Chutando o balde do Século XX, Parte 2, por Joaquim Aragão

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Compreensão do processo de crescimento econômico como espiral de acumulação 

por Joaquim Aragão

Retomando o chute…

Na primeira parte da presente série de artigos expomos os elementos principais da crise econômica que afeta não apenas o Brasil, mas o capitalismo mundial. Essa caracterizamos como uma crise de esgotamento de paradigmas do Século XX, sendo que ainda não está formatado doutrinaria e estrategicamente um novo paradigma para o capitalismo do Século XXI. Entretanto, apontamos para algumas tendências na restruturação da economia que forçosamente farão parte do sistema que se desponta no horizonte, onde a 4ª revolução industrial redesenhará radicalmente as relações de produção.

Já a crise brasileira possui alguns ingredientes a mais, dado o seu peculiar caráter de “indolência conservadora”. Esse termo não deve ser lido como mais um arroubo panfletário: a pouca celeridade em acompanharmos os avanços tecnológicos e organizacionais aliam-se relações de produção notoriamente arcaicas, como a discriminação social e a superexploração da força de trabalho, a qual é detida em um nível de educação incompatível para um capitalismo contemporâneo.

Emergindo desse diagnostico um tanto doloroso, o artigo precedente explanou em traços largos uma nova estratégia: a adoção sistemática de programas territoriais concebidos por uma abordagem inovadora (Engenharia Territorial). Esses programas deverão provocar ganhos de eficiência sistêmica e propelir o crescimento nas economias regionais. Os principais traços da nova estratégia foram esboçados tanto no artigo precedente quanto em outros mais datados, aí citados.

O presente artigo continua com a explanação da abordagem, concentrando-se na estruturação institucional dos programas territoriais. Artigos subsequentes dedicar-se-ão à restruturação do setor privado, tanto na economia real (empreendimentos territoriais) quando na financeira (novo sistema financeiro de desenvolvimento territorial).

Uma nova lógica de contratação administrativa

As condições de contorno para a retomada de crescimento e para a garantia de sustentabilidade fiscal dos pesados investimentos no capital coletivo (infraestruturas de toda espécie) foram descritas em artigos precedentes. Essas condições tangem necessariamente a) a restruturação do parque empresarial, b) as transformações tecnológicas e sociais, assim c) como o novo papel do Estado. Esse deve se afastar da definição e da disponibilização diretas de meios e passar a se concentrar na determinação e no controle de resultados finalísticos.

No que tange especificamente a ação do Estado, propõe-se aqui um novo instrumento de planejamento, que não substitui, mas sim complementa os planejamentos diretores correntes, assim como um novo tipo de contratação administrativa; também essa não substitui mas complementa os institutos correntes de a) contratação administrativa direta (Lei nº 8666), b) de concessão de serviços públicos (Lei nº 8.987) e c) de parcerias público-privadas (Lei nº 11.079). Daí designarmos essa nova forma de contratação de Parceria Público-Privada de Segunda Geração.

Voltamos a afirmar, como fizemos em artigo já publicado (https://jornalggn.com.br/noticia/buscando-saidas-para-a-crise-economica-por-joaquim-aragao), que as formas correntes de desestatização e delegação de serviços públicos dificilmente darão conta, sozinhas, das necessidades de investimento em infraestruturas nas fronteiras de crescimento, em função das peculiaridades de sua geografia econômica e logística. Para que o setor privado dê conta dos investimentos precisamente nas regiões que poderão fornecer o maior gradiente de crescimento, é preciso complementar as parcerias convencionais com outras que consolidem o mercado logístico nas respectivas áreas de influência.

A solução prevista é que essa área seja repartida em territórios de consolidação, e em cada território um consórcio público regional atribua a um concessionário secundário um ativo público sob forma de uma área estrategicamente localizada (rótulas logísticas, proximidade a importantes polos econômicos ou atrativos turísticos, dependendo do objetivo do investimento infraestrutural). Juridicamente, isso já é possível pelo instituto do Direito Real de Uso.

Como contraprestação a essa concessão, o Poder Público não detalharia exigências de investimento, e sim um resultado econômico finalístico sob forma de tráfego gerado, empregos criados, número de contratos fechados com pequenas e médias empresas, quantidade de áreas a serem ambientalmente recuperadas e preservadas, uma arrecadação fiscal suficiente para cobrir as despesas públicas envolvidas no programa territorial, entre outros. Daí acharmos apropriado designar esse tipo de contrato de concessão por desempenho econômico.

