Como a estratégia de garantir direitos políticos de Dilma foi estruturada

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Jornal GGN – Apesar de iniciar com um requerimento do PT, logo na abertura da sessão, a proposta de separar o julgamento do impeachment da penalidade à Dilma Rousseff de permanecer 8 anos sem concorrer a eleições ou a cargos públicos já vinha sendo articulada pela senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), parlamentares aliados de Dilma e com a atuação de Renan Calheiros em papel de destaque.
 
O movimento foi apontado por jornais e articulistas entre esta quarta (31) e quinta-feira (01) como estratégia desenhada há uma semana pelos aliados de Dilma, incluindo a consulta da senadora a Renan Calheiros (PMDB-AL) e a ex-ministros de Dilma, que estariam “constrangidos” com a situação de afastá-la definitivamente.
 
Gerson Camarotti, da GloboNews, por exemplo, divulgou que “regundo relatos, Renan acabou apoiando a estratégia para fazer um gesto político a Dilma e manter uma aliança informal com o PT. Com isso, Renan poderia obter reciprocidade do PT num momento de maior necessidade”. Nessa estratégia, também estariam atuando a senadora petista Gleisi Hoffmann (PR). 
 
O GGN mostra, no entanto, que a intenção de separar o julgamento do impeachment da pena de inelegibilidade foi traçado há mais de uma semana.
 
Nesta histórica quarta-feira (31), após o placar do impeachment apresentar que 16 senadores que se posicionaram favoráveis à saída definitiva de Dilma rejeitaram, em segunda votação, que ela ficasse impedida de concorrer a cargos eletivos ou públicos, Kátia Abreu divulgou em sua conta no twitter a mensagem: “Querido amigo Dr. Joao Costa que me apresentou parecer sobre a votação da Inabilitação em separado. São penas autônomas e independentes”.
 
Juntamente com a fotografia:
 
 
“Agradeço os senadores que votaram contra a Inabilitaçao da Presidente. Era o mínimo que ela merecia. Foram 16 votos e 3 abstenções mais os 21”, disse, ainda, a senadora do PMDB.
 
O GGN apurou que a fotografia foi tirada no dia 23 de agosto, uma terça-feira, quando Kátia marcou uma reunião com Dilma e o advogado João Costa, e onde a pauta foi para discutir a viabilidade de Dilma ser condenada por crime de responsabilidade, sem a pena de inabilitação.
 
Coincidentemente, ou não, João Costa não apenas exerce a advocacia, como é também suplente do senador Vicentinho Alves (PR-TO). O parlamentar não só foi um dos que votou a favor do impeachment e contra a perda de elegibilidade de Dilma, como exerceu no processo o cargo de primeiro secretário da Mesa. Vicentinho foi quem leu, por volta das 11h50 desta quarta, o requerimento do PT que questionava a penalidade.
 
Três dias antes daquela reunião entre Kátia, João Costa e Dilma, a senadora do PMDB publicou na Folha de S. Paulo um artigo contra o impeachment, intitulado “Grande jogo de interesses pequenos“. No texto, Kátia defendeu que o “cenário ideal para a proposta de impeachment” foi desenhado previamente, sendo o suposto crime de responsabilidade “o disfarce encontrado para uma articulação política da pior espécie”.
 
Outras constatações deixam claro que o ministro Ricardo Lewandowski, que presidiu o julgamento do impeachment, tinha conhecimento da proposta com antecedência. Não à toa, transcorridos menos de 20 minutos desde que o requerimento foi apresentado, Lewandowski já tinha em mãos os argumentos que acataram separar as votações e, ainda, mostrando a existência de viabilidade legal para que Dilma fosse condenada sem perder os direitos políticos.
 
E não apenas o ministro do Suprema Corte.
 
Na última sexta, após Kátia já ter feito o diálogo entre integrantes do PT na possibilidade jurídica, um jantar na residência de Renan Calheiros teria consolidado as intenções. Estiveram presentes os senadores Lindbergh Farias (PT-RJ) e Jorge Viana (PT-AC). 
 
Antes disso, ainda, a ideia originalmente foi aventada pelo próprio ex-ministro José Eduardo Cardozo, manifestando o desejo de Dilma. Inicialmente, a bancada do PT e de aliados de Dilma Rousseff afirmaram que o pedido poderia sacrificar o argumento de “golpe” do processo. 
 
A partir daí, a estratégia foi de segurar a intenção dos defensores de Dilma o máximo possível, o que precisaria contar com o apoio do presidente do Senado, Renan Calheiros – com bom trânsito entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e setores do PMDB, entre eles da própria Kátia Abreu -, para que somente na quarta-feira (31) fosse anunciada a proposta, evitando fracassos.
 
