Carta de Mário de Andrade vetada por herdeiro será disponibilizada ao público

Jornal GGN – A Fundação Casa de Rui Barbosa vai liberar o acesso à única carta de Mário de Andrade para Manuel Bandeira que ainda não tinha sido disponibilizada publicamente. Datada de 7 de abril de 1928, ela ficava separada das outras por determinação do então presidente da instituição, Plínio Doyle. Pesquisadores acreditam que, nela, Mário fale abertamente sobre sua homossexualidade.

A decisão da Fundação foi tomada após a Controladoria-Geral da União dar um prazo de dez dias para que a carta fosse disponibilizada, para atender ao pedido, via Lei de Acesso à Informação, feito por Marcelo Bortoloti, jornalista da revista Época. A instituição afirmou que a a divulgação poderia causar “problemas para o trabalho sério que vem sendo desenvolvido por instituições que tratam os arquivos privados”.

Da Folha

Carta de Mário vetada por herdeiro tem acesso liberado

Supeita-se que missiva endereçada a Bandeira trate da sexualidade do autor

Escrita em 1928 e no acervo de fundação desde 1978, era a única entre as cartas dos dois ainda desconhecida

RAQUEL COZER

A Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio, decidiu liberar na próxima quinta-feira (18) o acesso à única carta de Mário de Andrade para Manuel Bandeira que, presente em seu acervo desde 1978, ainda não tinha sido disponibilizada para o público.

A decisão foi tomada depois que a CGU (Controladoria-Geral da União) deu um prazo de dez dias, a partir do dia 9, para que a instituição disponibilizasse a missiva.

A carta é uma das 15 trocadas entre os dois escritores no intervalo de 1928 a 1935 e que fazem parte do acervo de Bandeira na Casa de Rui, doado à instituição por sua última companheira, Maria de Lourdes Heitor de Souza.

Datada de 7 de abril de 1928, ficava separada das outras, por determinação de Plínio Doyle, então presidente da instituição. Quando o acervo relativo a Mário foi aberto ao público, em 1995, esta carta ficou reservada.

Por duas décadas, a existência do documento foi comentada entre pesquisadores e na imprensa, mas nunca ficou claro o motivo pelo qual ela não fora aberta ao público.

Acredita-se que nela Mário fale abertamente de sua homossexualidade –ele já tinha dado pistas em outras cartas e em textos como o conto “Frederico Paciência”.

“Soube dela há mais de 20 anos, nunca mais a vi. Parece que a família pede que continue reservada”, disse à Folha em janeiro Júlio Castañon Guimarães, pesquisador aposentado da Casa de Rui, afirmando crer que “seu conteúdo hoje não chocaria ninguém”.

Em maio, Carlos Augusto de Andrade Camargo, sobrinho de Mário, disse àFolha que o pedido partiu de Bandeira.

“Quando Manuel publicou sua correspondência com Mário [em 1958, no livro ‘Cartas de Mário de Andrade a Manuel Bandeira’], incluiu essa carta, suprimindo trechos e nomes. É uma carta particular, não há necessidade de se dar acesso a ela.”

No trecho editado por Bandeira, Mário cita a amizade com um certo “X” e faz uma ressalva: “Se quiser guardar esta carta, risque mas de maneira ilegível o nome que vai nela”. A edição não esclarece onde foram feitos cortes.

Nesta segunda (15), Camargo não foi localizado para comentar a liberação da carta.

ACERVOS

Ligada ao MinC, a fundaçãoé responsável pela preservação do acervo de Rui Barbosa e de escritores como Bandeira e Drummond.

O pedido que originou a ordem da CGU foi feito via Lei de Acesso à Informação em fevereiro pelo jornalista Marcelo Bortoloti, da revista “Época”.

A instituição relutava em liberar acesso à carta por temer que sua abertura contra a vontade do herdeiro levasse futuros doadores a desistirem de ceder acervos.

Numa resposta à CGU, a instituição disse que a divulgação poderia causar “problemas para o trabalho sério que vem sendo desenvolvido por instituições que tratam os arquivos privados, bem como desavenças na relação de confiança estabelecida durante anos com os depositários de arquivos na FCRB”.

No dia 9, após um último recurso da Casa de Rui, a CGU reafirmou decisão tomada em maio. Caso se recusasse a abrir o conteúdo, a Casa de Rui poderia responder por improbidade administrativa.

