Bispos do Município e a Reitora. No entanto, o Conselho Superior votou a matéria apenas no dia 19 de dezembro de 2014, e decidiu, por sete votos a favor e uma abstenção, negar a criação da Cátedra, sob a justificativa de que a mesma não coadunaria com os princípios católicos que regem a PUC-SP. Foucault era homossexual e crítico à instituição da Igreja Católica.

Surpresos com a deliberação, os professores proponentes protocolaram um Pedido de Revisão da Decisão que foi submetido a votação pelo Conselho Superior da Fundasp no dia 13 de abril de 2015 e novamente com sete votos e uma abstenção decidiu-se que não iriam sequer incluir o pedido na pauta da reunião. Mostrando intransigência e firmeza nesse ato de censura, os Bispos se recusaram a analisar o mérito do pedido que contém uma ampla explicação das razões para se criar a Cátedra, inclusive, esclarecendo conceitos e noções de Foucault como o de“espiritualidade”, “verdade”, “sujeito epistemológico”, “sujeito ético”, a fim de esclarecer que uma Universidade Católica não só pode como deve prestigiar um pensador como Michel Foucault, assim como fizeram editoras católicas ao publicarem seus livros no Brasil (caso da Editora Vozes que publicou mais de 20 edições da obra “Vigiar e Punir” do referido autor).

Nessa quarta-feira, dia 29/04, ocorreu a reunião Ordinária de abril do CONSUN e nele a questão foi pautada com presença massiva de estudantes de Ciências Sociais, Relações Internacionais, Artes do Corpo, Economia, Direito e outros cursos que se mobilizaram junto aos professores. Durante a leitura do Pedido de Revisão pelo Prof. Márcio Alves, pairava entre Conselheiros e estudantes um sentimento misto de indignação e constrangimento, mas ao término da leitura todos os presentes, incluindo membros da Reitoria golpista, aplaudiram emocionados pela percepção do significado e repercussão que a Cátedra traria à PUC-SP.

Como se apenas o aprofundamento da pesquisa do autor não fosse argumento suficiente, os Bispos ignoraram completamente a autonomia da Universidade e colocaram em risco a permanência de um material que certamente contribuirá muito mais para a afirmação da excelência e prestígio da PUC-SP que a participação deles próprios no processo decisório-administrativo.

Lembrando: esse material ainda está em risco (!) enquanto os Bispos não reconsiderarem a extinção da Cátedra. Na quarta-feira, foi aprovado por unanimidade que o Consun envie um pedido de reconsideração ao Conselho Superior da Fundasp e que rediscuta internamente os termos do ato que regula a criação das Cátedras submetendo-as à aprovação do Conselho Superior em última instância.

Apesar da suposta legalidade da decisão do Conselho Superior, assim como ocorreu com a nomeação da Anna Cintra pelo Arcebispo D. Odilo em 2012, nossa mobilização mostrou que nós não aceitamos um projeto que ignora a autonomia da Universidade, ainda mais em uma Universidade com o histórico de resistência da PUC-SP. Não nos calaremos frente a essa censura!

Por último gostaria de deixar dois questionamentos. Vimos repetidas vezes estudantes, professores e projetos do Curso de Filosofia sendo perseguidos, criminalizados e desmerecidos por parte da administração da PUC-SP. O curso de Filosofia da PUC-SP foi um dos cursos que fundou essa Universidade e hoje é o único curso reconhecido internacionalmente. É também o curso que mais se propõe a debater as mudanças e desconstruções do status-quo de nossa sociedade.

– Será interesse dos Bispos, mudar o status-quo?

– Será interesse dos Bispos, o avanço do curso que mais se propõe a operar essa mudança?

 

Para conhecimento geral, quem são os 7 Bispos do Conselho Superior:

Dom Eduardo Vieira dos Santos – Bispo auxiliar – VigárioEpiscopal para a Região Sé

Dom Devair Araújo da Fonseca – Bispo auxiliar – VigárioEpiscopal para a Região Brasilândia

Dom José Roberto Fortes Palau –  Bispo auxiliar – Região Ipiranga

Dom Carlos Lema Garcia – Bispo auxiliar – Vicariato para a Educação e a Universidade

Dom Sérgio de Deus Borges – Bispo auxiliar – Região Santana

Dom Julio Endi Akamine – Bispo auxiliar – Região Lapa

Dom Edmar Peron – Bispo auxiliar – Região Belém

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

11 Comentários

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  1. Nada de novo

    A igreja católica, desde a idade média, sempre alertou para “os perigos do livre pensar” e fez de tudo para censurar e perseguir que ousava discordar de seus dogmas.

  2. Incoerência secular

    Li com atenção o post e entendo estarmos diante de uma incoerência secular.

    É indiscutível o papel vil da igreja católica na história mundial. Eles perseguem, articulam e só não matam porque estamos em tempos diferentes. Continuam usando sua tese de controle como bastião em sua crença, ou seja, nada de novo.

    O novo seria mandá-los às favas com seus dogmas e santidades “infernais”, mas, não. O que se vê são milhares de pessoas que pagam e são pagas por uma instituição que advém desse poço de sujeira e que demonstram, de forma no mínimo curiosa, o desejo de mudar o desejo de seus patrões.

