Aquiles Rique Reis
Músico, integrante do grupo MPB4, dublador e crítico de música.
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Bonito, muito bonito, quase sublime, por Aquiles Rique Reis

Bonito, muito bonito, quase sublime

por Aquiles Rique Reis

3Brasis (Kuarup) é o CD que reúne o violeiro Chico Lobo, o violoncelista Márcio Malard e o clarinetista Paulo Sérgio Santos. A convite de Lobo, Malard e Santos se reuniram em Araras, distrito da cidade serrana de Petrópolis, RJ, onde se puseram a dar tratos à bola. Chico apresentou-lhes catorze músicas inéditas, concebidas em sua viola caipira de 10 cordas. A intenção do álbum era reverenciar a Folia de Reis e Guimarães Rosa, além de Villa-Lobos, de quem eles incluíram “Trenzinho do Caipira”. O disco então já nasceu histórico: 3Brasis está para música caipira do Sudeste como Na quadrada das águas perdidas (segundo disco de Elomar, gravado em 1978) está para a música do sertão nordestino. Ambos são referências musicais da cultura brasileira.

Devido à instrumentação camerística, os três deram-se à missão de criar os arranjos coletivamente. Plenas de harmonias por vezes requintadas, vestindo melodias bem cuidadas, as canções de Chico Lobo têm a repetição de frases como um de seus pilares composicionais. Tais repetições têm o poder de fazer do ouvinte um cúmplice, já que ele apreende as reproduções e as guarda na memória.

Em “Vazante”, a clarineta dá de repetir o mesmo desenho ao longo do arranjo. O cello, por sua vez, destaca-se com solos curtos. Cello e viola, ora em duo, ora em uníssono, impregnam de brasilidade a abertura do álbum.

Como um divertimento, “Desafio de Calango” permite-nos visualizar uma rinha: meneios de instrumentação traduzem os movimentos do réptil e têm nas repetições, a cargo da viola, do cello e da clarineta, o seu sucesso.

Suave, romântica mesmo, a clarineta toca a introdução de “Serra das Araras”. Com ela vem o cello. Eis que a viola se achega com tudo em cima. O arranjo flui delicado, enquanto a clarineta agrega boniteza à melodia. A viola chama, o cello responde. Com repetições dos desenhos melódicos novamente presentes, o tema lembra uma música renascentista.

Num formidável crescendo, “Ibérica” tem o cello valendo-se do arco para prolongar uma nota grave. Paira no ar um quê de melancolia. A clarineta se manifesta, enquanto o cello brilha no arranjo, valendo-se do arco para manter acesa a luz da composição.

Arritmo, a angústia está presente na linda “Lua de Sertão”. A viola inicia a melodia. Com a chegada do ritmo, a canção expõe seu esplendor. Alternando momentos arritmos com momentos ritmados, a viola toca por sobre a graça do desenho que cabe à clarineta e ao cello.

Em “Travessia do Sussuarão”, clima denso, o cello inicia com o arco tocando notas longas. Com acordes, a viola se aproxima. A clarineta toca. Com um cânone, o arranjo atinge seu ápice.

Fechando a tampa, um arranjo criativo inibe parecenças com outras interpretações de “Trenzinho do Caipira”, o clássico de Villa-Lobos.

Assim, Chico, Márcio e Paulo Sérgio fizeram de 3Brasis um CD para ser ouvido com lágrimas nos olhos e sorriso aberto no meio da cara.

Aquiles Rique Reis, vocalista do MPB4

PS. E Luiz compôs sua última e triste Melodia.

 
Aquiles Rique Reis

Músico, integrante do grupo MPB4, dublador e crítico de música.

2 Comentários

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  1. Tudo isso junto

    Ontem, voltando de viagem, ouvi um programa deles na Rádio USP, “Revoredo”, creio. Fiquei deslumbrado. A todos amigos meus que aqui frequentam e sei terem bom gosto musical sugiro fortemente.

  2. Impossível

    Nesses tempos de liquidação do Brasil, a tristeza é tão grande que fica impossível ouvir a música de qualidade do nosso povo, o mais musical do planeta.

    Aqui é onde mais dói.

    Puro aperto, lágrimas e lágrimas.

    “Se lágrima fosse de pedra
    eu choraria”

    Chama que o samba semeia
    A luz de sua chama
    A paixão vertendo ondas
    Velhos mantras de aruanda
    Chama por Cartola, chama
    Por CandeiaChama Paulo da Portela, chama,
    Ventura, João da Gente e Claudionor
    Chama por mano Heitor, chama
    Ismael, Noel e Sinhô
    Chama Pixinguinha, chama,
    Donga e João da Baiana
    Chama por Nonô
    Chama Cyro Monteiro
    Wilson e Geraldo Pereira
    Monsueto, Zé com fome e Padeirinho
    Chama Nelson Cavaquinho
    Chama Ataulfo
    Chama por Bide e MarçalChama, chama, chama
    Buci, Raul e Arnô Cabegal
    Chama por mestre Marçal
    Silas, Osório e Aniceto
    Chama mano Décio
    Chama meu compadre Mauro Duarte
    Jorge Mexeu e Geraldo Babão
    Chama Alvaiade, Manacéa
    E Chico Santana
    E outros irmãos de samba
    Chama, chama, chama

     

    [video:https://youtu.be/G6oCMkNohss%5D

     

     

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