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Lourdes Nassif
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  1. O triunfo do isentão: como é a censura no Brasil 2016
     

    O TRIUNFO DO ISENTÃO: COMO É A CENSURA NO BRASIL EM 2016

    J.P. Cuenca

    The Intercept Brasil

     

    HÁ DUAS SEMANAS, participei de um debate em Berlim, na livraria da Torstrasse que é ponto de encontro da comunidade brasileira na cidade. Quando falamos sobre política, alguém perguntou se haveria o risco de termos novamente censura no Brasil depois do Golpe Temer.

    Não creio que algum dia deixamos de ter. Sobre o tema, logo nos ocorrem a Ditadura Militar ou o Estado Novo, mas a censura tem a idade do Brasil — o Império demorou mais de três séculos para permitir a existência de qualquer jornal na colônia. A monarquia reprimia ideias de cunho laico ou anti-monárquico, e os oligarcas da república velha igualmente usavam o aparelho repressor do estado contra seus oposicionistas.

    Nos raros períodos aparentemente estáveis da nossa jovem e frágil democracia, a censura ganha contornos menos oficialescos — ainda que bastante eficientes. Essa censura dissimulada, que atravessa toda nossa história recente, dá sinais de recrudescimento nos últimos tempos.

    Ainda – ainda – é mais corporativa que estatal. O sujeito ideologicamente dissonante perde espaço e oportunidades em qualquer empresa. Nos conglomerados de mídia brasileiros, que costumam usar colunistas como pedra de toque de uma falsa isenção editorial, discordar da chefia sem estar defendido num espaço de cota é abreviar o caminho para a rua no próximo passaralho. Empregos, contratos, freelas, espaço ou cobertura na imprensa: tudo está em jogo.

    Brigando para manter-se num mercado cada vez menor, onde o achatamento dos salários iniciais costuma apenas permitir que jovens bem nascidos tornem-se profissionais de comunicação, os jornalistas brasileiros sacrificam autonomia e liberdade de pauta apenas para manter seu salário de sobrevivência e algum frágil status. São como os oito músicos vestindo salva-vidas que continuaram tocando ragtimes e valsas sob a regência do maestro Wallace Hartley até que o deck se inclinasse como um tobogã e a estrutura do RMS Titanic finalmente rompesse. No caso, tocando sem improvisar.

    O sujeito ideologicamente dissonante perde espaço e oportunidades em qualquer empresa.

    EM MUITOS CASOS, censura interna e demissão antes do naufrágio podem ser o melhor desfecho. Na cobertura de protestos, jornalistas costumam ser agredidos pela Polícia Militar e, em menor proporção, pelos próprios manifestantes, que os identificam com os meios para os quais trabalham. Isso, claro, quando estes também não estão sendo vandalizados por uma PM que continua recebendo carta branca para tal, através de editoriais irresponsáveis e desonestos e de uma cobertura completamente enviesada da cena das manifestações.

    A contínua inversão causal dos fatos, onde as manchetes seguem ignorando o fato da polícia ser a responsável pela deflagração dos conflitos, acaba por cozinhar a liberdade de livre manifestação e de imprensa no mesmo caldo. Relatório recente da ABRAJI (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) aponta para quase 300 episódios de violação de direitos contra jornalistas durante a cobertura dos protestos desde 2013.

    A Associação Nacional dos Jornais (ANJ), em seu relatório sobre liberdade de imprensa, demonstra preocupação pelo crescente número de crimes ainda mais graves. No ano passado, sete jornalistas foram assassinados no Brasil, um número que só é menor que o do México e de Honduras nas Américas. Estamos também perdendo posições em rankings de liberdade de imprensa: em 2010 ocupávamos o 58º lugar e hoje, segundo a ONG Repórteres Sem Fronteiras, estamos em 104º.

    Entre a violência nas ruas e a coação nas redações, fruto de evidentes contradições entre o interesse de grandes grupos de mídia e a prática do bom jornalismo, o Poder Judiciário é outra ameaça. Segundo outro relatório da Abraji, citado por Ronaldo Lemos, o número de pedidos de censura prévia no Judiciário por políticos totalizam hoje 28 ações em demandas contra cidadãos, empresas de mídia, sites e jornalistas ordenando-os “a calar a boca”. Na última década há casos já históricos como o de Elmar Bones e oJornal Já, no Rio Grande do Sul, e mesmo o da censura prévia contra o Estadão. Exemplos não faltam.

    Em e-mails abertos, editores orientando repórteres a manipular coberturas através de omissões e ênfases, já sem qualquer pudor: é a era do “podemos tirar se achar melhor”.