    Ora bolas, parem de encher a PUC de prestígio, parem de doar seus intelectos a esses seres desprezíveis. Parem de vender suas pobres almas aos que nela enxergam sua fonte de sobrevivência. Migrem para opções de vanguarda e progressistas, mas, que acima de tudo primem pela liberdade em sua essência.

    Não pode ser legítima qualquer menção daqueles que se deixam escravizar, claro, que todos têm seu interesse nesse jogo, sendo assim, ajoelhem ou mudem as regras.

    Maldita seja toda religião, pobre daqueles que precisam se alimentar disso.

  3. Estes bispos estão levando a
    Estes bispos estão levando a PUC de volta para o tempo dos castros coloniais, em que no Brasil só existiam analfabetos e os poucos alfabetizados liam historias das vidas dos santos. Diplomando idiotas e carolas a PUC conseguirá ser hoje tão avançada quando a Universidade de Paris no tempo em que Joana D’Arc foi condenada. Michel Foucault daria boas risadas se pudesse ver o que eles estão fazendo.

  4. Mas a PUC não é uma escl

    A Universidade é da Igreja Catolica,

    ai os caras querem criar uma Catedra homenageando

     um cara que sempre criticou a Igreja Catolica

    Os senhores Bispos tem toda razão 

    Criem a Catedra na Usp 

    1. Puc

         Por motivos diametralmente opostos, concordo com o Walter.

       

      Apesar da bela história das universidades católicas no Brasil,  conflitos como esse são bons para explicitar a impossibilidade do pensamento livre numa instituição regida por dogmas. Por conta de bispos mais liberais, às vezes tais conflitos ficam reprimidos, mas nunca somem.

         Em outras palavras,  religião é uma merda.

         Melhor levar a cátedra de Foucault para uma universidade laica.

       

      José Cláuver

      Santos – SP

       

  5. Academia e religião

       Ainda que por motivos diametralmente opostos, concordo com o Walter.

       Este caso é didático para explicitar o conflito entre o pensamento livre o os dogmas da religião. As universidades católicas têm uma bonita história no Brasil, e por elas passou (e ainda passa) muita gente boa, comprometida com o humanismo, a democracia, o avanço da filosofia e o progresso da ciência. Mas elas são submetidas a uma igreja, e isto não tem como dar certo.
       Se as PUC funcionam, é porque nem todo bispo é obtuso. A igreja católica brasileira teve, por exemplo, Paulo Evaristo Arns, um homem que já vale por uma instituição inteira. Não é todo dia, porém, que nasce um Paulo assim.
       Meu resumo da ópera: Religião é uma merda.

       Melhor mesmo criar a cátedra de Foucault numa universidade laica.

    José Cláuver
    Santos – SP

     

  6. Michel Foucault

    Em outubro de 1975, Michel Foucault ministrava um curso na FFLCH/USP. Quando do assassinato do jornalista Vladimir Herzog, jornalista e professor da Escola de Comunicações e Artes, ECA/USP, Foucault, num discurso emocionado no auditório da FAU, roumpeu o contrato. Dizia que era impossível dar aulas em uma universidade onde os professores eram assassinados. O auditório lotado aplaudiu o professor por vários minutos. Não havia nenhum coxinha lá.

  7. Quem possuir um exemplar de “

    Quem possuir um exemplar de ” A origem das espécies” de Darwin que o guarde muito bem guardado.

    Com o pensamento conservador brasileiro poderoso no congresso e na mídia retrocedendo a décadas e a séculos passados em poucos dias, em breve Darwin será proscrito após ser declarado um comunista bolivariano.

    É uma avalanche de despropósitos contra todas as liberdades, contra todas as garantias do cidadão. Censura, espancamento em praça pública, mentiras, antipatriotismo.

    Nunca imaginamos ser possível ver tudo isto acontecer  tão brevemente após 64 . É estarrecedor e apavorante !

    Não se contentando com a difamação e com a tortura midiáticas, daqui a pouco serão remontadas as fogueiras da inquisição e os pelourinhos nas praças do país.

  8. A Igreja Católica SUSTENTA e
    A Igreja Católica SUSTENTA e PERMITE o estudo de um ferrenho crítico de sua milenar instituição por décadas. Em RECONHECIMENTO disso, é concedida uma Cátedra com o nome de Michel Foucault. A Igreja se recusa em permitir que seu nome seja usado para homenagear alguém que sempre a odiou. E vocês querem obrigar que uma instituição CATÓLICA que SEMPRE lhes deu liberdade para estudarem o que quiserem use seu nome para homenagear alguém que sempre lhe criticou?! Quando os estudiosos de Foucault resolveram homenagear Milton Friedman, Ludwig von Mises, Joseph Ratzinger, Russell Kirk, aí a gente conversa! Hipócritas!

  9. Grande Foucault
    Foucault é mais cristão que muitos que assim se julgam – lutou contra os manicômios – verdadeiros campos de concentração. Basta ler o livro Holocausto Brasileiro, da jornalista Daniela Arbex – ela fala da visita de Foucault aos manicômios e sua luta pelo ser humano. Foucault vos precederá no Reino de Deus!!!!!

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