Caso Iphan x Geddel: o papel da Advocacia Geral da União, por Rogério Marcos Santos

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por Rogério Marcos de Jesus Santos

Do Justificando

Depois da divulgação do depoimento do ex-ministro da Cultura Marcelo Calero, pela Polícia Federal, inclusive com informações que envolvem o próprio presidente da República e outros ministros, além do próprio Ministro Geddel Vieira Lima, o que mais chamou atenção foi o suposto envolvimento da Advocacia-Geral da União na construção de “uma solução” para o caso. Pelo menos, literalmente, foi isso que foi dito e apareceu na imprensa.

O espanto, por evidente, é de todo o conteúdo, mas, aqui, o ponto especifico a ser tratado diz respeito a afirmação de que a AGU poderia levar o caso a um bom termo.

Não é a primeira vez que a Advocacia-Geral da União é citada como “solucionadora” de questões da espécie, como não será a última. Mas, é preciso destacar o papel institucional do órgão, sob pena de se passar, ou manter, uma imagem de que a AGU atua exclusivamente no interesse do ocupante de cargos do Poder Executivo, seja o Presidente da República, seus Ministros, Secretários e demais autoridades administrativas.

Como órgão de defesa e assessoramento do Poder Executivo, e defesa judicial dos outros poderes da União, inclusive o Poder Judiciário e o Poder Legislativo, dado que estes compõem à União, cabe exclusivamente a AGU o papel de defesa e assessoramento do Poder Executivo Federal e, dentre desta atribuição, compor as disputas entre os órgãos do Poder Executivo Federal. Fato, pois, corriqueiro na Administração, tendo em vista a quantidade de diplomas normativos em vigor e suas inúmeras possibilidades interpretativas.

Fora do contexto da conversa que afirma ter tido o ex-ministro Calero, a composição de disputas interpretativas entre órgãos e entidade da Administração Pública Federal é atribuição corriqueira no seio da AGU. Tanto é assim que esta possui um mecanismo de composição de conflito vocacionado para compor disputas entre órgãos e entidades dos mais avançados como a Câmara de Conciliação da Administração Pública Federal,

A atribuição da Câmara está disposta na Portaria nº 1.281, de 27 de setembro de 2007, que “dispõe sobre o deslinde, em sede administrativa, de controvérsias de natureza jurídica entre órgãos e entidades da Administração Federal, no âmbito da Advocacia-Geral da União e, especificamente, muito bem detalhada no seu art. 2º: “Estabelecida controvérsia de natureza jurídica entre órgãos e entidades da Administração Federal, poderá ser solicitado seu deslinde por meio de conciliação a ser realizada: que arbitra as disputas entre órgãos que possuem entendimento diferentes no tocante a assuntos de suas competências, como FUNAI e INCRA, por exemplo.

Destarte, a principio, não deveria causar espanto a afirmação de que a AGU poderia apresentar “uma solução para o caso”. Ou seja, não poderia ser dito o “até tu Brutus”, com o dedo em riste apontado para a AGU. Desde que se apresentassem os pressupostos para tal, ou seja, divergência de interpretação entre dois órgãos e entidades do Poder Executivo, ou mesmo, entre a União e outros entes políticos ou entidades e órgãos desses entes políticos, a questão poderia ser levada à Câmara de Conciliação e Arbitragem da AGU, ou, doutro lado, ser solvida diretamente por Parecer que adotaria uma das linhas de entendimento ou nenhuma delas.

Submeter, pois, qualquer assunto a AGU não significa, como não deve significar, que esta atenda aos interesses subjacentes a qualquer demanda de qualquer agente político, administrativo, órgão ou entidade.

Embora ainda viceje a disputa de ser a AGU órgão de advocacia do Estado ou de Governo, no qual os lados apresentam seus argumentos, o fato é que essa disputa entre advocacia de Estado ou de Governo também parece um pouco fora de foco, uma vez que cabe a AGU fazer a defesa dos poderes e o assessoramento do Poder Executivo Federal fundado na Constituição, mormente o art. 131 da Constituição Federal, na Lei Complementar nº 73/1993, e nas Leis e atos normativos da República.