A proposição de separar o julgamento em dois: impeachment em si e a pena de inelegibilidade, deveria ser construída por outro advogado, que não Cardozo, com a imagem já marcada pela incansável defesa de Dilma. É quando surge a figura de João Costa. Suplente de Vicentinho, que votava publicamente a favor do impeachment, a credibilidade estaria garantida. E, mais uma vez, recorreriam do apoio de Renan na sessão histórica, para a defesa da proposta aos parlamentares fora do eixo PMDB-PT-PSDB-DEM, que fossem pegos de surpresa.
 
O resultado foi o de garantir além dos votos pela garantia dos direitos políticos de Dilma por oito dos peemedebistas que foram favoráveis ao impeachment (Lobão, Eduardo Braga, Hélio José, Jader Barbalho, João Alberto Souza, Raimundo Lira, Rose de Freitas e Renan), também por oito senadores de outros partidos (Acir Gurcaz, Antonio Carlos Valadares, Cidinho Santos, Cristovam Buarque, Roberto Rocha, Telmário Mota, Wellington Fagundes e Vicentinho Alves).
 
Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

11 Comentários

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    1. Para a anulação da sessão do impeachment

      Segundo o isento Migalhas:

      “O que está feito, está feito; o que está por fazer… está feito.”

      Joaquim Nabuco

      (Clique aqui)

      Epílogo

      O impeachment terminou, mas não sem antes aparecer mais um imbróglio jurídico. Ao permitir que a pena de inabilitação fosse votada em separado, o ministro Lewandowski transporta de volta às raias jurídicas o feito que deveria ser preponderantemente político.

      Sendo o impeachment um processo penal sui generis, por mais que se queira a todo momento compulsar o CPP, não é possível. No crime comum, como se sabe, a condenação é apartada da punição, e a dosimetria da pena deve ser calculada de acordo com a culpabilidade. No processo de impeachment não parece haver tal separação.

      O livrinho diz que a condenação do presidente da República será proferida por “dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública”.

      A preposição “com”, s.m.j., está a implicar a ideia de companhia, de união. Mas se se lobrigou ali um advérbio de dúvida (“talvez”), fazer o quê ?

      Não fosse pela semântica, que parece pôr fim à questão, há o fato de que não há lógica em raciocínio diverso. Se o crime de responsabilidade é de tal grau a ponto de se apear do cargo o chefe da Nação que foi eleito democraticamente, nada mais óbvio que tal pessoa fique inabilitada por – pelo menos – oito anos.

      No caso, o que se fez foi um certo abrandamento da pena. Ficou-se, nitidamente, com dó. Então, o único raciocínio possível a partir da complacência é de que a conduta não tipificava o infamante crime de responsabilidade. De fato, se a menor das penas (inabilitação) não lhe é cabível, muito menos a maior (impeachment) lhe será.

      De maneira que, data vênia, assistimos ontem a um daqueles clássicos erros de quesito em júri, quando a resposta num sentido anula o quesito anterior e torna incompreensível o resultado.

      No processo penal comum, sabemos as consequências. Todavia, mantendo a coerência do quanto já dito, esse processo é de rito diferenciado. Em todo caso, a defesa de Dilma já recorreu ao Supremo pleiteando nova votação (MS 34.371 – relator, ministro Teori). (Clique aqui)

      Entre penas e absolvições, vamos e venhamos, migalheiro, nenhum escritor de novelas seria tão criativo ao escrever o último capítulo de um processo tão tumultuado e contestado quanto este.

      Fim ! (Será ?)

  1. tudo muito obscuro

    Todo o processo foi muito obscuro. Um verdadeiro morde e assopra. Absurdo brasil de hoje, pessoas a comemorar golpes de estado com rojões.

  2. Realpolitik.                

    Realpolitik.                                                        E depois só o Lula é pragmático.  Fora Temer!!! Fora golpisto!!!

  3. Kátia Abreu foi o tempo todo

    Kátia Abreu foi o tempo todo coerente, amiga, leal, uma mlher de muita fibra, admirável. Ninguém pode ter sido mais amigo de dilma do ela. Grande mulher. Parabéns.

    1. Também concordo que temos que

      Também concordo que temos que fazer justiça à Kátia Abreu. Essa mulher foi muito acusada há tempos atrás por companheiros do PT. Temos que entender que política é o exercício do possível e que nunca se deve desprezar aliados confiáveis por preconceitos ideológicos. Quem quizer, de coração aberto, somar a um projeto de governo em prol do povo brasileiro, deve ser aceito e respeitado. Partidos eivados de preconceito ideológico estarão condenados ao alijamento eterno do poder e de que adianta manter uma enorme pureza ideológica se não se poderá jamais por na prática suas postulações em benefício do povo brasileiro. É por essas e outras razões que continuarei a apoiar o PT. Tem que ter um projeto de poder popular viável.

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