“Não vemos fundamento para manter a carta fechada até 2015. Foi um zelo, uma interpretação que se tentou associar à questão do domínio público [pela lei do direito autoral, a obre de Mário deixa de ser protegida em em 2016]”, disse Ricardo Calmon, diretor executivo da Casa de Rui.

Redação

15 Comentários

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  1. Que seja, de alguma forma, útil a pesquisas

    Soneto

    Aceitarás o amor como eu o encaro?
    … Azul bem leve, um ninho, suavemente
    Guarda-te a imagem, como um anteparo
    Contra estes móveis de banal presente.

    Tudo o que há de milhor e de mais raro
    Vive em teu corpo nu de adolescente,
    A perna assim jogada e o braço, o claro
    Olhar preso no meu, perdidamente.

    Não exijas mais nada. Não desejo
    Também mais nada, só te olhar, enquanto
    A realidade é simples, e isto apenas.

    Que grandeza… A evasão total do pejo
    Que nasce das imperfeições. O encanto
    Que nasce das adorações serenas.

    Mário de Andrade

     

    Poemas da Amiga – VII (bis)

    É uma pena, doce amiga,
    Tudo o que pensas em mim.
    Eu sei, porque acho uma pena
    Também o que penso em ti.

    Mesmo quando conversamos,
    É uma pena, outras conversas
    De olhos e de pensamentos,
    Andam na sala, dispersas.

    Mário de Andrade

  2. Se não quer que divulgue,

    Se não quer que divulgue, porque eles TEM  a carta em mãos?

    Depois, é irrelevente o que a família pensa sobre o conteúdo da carta que era endereçada a terceiros.

    Carta deixa de ser sua no momento em que vc coloca na caixa dos correios.

     

  3. .

    Acredita-se que nela Mário fale abertamente de sua homossexualidade –ele já tinha dado pistas em outras cartas e em textos como o conto “Frederico Paciência”.

    Vamos ver o conteúdo da carta, mas se a razão de mantê-la oculta era essa (a homossexulidade do escritor), o zelo era desnecessário. Quem leu Frederico Paciência sabe que ele não deu uma pista não, praticamente declarou com todas as letras.

  4. Homossexualidade também nos “Contos de Belazarte”

    Entre os contos de Mário, não é apenas Frederico Paciência que dá bandeira (com perdão do trocadilho involuntário!) de, no mínimo, o interesse do autor pelos temas sexuais em geral e homossexuais em particular: os menos lidos Contos de Belazarte (1923-1925) são com certeza menos maduros como textos, mas me parecem bem mais ousados em explicitude sexual.

    Publiquei em 2013 uma coluna onde aprofundo e exemplifico esse ponto, em jornal aqui do Espírito Santo, a qual se encontra transcrita no meu blog, no seguinte endereço, para quem possa se interessar.

    http://pluralf.blogspot.com.br/2013/10/lgbt-e-literatura-brasileira-1.html

  5. Homossexualidade também nos “Contos de Belazarte”

    Entre os contos de Mário, não é apenas Frederico Paciência que dá bandeira (com perdão do trocadilho involuntário!) de, no mínimo, o interesse do autor pelos temas sexuais em geral e homossexuais em particular: os menos lidos Contos de Belazarte (1923-1925) são com certeza menos maduros como textos, mas me parecem bem mais ousados em explicitude sexual.

    Publiquei em 2013 uma coluna onde aprofundo e exemplifico esse ponto, em jornal aqui do Espírito Santo, a qual se encontra transcrita no meu blog, no seguinte endereço, para quem possa se interessar.

    http://pluralf.blogspot.com.br/2013/10/lgbt-e-literatura-brasileira-1.html

  6. Homossexualidade também nos “Contos de Belazarte”

    Entre os contos de Mário, não é apenas Frederico Paciência que faz alusão a homossexualidade: os hoje menos conhecidos Contos de Belazarte, redigidos entre 1923 e 25, embora textualmente menos maduros, são muito mais ousados que qualquer um dos Contos Novos em termos de explicitude sexual – tanto heterossexual (veja-se O besouro e a Rosa) – quanto homossexual, explícito no caso feminino do último conto (Nízia Figueira, sua criada), enquanto Túmulo, túmulo, túmulo permanece na alusão ao desejo homossexual masculino, sem efetivação sexual, analogamente a Frederico Paciência.

