Cerco judicial: jornal Século Diário, de Vitória (ES), é alvo de assédio processual

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Cerco judicial

Jornal Século Diário, de Vitória (ES), é alvo de assédio processual por parte de autoridades: censura prévia, exclusão de matérias e condenações criminais

O jornal eletrônico Século Diário, de Vitória (ES), uma das publicações pioneiras do gênero no País com 16 anos ininterruptos de existência, está proibida de falar sobre as viagens da primeira-dama do Estado custeadas pelo erário, sem justificativa legal. A liminar impondo censura prévia faz parte da quarta decisão da Justiça capixaba, em ações movidas pelo atual governador Paulo Hartung (PMDB) desde que assumiu seu terceiro mandato, no início de 2015.

Mas diferentemente das medidas anteriores, o juiz de 1º grau não impôs somente a exclusão de reportagens do ar, como também proibiu que o jornal fizesse referência em seu noticiário sobre a decisão. “É um expediente que guarda semelhança com as práticas mais nefastas dos regimes ditatoriais, ocorrendo em plena era democrática”, afirma o diretor-fundador do jornal, Rogério Medeiros, primeiro presidente do Sindicato dos Jornalistas do Espírito Santo (1979), membro da diretoria da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) no início da década de 1980 e ocupante de cargos públicos no Estado no final do século XX.

Anteriormente, a publicação digital já havia sido obrigada a “deletar” matérias sobre uma empresa familiar de Hartung, criada com objetivo de ocultar seu verdadeiro patrimônio, assim como imóveis fora do Estado em nome dos filhos do casal (Hartung e Cristina Gomes) e até mesmo seus negócios milionários do peemedebista como consultor no período em que esteve fora do governo – entre 2011 e 2014.

Essa última ação movida por seu ex-sócio na empresa de consultoria Éconos, fundada pelo ex-secretário da Fazenda no governo Hartung, José Teófilo de Oliveira. Soma-se a isso a tentativa, esta última frustrada, de tentar censurar a reportagem que descobriu uma “mansão secreta” na região de montanhas do Espírito Santo, imóvel que não constou na declaração de bens de Hartung entregue à Justiça Eleitoral.

Todos esses episódios fazem parte do que se pode chamar de assédio processual a Século Diário que, ao longo de sua história, notabilizou-se pela prática de um jornalismo independente, sincero e veraz, voltado para o registro dos fatos com o seu devido aprofundamento. Nos últimos nove anos, o jornal é alvo de tramas urdidas por setores do Judiciário e do Ministério Público capixaba, juntos com o governador Paulo Hartung, na busca incessante de inviabilizar a sua existência.

Alguns eventos traduzem, de forma inequívoca, o modus operandi dos atores por trás da perseguição a Século Diário. Para tanto, eles superam os limites de suas atribuições.  Em um dos casos mais emblemáticos, integrantes do Ministério Público notificaram a Superintendência Estadual de Comunicação Social (Secom), no início do governo Renato Casagrande (PSB) – entre 2011 e 2014 –, questionando a veiculação de publicidade no jornal.

O efeito foi imediato e provocou o isolamento de Século Diário em relação às demais empresas de comunicação local, que continuaram veiculando a publicidade oficial do Executivo. Repetindo assim as manobras de asfixia financeira patrocinadas por Hartung ainda nos seus dois primeiros mandatos, entre 2003 e 2010, e que têm continuidade neste terceiro mandato, iniciado em 2015.

Os abusos também colocaram em risco a própria manutenção do jornal, como o episódio em que o promotor Marcelo Zenkner – que mais tarde se tornaria secretário de Estado na gestão Hartung – se utilizou do e-mail institucional para intimidar o provedor de internet, então responsável pela hospedagem do site da publicação, em 2011. Naquela ocasião, ele reportou o ajuizamento de ações movidas por ele – enquanto cidadão – contra Século Diário na Justiça. Manobra espúria e repugnante.

Mesmo sem qualquer tipo de ordem judicial, o promotor se valendo de seu cargo, notificou o provedor para que cassasse o funcionamento do jornal. A situação provocou o estranho rompimento contratual unilateral por parte da empresa, que estabeleceu um prazo de 48 horas para que todas as informações de Século fossem retiradas de seus servidores. Antes, Zenkner já havia investido contra a publicação na Delegacia de Repressão aos Crimes Eletrônicos, da Polícia Civil do Espírito Santo.

A lista de arbitrariedades cometidas contra o jornal é ampliada com o conteúdo de decisões liminares de 1º grau, que tiveram ampla repercussão devido às limitações ao livre exercício da liberdade de expressão e de imprensa. Em julho de 2012, a juíza Ana Claudia Rodrigues de Faria Soares, da 6ª Vara Cível de Vitória, acolheu o pedido de antecipação de tutela em ação movida por Zenkner para obrigar a retirada do ar de sete textos, entre reportagens e editoriais publicados pelo jornal.