A par da grave questão da AGU lidar diretamente com a categoria autônoma da política, instituída por Maquiavel,[1] ou seja, com a difícil relação entre política e direito, a questão se desloca mesmo, como sempre no Direito, para os limites interpretativos que dispõem o intérprete a partir do signos que compõem os textos legais. Aqui, com certeza, há uma miríade de entendimentos sobre os limites da intepretação. Seja com Dworkin a partir da tão debatida busca pela “ Única resposta correta”[2], ou com Lênio Streck com a Busca “ da resposta constitucionalmente adequada em direito”, de Juarez Freitas, a “melhor resposta”, nas palavras de Juarez Freitas, dentre outros.

O controle deste resultado interpretativo, que para muitos assume a função de uma Lógica do Razoável, como Luis Recasén Siches, ou com Aaulis Aarnio, “O racional como Razoável”, quase pegando carona na tese de Hegel de “O que é racional é real e o que é real é racional”[3], ou seja, sempre a remarcarem que o direito aponta para uma “razoabilidade”, não deve ser somente objeto de análises nos Tribunais e, portanto, dos juristas.

O controle de resultados que digam respeito a coisa pública, deve ser objeto de ampla divulgação e discussão na sociedade civil, só assim o resultado interpretativo a que chegou a advocacia pública estará em consonância com os mais elementares principais republicanos, fazendo jus a uma democracia participativa, pelo menos, do ponto de vista discursivo e, pois, ativando uma esfera pública que não pode e não deve ficar alheia ao que ocorre nos órgãos do Estado.

Com efeito, ao fim e ao cabo, tem-se que não é fora de propósito a atuação da AGU em casos de divergências entre órgãos e entidades do Poder Executivo. Ocorre que estes órgãos devem possuir atribuição para atuação definida em lei, ou seja, a questão deve ser abrangida pela esfera de competências legitimamente conferida seja pela Constituição ou pelas leis que instituíram tais órgãos ou entidades.

Assim, a questão passa a ser, então, se no caso especifico da decisão do Iphan existem esses pressupostos para submissão à Câmara de Conciliação e Arbitragem para a composição de conflito. Dito de outra forma, haveria o pressuposto se a tese jurídica defendida pelo Iphan estivesse em testilha com a tese jurídica de outro órgão ou entidade com atribuição sobre o objeto em disputa. Se se apresentam ou não estes pressupostos, aí já outro debate.

Rogério Marcos de Jesus Santos é Advogado da União.

[1]ARANHA, Maria Lucia De Arruda. MARTIN, Maria Helena Pires. Filosofando – Introdução à Filosofia 3ª Edição Revista. Ed. Moderna.1993.

[2] DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo:

Martins Fontes, 2002. (Coleção Direito e Justiça).

______________. Uma questão de princípios. 2. ed. Trad. Luís Carlos Borges.

São Paulo: Martins Fontes, 2001. (Coleção Direito e Justiça).

DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São

Paulo: Martins Fontes, 1999. (Coleção Direito e Justiça)

[3] HEGEL, G.W.F. Princípios da filosofia do direito. Trad. Orlando Vitorino, São Paulo: Martins Fontes, 1997.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

14 Comentários

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  1. O que que é isto ?

    Aula de curso de direito sobre sacanagem constitucional ? Confesso minha ignorância. A vida tem me mostrado que sacanagem é sacanagem

  2. Conclusão: Se Precisar de um Alvará da Obra, vá à AGU…

    Tantas Palavras, sem tocar o Mérito da Questão.

    Por que?

    Arrisco:

    O Autor é “Advogado da União”…

  3. Doutor, ao meu ver, a AGU não
    Doutor, ao meu ver, a AGU não teria nada a se manifestar neste caso. Não houve controvérsia entre dois órgãos distintos do poder executivo, mas sim uma decisão do IPHAN da Bahia, sob suspeita, contrária ao órgão superior do órgão central do IPHAN nacional.

      1. Errado

        Sendo a AGU órgão do Executivo Federal, óbvio que a Prefeitura de Salvador (ente de outra esfera distinta, a municipal ) não se submete a qualquer intermediação da AGU. A AGU só atua entre órgãos federais. Se houver divergência entre a Prefeitura e o IPHAN, cabe à AGU defender a posição do IPHAN, em juízo ou não.