    CENAS E PERSONAGENS TÍPICOS dos vertiginosos últimos três anos, quando este golpe é articulado: repórter recebendo telefonema do diretor de canal de TV ou editor do jornal pedindo para apagar post de facebook. Funcionários de RH checando as opiniões do candidato na internet antes de contratá-lo. Artistas e produtores engajados calando-se na véspera de grandes eventos, como Copa do Mundo ou Jogos Olímpicos, para não perder contratos. Pais pedindo a filhos, ou vice-versa, que evitem se posicionar politicamente em público para evitar constrangimentos familiares ou laborais. Atores recebendo recados diretos de patrões e contratantes de publicidade: neutralidade é lucro. Em e-mails abertos, editores orientando repórteres a manipular coberturas através de omissões e ênfases, já sem qualquer pudor: é a era do “podemos tirar se achar melhor.”

    O patrão, o patrocinador, o editor-chefe: não é de bom tom pensar sem a permissão deles. E, se o fizermos, que seja em silêncio, afinal. Pois o silêncio não atrapalha na hora de fechar um edital, um contrato, uma renovação.

    Num sistema social orwelliano e autoprotetor, a saída para a maioria é fazer o isentão, figura tão simbólica da autocensura necessária para seguir empregado hoje em dia. Independentemente de qualquer julgamento moral — é o isentão um covarde, um canalha ou um sobrevivente? —, a necessidade concreta de pesar nossos posicionamentos para evitar represálias é a medida de como o ar anda tóxico no Brasil de 2016.

    A naturalização desse policiamento pode nos levar a pensar que nossas opiniões nunca pareceram tão importantes ou mesmo perigosas. Em tempos de retrocesso democrático, talvez sejam.

     

     

  2. Nos bastidores do jornalismo, uma lição prática sobre …

     

    Nos bastidores do jornalismo, uma lição prática — e assustadora — sobre o “dois pesos, duas medidas”

     

    Captura de Tela 2016-09-29 às 21.14.52

    por Luiz Carlos Azenha

    do Viomundo

    Em 2005, como repórter da TV Globo de São Paulo, fiz uma de minhas primeiras reportagens investigativas depois de retornar ao Brasil vindo da posição de correspondente da emissora em Nova York.

    O produtor era Luiz Malavolta. Foi sobre uma empresa de seguros, a Interbrazil, que participou de um esquema de financiamento de campanha do PT em Goiânia, via caixa dois.

    Viajei para a capital de Goiás com o produtor Robson Cerântula.

    Constatamos a partir de testemunhas que, de fato, o esquema tinha existido. Adhemar Palocci, oPaloção, irmão do então ministro Antonio Palocci — à época, homem forte do governo Lula — foi citado como o caixa do PT em Goiás.

    Tentamos ouví-lo em Brasília, sem sucesso — ele ocupava então o cargo de diretor de Engenharia da Eletronorte.

    O motivo do caso ir parar em Brasília é que foi “abraçado” por uma das três CPIs que, simultaneamente, investigavam o mensalão petista e o governo Lula.

    Uma “embaixatriz” da Globo na capital me conduziu a gabinetes de parlamentares que poderiam ter interesse no assunto. Como, pessoalmente, faço questão de não estabelecer relações promíscuas de fonte com autoridades — que, em minha opinião, acabam contaminando a independência do repórter –, fui levado a tiracolo: conversei brevemente com Aloizio Mercadante, Heráclito Fortes, ACM Neto, parlamentares que supostamente tinham trânsito com o jornalismo da emissora.

    O dono da Interbrazil não atendeu à primeira convocação para depor. Acabou sendo levado pela PF, numa espécie de condução coercitiva. Assisti ao depoimento: em outras palavras, ele disse que de fato tinha doado por fora ao PT, especialmente em material de campanha, mas que fizera o mesmo para muitos candidatos de outros partidos. Seguiu-se uma longa lista: PSDB, PMDB, PP, etc.

    Como a Interbrazil tinha sofrido intervenção, ele se dispôs a fazer levantamento nos arquivos da empresa sobre todos os que tinham recebido contribuições. Ele não admitiu, mas obviamente o dinheiro foi dado a título de abrir portas para a seguradora no mercado, especialmente nas apólices de empresas públicas.

    A CPI pretendia convocar Adhemar Palocci para depor, mas o requerimento foi derrotado depois que o ministro da Fazenda ameaçou renunciar se isso acontecesse — Palocci, como amigo do mercado, tinha então relação “amigável” com a Globo.

    Para minha surpresa, depois do registro do depoimento do dono da seguradora, a emissora simplesmente desistiu do caso. Não se interessou em correr atrás daqueles arquivos que, revelados, poderiam comprometer outros partidos além do PT. Existe uma grande diferença entre “ouvir dizer” e vivenciar pessoalmente uma situação. Ali ficou límpido, cristalino: dois pesos, duas medidas.

    Eu e Malavolta ainda pretendíamos investigar um dirigente da Susep, a Superintendência de Seguros Privados — indicação do PT — sobre o qual havia alguns indícios, mas desistimos depois que ele apareceu em carne e osso na redação da TV Globo de São Paulo, para cumprimentar nosso chefe hierárquico. Ao que parece ele tinha muita intimidade com os negócios do Banco Roma, que pertenceu à família Marinho.