    Desenvolvi um pouco mais as considerações sobre Túmulo, túmulo, túmulo e sobre  Nízia Figueira, sua criada, apesar do espaço muito reduzido, em uma coluna de jornal aqui do Espírito Santo, em 2013, num texto disponibilizado também no meu blog no seguinte endereço – a quem possa interessar.

    http://pluralf.blogspot.com.br/2013/10/lgbt-e-literatura-brasileira-1.html

  7. Homossexualidade também nos “Contos de Belazarte”

    Entre os contos de Mário, não é apenas Frederico Paciência que faz alusão a homossexualidade: os hoje menos conhecidos Contos de Belazarte, redigidos entre 1923 e 25, embora textualmente menos maduros, são muito mais ousados que qualquer um dos Contos Novos em termos de explicitude sexual – tanto heterossexual (veja-se O besouro e a Rosa) – quanto homossexual, explícito no caso feminino do último conto (Nízia Figueira, sua criada), enquanto Túmulo, túmulo, túmulo permanece na alusão ao desejo homossexual masculino, sem efetivação sexual, analogamente a Frederico Paciência.

    Desenvolvi um pouco mais as considerações sobre Túmulo, túmulo, túmulo e sobre  Nízia Figueira, sua criada, apesar do espaço muito reduzido, em uma coluna de jornal aqui do Espírito Santo, em 2013, num texto disponibilizado também no meu blog no seguinte endereço – a quem possa interessar.

    http://pluralf.blogspot.com.br/2013/10/lgbt-e-literatura-brasileira-1.html

  8. Se os familiares não queriam

    Se os familiares não queriam que o conteúdo da carta fosse feito público porque a doaram para uma instituição pública? Eles só precisavam guardar a carta polêmica, ou simplesmente destruí-la.

  9. E daí?
    Qual a relevância

    E daí?

    Qual a relevância desta informação (a não ser para os fuxiquentos de plantão, coisa de revista de fofocas) diante de sua obra??

    Novamente… vamos cuidar do que nos diz respeito e respeitar qualquer tipo de opção.

     

  10. Pra quê esconder essa carta, no início deste milênio?

    Mário de Andrade nunca assumiu a homossexualidade publicamente, a não ser em alguns contos e poemas. Mas isso passava por literatura. Rompeu até o fim da vida com o ex-amigo Oswald de Andrade, que perdia o amigo, mas não perdia a piada: publicou artigo em que se referiu a Mário como “Miss São Paulo em masculino”, e uma pequena observação num texto sobre Mário ser “parecido com Oscar Wilde, pelas costas”. Antonio Candido, que o conheceu, e cuja mulher era prima dele, disse que “O Mário de Andrade era um caso muito complicado, era um bissexual, provavelmente… Ele tinha uma sensibilidade homossexual, isto é fora de dúvida, vê-se pela obra dele.” 

  11. Veja ataca Mário de Andrade

    Por falar em Mário de Andrade, o ator Pascoal da Conceição fez uma performance na sede da Veja, na sexta passada, 12 dejunho, em desagravo ao grande poeta e intelectual paulistano. O inominável semanário de esgoto havia xingado o escritor, vá se saber porquê. Por maldade, como sempre, e pra criar polêmica, certamente.

    http://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/na-sede-da-abril-ator-faz-desagravo-a-mario-de-andrade-chamado-pela-veja-de-covarde-e-mediocre/

     

     

     

     

  12. Oras bolas!
    É um documento em

    Oras bolas!

    É um documento em uma instituição pública?

    Por quê?

    Tê-lo e não sabê-lo?

    What uai not?

  13. Mas se era a vontade de Mário…

    … que certos conteúdos da carta não viessem a público? Não teria dito a Bandeira “se quiser guarda essa carta, rique mas de maneira ilegível o nome que vai nela”?

    Liberdade de informação, domínio público…. Ok, é permitido, mas convém? Acho que tem coisa mais importante para fazer do que bisbilhotar intimidades. Além disso, “que importa o acontecimento que o motivou a escrever isso ou aquilo?”.

    A propósito literário,  “Balança, Trombeta e Batleship” é provavelmente o seu mais belo conto de Mário.

     

     

  14. não sei que tanto c. doce com a correspondência de ilustres

    não sei que tanto c. doce com a correspondência de ilustres vidas passadas a limpo… que já pertencem ao memorial da verdade histórica da cultura e literatura brasileira…

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