    1. Exato…

      O IPHAN da Bahia disse uma coisa, o órgão central, superior hierárquico, discordou e pronto. Fim da história. O único interesse divergente era o interesse particular do Geddel. Se ele achou ruim, que fosse à justiça como consumidor, e não tentasse ganhar no grito usando seu cargo pra isso.

      Se recorrer à AGU fosse possível nesse caso o Geddel teria feito, não perderia tempo pressionando o Calero…

  4. Fora de pauta, 
    Teve uma ação

    Fora de pauta, 

    Teve uma ação no TSE recentemente quando ainda Tofolli estava lá, eu assisti, Luciana Lossio trazia voto (não sei se voto vista) 

    E ouve uma conversa entre o Tofolli  e Gilmar. Diziam que; temos que ver esta questão de conversa gravada entre interlocutores, sendo um deles diretamente ligado. (deve ser a respeito de jurisprudencia.)

     

    1. Já tem jurisprudência sobre o assunto

      No HC 74678/SP, o STF decidiu que um dos interlocutores gravar a conversa sem o conhecimento do outro, que esteja cometendo o crime, não é ilegal. Mais ainda, decidiu que uma prova obtida assim não é considerada ilícita.

  5. Esse papo de advocacia de estado X advocacia de governo…

    É conversa que surgiu nos tempos do governo do PT. No governo do FHC nunca ouvi essa dúvida circulando por lá, embora a AGU fizesse a mesmíssima coisa que faz hoje.

    Aliás, é até interessante ver esse assunto sendo tratado agora de forma tão circunspecta, grave, racional e intelectual pelo autor. Na época do governo do PT tudo que eu via era alguns colegas (não me refiro ao autor, a quem sequer conheço) vociferando que existia advocacia de estado e de governo, mas o PT estava fazendo “advocacia de partido” – seja lá o que isso queira dizer, já que até hoje ninguém definiu o que seja cada uma dessas coisas…

  6. Não existe tergiversação possível.

    O assunto era particular e de interesse único e exclusivo de Geddel. Peço aos membros da AGU que não permitam a autodestruiçao do orgão.

  7. O advogado da União ainda tem dúvidas sobre o papel da AGU?

    Muitos comentários que li parecem levantar a suspeita de que o texto defende uma ação imprópria da AGU no caso.

    Não sei se entendi mal o texto; se entendi bem, ele acaba reforçando o entendimento generalizado: Eliseu Padilha e Temer afirmaram, ou pelo menos sugeriram, que a AGU iria “quebrar o galho” de Geddel e ao mesmo tempo “livrar a cara” de Calero, tirando dele a responsabilidade pela decisão de modificar o parecer do Iphan.

    Digo que o texto reforça este entendimento porque coloca no final, quase uma nota de rodapé, o que deveria estar logo no início, pois é a principal questão: cabe à AGU atuar “em casos de divergências entre órgãos e entidades do Poder Executivo” e “a questão passa a ser, então, se no caso especifico da decisão do Iphan existem esses pressupostos”.

    Se existem os pressupostos? Um advogado da União, que deve, por exigência profissional, ser especialista em direito público, tem alguma dúvida? A divergência é entre o Iphan (com apoio do Ministério Público Federal na Bahia, que abriu ação contra a construção do edifício, diga-se de passagem) e os particulares que têm interesse na construção do edifício: a construtora e os compradores de apartamentos.

    Geddel usou seu poder de ministro (e ministro hierarquicamente superior a Calero, pois fazia parte do centro de poder do governo) para conseguir um “jeitinho” do ministro da Cultura a favor de seus interesses.

    Um advogado da União deveria rechaçar, de imediato, qualquer sugestão de que a AGU poderia interferir nesta “divergência” e “construir uma saída”, pois é uma sugestão desmoralizadora do órgão. A única interferência possível da AGU seria defender o governo, isto é, o Iphan, por ser essa sua atribuição. Os particulares devem ser defendidos por seus advogados. Mesmo que o Iphan estivesse prejudicando os particulares com uma decisão incorreta ou ilegal, não caberia à AGU defendê-los e sim a seus advogados ou ao setor do Ministério Público encarregado de defender interesses difusos da população.

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