Castelos e monumentos, por Walnice Nogueira Galvão

Castelos e monumentos

por Walnice Nogueira Galvão

Há mais de cem castelos em Portugal, daqueles bem medievais, todos de granito cinzento, da “escola brutalista”: rústicos, despojados, sem enfeites. E primorosamente conservados, para nosso prazer. E, se aterrissou no aeroporto de Lisboa, aproveite a  proximidade e visite Óbidos, a linda cidadela medieval do séc. XII, cujas muralhas em perfeito estado circundam o casario da povoação, tão branquinho, caiado com todo o capricho. O visitante pode fazer o circuito das muralhas pelo “caminho de ronda”, contornando-as completamente pelo alto e voltando ao ponto de partida. Pode entrar por um dos quatro grandes portões e está tudo lá: ameias, seteiras, barbacãs, culminando na imponente torre de menagem. E há um hotel, o Hotel do Castelo de Óbidos, que tem apenas nove quartos, exigindo reserva com muita antecedência; mas vale a pena hospedar-se em seus torreões, dentro das muralhas.  Descortina-se das janelas uma perspectiva deslumbrante sobre o vale adjacente.

Óbidos, não sem razão, foi durante séculos dote das rainhas portuguesas. Qualquer pessoa entende: ninguém precisa querer ser rainha, mas, entre elas, é difícil decidir qual o apanágio mais belo, se a cidadela de Óbidos, se a propriedade de todos os cisnes da Inglaterra que cabe por lei a sua rainha, hoje Elizabeth II.

De Óbidos chega-se num instante a Lisboa, pois, como ninguém ignora, em Portugal tudo é perto.

É na capital que vamos deparar com uma peculiar concepção do que seja um monumento. Há uma famosa escultura dedicada a Eça de Queirós, que concretiza, em representação simulando carne-e-osso, a célebre máxima que proferiu em defesa da literatura verista contra seus detratores, defendendo-se de quem o  acusava de pornografia e obscenidade. Disse ele que se tratava de lançar “sobre a nudez crua da Verdade o manto diáfano da Fantasia.” Pois bem, o que o passante vê, ali no Largo Barão de Quintela, no Chiado, é um cavalheiro distinto de terno e gravata, por trás e acima de uma mulher nua cujo manto está arrancando. Ninguém diria que não se trata de um Monumento ao Sátiro, ou seja, um estuprador em vias de atacar uma mulher indefesa que pede socorro, bradando aos ceus com os dois braços abertos.

O Monumento ao Povo e aos Heróis da Guerra Peninsular, construído entre 1908 e 1933, visava comemorar o centenário da invasão napoleônica (data muito conhecida por nós brasileiros, pois D. João aqui chegou com toda a sua corte em 1808, a invasão datando de 1807). Ou melhor, como foi lá proposto, “centenário da vitória de Portugal sobre as tropas napoleônicas”. Fica na Rotunda de Entrecampos, fechando a Av. da República e abrindo o Campo Grande, encruzilhada de muito movimento em largo espaço. Com certa boa-vontade, percebe-se que é um grupo de soldados sofredores sobrevoados pela águia da glória. Mas como a águia de bronze, pesando toneladas, não pode planar muito alto porque tem que ser sustentada por algo que a ligue ao grupo, a impressão que dá é que os esfarrapados estão pulando no esforço de agarrar uma galinha para matar a fome e que ela lhes escapa às mãos estendidas e fica pairando. A heroína, então, é a galinha. Fernando Pessoa fala desse monumento no guia turístico em inglês de sua autoria.

O Monumento aos Descobrimentos, em Belém, na nobre companhia multisecular da Torre de Belém e do Mosteiro dos Jerônimos, é moderno e irônico: uma caravela de pedra que não navega nem flutua.

A Cordoaria ou fábrica de cordas, na Baixa, tem o comprimento sem interrupção de dois ou três campos de futebol. É que ainda não tinham descoberto que a corda pode ser enrolada ou dobrada, por isso a fabricavam e estocavam “ao comprido”.

Extraordinário é o monumento que se encontra numa rotunda da Avenida da Liberdade, em meio ao eixo que liga o aeroporto ao Centro, tendo por isso enorme visibilidade. Trata-se de um amontoado de cubos de pedra, que, dizem, era para ser estruturado numa escultura abstrata, mas perderam o risco, e desistiram. Pensando num título em que o verbal correspondesse ao visual, atinei com “Momento nu”.

Aguardam-se sugestões para mais extraordinárias comemorações.

Walnice Nogueira Galvão é Professora Emérita da FFLCH-USP

Walnice Nogueira Galvão

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