    Mais tarde, através do Malavolta, fiquei sabendo que a investigação da Interbrazil tinha tido origem no alto escalão da emissora, a partir de araponga baiano que, segundo ele, era ligado ao deputado ACM Neto.

    Desde então, olho com grande desconfiança para “vazamentos”. A quem interessam? A quem servem?

    Num deles, relativo à Operação Castelo de Areia, recebi os relatórios da Polícia Federal sobre apreensões feitas na contabilidade paralela da empreiteira Camargo Corrêa. Ali constava uma anotação sobre o blogueiro da Veja Reinaldo Azevedo, que supostamente teria recebido apoio publicitário da empresa por interferência do tucano Andrea Matarazzo. Descartei a informação, por julgar o valor irrelevante — era uma reportagem de TV de alcance nacional.

    Como era período pré-eleitoral, eu e o editor da reportagem decidimos não focar em nomes, mas no fato de que a empreiteira fazia os pagamentos a um verdadeiro zoológico: Abelha, Macaco,Gambá e assim por diante. Pré-Lava Jato, a Castelo de Areia apenas confirmou o que eu tinha visto no caso da Interbrazil: o financiamento empresarial a políticos via caixa dois é amplo, geral e irrestrito. Não foi inventado pelo PT, embora seja compreensível a decepção dos eleitores com um partido que se dizia “diferente de tudo o que está aí”.

    A Castelo de Areia levantou graves suspeitas sobre as obras do Metrô e do Rodoanel, em São Paulo, estado que é governado pelo PSDB desde Mário Covas. Mas… a operação foi anulada na Justiça. Nunca ficamos sabendo quem eram as pessoas por trás de todos aqueles codinomes.

    Hoje a Polícia Federal diz que Feira é o marqueteiro João Santana e Italiano o ex-ministro Guido Mantega. Duas pessoas ligadas ao PT. Mas, e o Abelha? E o Santo? E o Careca?

    Hoje tenho o costume de ler na íntegra todos os relatórios divulgados pela Polícia Federal. Na medida do possível, tento ouvir na íntegra os depoimentos dados à Lava Jato.

    Constato a imensa distância que existe entre o conjunto das informações obtidas pela PF e o resumo que aparece nos jornais ou nas emissoras de TV.

    De um lado, informações que me parecem relevantes são descartadas. Do outro, depoimentos sem nenhum suporte factual, como o que Marcos Valério deu à Lava Jato, se transformam em manchetes: Lula e o PT teriam sido chantageados, o que é uma forma oblíqua de insistir que ambos estão envolvidos na morte do ex-prefeito Celso Daniel, o que já foi descartado por ao menos duas investigações.

    Mas, em tempo de redes sociais, o que vale são as manchetes. É o jornalismo declaratório em ação: Donald Trump desconfia que Obama não nasceu nos Estados Unidos! O suficiente para fazer uma não notícia sobreviver por quatro, cinco anos… como aconteceu no caso de Trump. Aliás, foi o “ato inicial” da carreira política dele.

    Muitas vezes o problema começa já na análise das informações colhidas pela PF. Os analistas enxergam suspeita em todas as menções a Lula, por exemplo, mas não se preocupam quando MBO, o Marcelo Bahia Odebrecht, cita Aécio Neves, Alckmin ou a Globo. Reproduzimos aqui trechos dos relatórios referentes a anotações feitas por Marcelo em seu celular.

    Captura de Tela 2016-09-29 às 20.03.19É preciso saber, sim, o que MBO quis dizer quando escreveu “coordenação lista $ com PT”, mas notem que logo abaixo ele escreve: “Aecio Neves?”.

    O “DGI Chaves vs Lula” aparece destacado pelo analista, mas e o “Alckimin vs AR”?

    E o “Darc vs Edu Campos”, ou o “Emb vs Globo”, ou o “PAN vs Globo”? O que significa “apoio a ANeves?”

    Meu ponto é que os recursos da Polícia Federal são finitos e, como vi acontecer dentro da TV Globo (veja em O que eu pretendia dizer na TV sobre as ambulâncias de Serra), muitas vezes a distorção se dá pelas escolhas: onde concentrar os recursos da investigação?

    Espero que não seja o caso, lamentaria se fosse: investigações politicamente dirigidas, que buscam atender a demanda de um público que, por força do bombardeio midiático, já condenou antecipadamente todos os remotamente ligados ao PT.

    Continuamos aguardando, por exemplo, que a Operação Caça Fantasmas, da Polícia Federal, amplie seu escopo para descobrir porque uma herdeira de Roberto Marinho pagou as taxas de manutenção de três empresas offshore à Mossack & Fonseca, a fábrica de empresas laranjas do Panamá — “a serviço de ditadores e delatores”, como destacou o insuspeito O Globo — quando as empresas nominalmente são ligadas a Lucia Cortes Pinto, uma modesta moradora do bairro do Grajaú, no Rio de Janeiro. As empresas são a Vaincre LLC, a Juste e a AA Plus. Esperaremos sentados.

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