Cem anos depois, filme polêmico de D.W. Griffith ganha versão em DVD

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Jornal GGN – O Nascimento de uma Nação, um marco na história do cinema que completa um século de existência, conta a história da guerra civil nos Estados Unidos a partir de um romance conturbado, onde o casal é separado pelo Norte e pelo Sul. Nesse cenário, o diretor D.W. Griffith, considerado um gênio por outros gênios da sétima arte, abordou o racismo contra negros com uma “apologia infeliz” à Ku Klux Klan. A obra ganha versão em DVD este ano.

‘O Nascimento de uma Nação’ marca o início do domínio de Hollywood sobre o cinema mundial

Do Estadão

por Joao Villaverde

O filme mais polêmico de todos os tempos completa 100 anos neste mês. Especialistas e críticos apontam o lançamento de O Nascimento de uma Nação, dirigido por D.W. Griffith, em março de 1915 nos Estados Unidos, como o início do domínio de Hollywood sobre o cinema mundial, a pedra fundamental do cinema norte-americano e, ao mesmo tempo, o início da maior controvérsia em toda a história da sétima arte.

Tido como o “pai do cinema” por mestres da arte tão diversos como Charles Chaplin, Orson Welles, Sergei Eisenstein e Glauber Rocha, Griffith filmou em O Nascimento de uma Nação a guerra civil americana (1860-1865) e contou uma história de amor, como um Romeu e Julieta, onde o casal é separado pelo Norte e pelo Sul. No meio disso tudo, a maior polêmica: o racismo contra negros. Nascido em 1875 e membro da aristocracia decadente do Sul derrotado na guerra, Griffith usou a parte final do filme para uma apologia infeliz à Ku Klux Klan.

“É muito difícil dissociar a importância que o filme tem para o cinema mundial e para Hollywood por seus avanços técnicos e de linguagem, da questão do racismo. Os americanos até hoje convivem com questões sociais muito complexas”, afirmou ao Estado o especialista da Universidade de Londres, Melvyn Stokes.

Para o professor Ismail Xavier, doutor em cinema pela USP e pós-doutor pela New York University, a combinação entre um grande filme e uma peça racista fez de O Nascimento de uma Nação um enorme sucesso de público, mas que também despertou grande polêmica. “Foi o primeiro filme a mostrar a importância do cinema para um debate de temas de grande impacto em nível nacional”, disse. Xavier, que em 1984 escreveu o livro D.W.Griffith: O nascimento de um cinema, afirmou ao Estado que o filme foi fundamental na transferência da hegemonia do cinema, até então na Itália e na França, para os Estados Unidos, em meio à Primeira Guerra Mundial (1914-1918).

Quando o longa-metragem de Griffith chegou aos cinemas americanos, os grandes sucessos de público até então no país eram filmes estrangeiros, como os italianos Quo Vadis (1912) e Cabiria (1914). Tendo feito mais de 300 filmes de 10 a 15 minutos de duração entre 1907 e 1913, Griffith já tinha dominado algumas das principais técnicas da arte, além de ter criado outras.

Foi o primeiro diretor a filmar no terreno vazio da Califórnia que depois seria chamado de Hollywood (em In Old California, de 1910), o primeiro a criticar a especulação dos mercados financeiros (A Corner in a Wheat, de 1909) e o primeiro a filmar histórias de máfia e perseguição policial a gângsteres (The Musketeer’s in a Pig Alley, de 1912).

Um dos mais populares críticos do cinema americano, Roger Ebert, anotou em seu livro Grandes Filmes que em O Nascimento de uma Nação, Griffith reuniu e aperfeiçoou as primeiras descobertas da linguagem cinematográfica e suas técnicas influenciaram as estratégias visuais de praticamente todos os filmes produzidos desde então. “Tornaram-se tão conhecidas que nem as notamos. Por outro lado, nós nos alarmamos com as atitudes racistas que eram igualmente invisíveis para a maioria das plateias brancas de 1915”.

Na entrevista ao Estado, Stokes afirma que O Nascimento de uma Nação teve importância social histórica ao ser a base de fundação dos movimentos populares de afirmação dos negros nos Estados Unidos. A maior e mais antiga das organizações de luta contra o racismo e pela igualdade dos direitos civis nos EUA, a NAACP, que tinha sido fundada pouco antes, em 1909, moveu grandes manifestações contra a exibição do filme, conseguindo proibir o lançamento em cidades importantes, como Chicago e Boston.

A própria NAACP, que teria Martin Luther King como um de seus principais membros nos anos 1950 e 60, aponta que a luta contra filme de Griffith, 100 anos atrás, “ensinou o poder da publicidade” para a organização. Números da entidade apontam que o número de associados saltou de 9 mil pessoas, por volta de 1917, para quase 90 mil membros, apenas dois anos depois.

“Ter um presidente negro na Casa Branca neste momento mostra o quanto as sociedades americana e mundial avançaram nesse último século. Quando o filme foi lançado, em 1915, ele foi exibido dentro da Casa Branca, para o então presidente Woodrow Wilson, que era branco e integrante da elite americana. As coisas mudaram muito”, afirmou Stokes.

NASCIMENTO DE UMA NAÇÃO
Direção: D.W. Griffith
Distribuição: Continental
Preço: R$ 39,90 (DVD)

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

4 Comentários

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  1. Como obra cinematográfica, um

    Como obra cinematográfica, um marco, indiscutivelmente. Mas que é racista no sentido forte do termo, isso é. Para um EUA segregacionista até a última medula, deve ter sido uma bálsamo ver negros apresentados como facínoras e brancos da Ku-klux-kan como heróis.  

    1. Ironia.

      Sim, o filme que praticamente criou a narratividade clássica do cinema é racista e politicamente equivocado, por louvar os derrotados racistas do Sul dos Estados Unidos e detratar os progressistas do Norte.

      1. Aviso de spoiler

        Todos os conflitos do filme já foram resolvidos.

        O puro e imaculado ‘bem’ (‘Klux Klux Klan’) venceu o sujo e distorcido ‘mal’ (Negros e ‘cartpetbaggers’, os exploradores nortistas). Mas falta só uma coisinha para o ‘bem’ prevalecer sobre o ‘mal’, definitivamente!

        Dia de eleição, os negros saem de suas favelas para  votar… e uma fileira de cavaleiros mascarados vestidos de branco, e armados, os aguarda na melhor definição de intimidação eleitoral da história!

        E o ‘bem’ triunfa!

        Fora isso, o roteiro da última meia-hora e de trechos da hora e meia anterior (a morte do Lincoln é retrada como um duro golpe para o Sul, e não como um momento de vingança e justiça divina, o que mostra que havia lucidez política na cabeça de quem o escreveu) o filme é muito bom.

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