A liminar impôs ainda uma espécie de “manual de redação” feito pela togada com o objetivo de “orientar” futuras publicações. Essa decisão ganhou repercussão nacional e foi tema de matérias em jornais de grande expressão, como O Globo, Folha de S. Paulo e Jornal do Brasil, além da revista jurídica Consultor Jurídico (Conjur). A ordem só foi derrubada após uma decisão da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), que criticou veementemente qualquer tipo de imposição de restrições à liberdade de expressão.

Toda a orquestração contra Século resultou em mais de 50 processos judiciais que correm acelerados em Varas e Juizados Especiais com condenações de indenizações em favor de membros do Judiciário, bem como na imposição de sanções de prisão a seus jornalistas (três até agora), entre as quais a do seu diretor responsável, Rogério Medeiros, cujas penas somadas chegam a três anos de reclusão, em regime inicialmente aberto.

Com mais de 40 anos de carreira, Medeiros se viu em meio a ações judiciais apenas depois de retornar ao Espírito Santo após passar décadas na imprensa nacional, onde foi agraciado com premiações junto à equipe vencedora do Prêmio Esso de Reportagem pelo jornal O Estado de São Paulo.

A ofensiva judicial teve início em 2009, logo após a repercussão do livro “Um novo Espírito Santo: onde a corrupção veste toga”, de autoria de Rogério Medeiros e Stenka do Amaral Calado, outro fundador de Século Diário que faleceu em 2012. A obra reuniu a série de reportagens publicadas sobre o maior escândalo do Judiciário capixaba, deflagrado dois anos antes, quando desembargadores, advogados e servidores públicos foram presos e denunciados pela venda de sentenças.

A publicação avançou nas investigações e levantou a suspeita de participação de 13 dos 24 então desembargadores do Tribunal de Justiça. No entanto, nenhum dos envolvidos moveu qualquer tipo de demanda contra o jornal. Pelo contrário, os processos são movidos por figuras secundárias no esquema de poder do Judiciário local.

Em comum, os processos judiciais – tanto na esfera cível, por meio de ações de indenização por danos morais, quanto na esfera criminal em inquéritos policiais em curso ou ações penais por crimes contra a honra (calúnia, injúria e difamação) – visam inviabilizar a manutenção do jornal, que denuncia casos de corrupção, desmandos de políticos e grupos de poder local, sem contar outra cem bandeiras ligadas à defesa do meio ambiente.

Além das ações serem direcionadas, em sua maioria, para os mesmos julgadores, os advogados que são praticamente os mesmos – ligados às entidades de classe dos membros do Ministério Público e da magistratura capixaba, revelando o caráter institucional para intimidar a publicação.

Mas apesar de todas as dificuldades, o jornal Século Diário segue firme no seu propósito: ser uma publicação com orientação editorial independente e foco na interpretação dos fatos, sendo leitura obrigatória para quem quer “desvendar” os segredos do Espírito Santo.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

5 Comentários

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  1. As recentes investidas contra

    As recentes investidas contra o WhatsApp não têm sido por acaso. Não adianta censurar um meio de comunicação se o caso acaba se espalhando pelas redes sociais.
    Não haverá outro jeito: ou o WhatsApp muda a sua criptografia ou será banido do país.

  2. Ditadura de volta.

    A ditatura está aí. Como poderemos viver num país onde o livre pensamento não pode ser declarado. O jornalismo como globo, vejta e outras do gênero atacam Lula, Dilma, PT diuturnamente com mentiras deslavadas e nada acontece com esses  meios jornalísticos que difama a honra e integridade de um cidadão sem provas concretas. Agora quando o jornalismo age querendo mostrar as verdades de um país que finge democracia, é perseguido com medidas judiciais incabíveis. Fato parecido aconteceu no Paraná quando o judiciário deste estado resolver perseguir jornalista que mostravam seus rendimentos mensais remunatórios. A justiça do Paraná impetrou aos mesmos jornalistas diversas ações em divesas comarcas do judiciário paranaense para dificultar a vida dos redatores impondo condições de locomoção dentro do estado dificultando a vida dos jornalistas.

    É descabida esse tipo de atitude numa democracia de verdade. Estamos indo ao fundo do poço, se já não estamos.

     

  3. A denúncia precisa ser feita na imprensa internacional

    Prezados,

    Como a chamada ‘grande mídia comercial brasileira’ é uma latrina criminosa, como bem conceituou Armando Coelho Neto, a denúncia contra essas arbitrariedades e abusos (crimes de Estado) cometidos por promotores e juízes precisa ser feita em veículos da imprensa internacional. Notem  que a freqüencia da censura e perseguiçãoa jornalistas vem aumentando. Marcelo Auler, Luís Nassif, Miguel do Rosário, Rogério Medeiros, Eduardo Guimarães, jornalistas da Gazeta do Povo… e vários outros têm sido vítimas da censura e da perseguição.

  4. Já tinha ouvido boatos que o

    Já tinha ouvido boatos que o Paulo hartung é um dos maiores bandidos do ES.

    Junte-se a ele o Magno Malta o Ferracinho entre outros.

    Tem alguns do Tribunal de Contas também.

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