Por força desse contrato, a um consórcio empresarial (empresa de desenvolvimento territorial) seria atribuída a tarefa de animar a economia regional, de forma que os resultados listados no parágrafo anterior possam ser produzidos. O modelo de negócio apropriado para essa empresa realizar tal animação, retirando daí seu retorno financeiro, será objeto do próximo artigo.

Aqui, vale reter que por meio do novo tipo de acerto, o Poder Público não estará contratando objetos e sim o savoir-faire do setor privado em atrair e articular investimentos, algo que este domina mais do que qualquer tecnocrata bem capacitado. Ou seja, por mais inovadora e audaciosa essa meta de desempenho possa parecer, ela não foge em sua essência daquilo que o setor privado costuma a fazer, sem, entretanto, se preocupar de contabilizar os efeitos multiplicadores decorrentes. No fundo, o Poder Público estará lhe pedindo para cantar aquela famosa canção de Gershwin: So do what you do some more…

A Operação Territorial Consorciada (OTC) e os contratos de desempenho econômico

O novo procedimento de planejamento e de delegação, que denominamos de Operação Territorial Consorciada, fazendo analogia às Operações Urbanas Consorciadas previstas no Estatuto da Cidade, é representado na figura abaixo e contêm os seguintes passos:

  1. O Poder Público, representado por um consórcio público que reúne poderes municipais, estaduais e federal tangidos, inicia o processo, apoiado nos planos territoriais e setoriais vigentes. Eixos infraestruturais (ou outros investimentos de caráter espacial, como por exemplo, polos turísticos, industriais e agroindustriais) são selecionados para a aplicação de um programa territorial. Em princípio, a adoção de um programa territorial tem por razão um desafio fiscal-financeiro relevante, a necessidade de agregação de valor no desenvolvimento territorial, ou outro motivo de natureza econômica ou territorial.

  2. Uma vez selecionado o objeto do programa territorial, um programa de consolidação econômica é elaborado pelo consórcio público, de caráter executivo, mas conforme às indicações do planejamento público.

  3. Nesse programa, são definidas a matriz de responsabilidade, onde o consórcio público estabelece suas responsabilidades por investimentos e despesas complementares de apoio ao programa; assim como os ativos a serem disponibilizados ao concessionário e as metas de desempenho econômico a serem exigidos.

  4. Quanto às metas de desempenho, elas representam a parte mais inovadora e transformadora das relações público e privadas promovida pela parceria de segunda geração, pois refletem os objetivos finalísticos de política pública a serem atingidos. Só que seu cumprimento não cabe ao Poder Público, e sim doravante ao setor privado contratado. Além de instrumento de política pública, as metas fornecerão ao investidor uma perspectiva segura de crescimento econômico, na medida em que ela seja contratada. Essa situação é que produzirá efeitos positivos no financiamento (como será explanado no artigo sobre o novo sistema de financiamento do desenvolvimento territorial).

  5. De uma maneira geral, essas metas dirão respeito às despesas fiscais a serem ressarcidas; à quantidade de área a ser ambientalmente protegida e recuperada; assim como ao número de empregos a serem gerados e de contratos com pequenas e médias empresas a serem fechados. As metas aqui citadas serão mandatórias para todas as concessões por desempenho econômico. Já outras metas, complementares, dependerão do objeto e dos objetivos específicos de cada programa: por exemplo, programas que visam consolidar o mercado logístico ao longo de novos eixos infraestruturais poderão conter metas de geração de tráfego.

  6. No que tange as metas mandatórias, enquanto a meta fiscal é fixa, pois visa apenas recuperar uma despesa fiscal determinada, as outras metas serão definidas em leilão. Assim, caberá ao mercado, e não ao planejamento tecnocrático, definir a quantidade de áreas a serem recuperadas ambientalmente, bem como o número de contratos com pequenas e médias empresas e de empregos gerados. Por sua vez, as metas complementares e específicas, como por exemplo, o tráfego gerado, poderão ser tanto fixas quanto determinadas pelo mercado.

  7. Ao concessionário, ou seja, à empresa de desenvolvimento territorial, não caberá a realização direta das metas e sim a mobilização da economia regional para que esta produza os resultados estabelecidos. Tal mobilização haverá de ocorrer muito mais por contratação de empresas ou pela indução de investimentos privados, a critério do concessionário. No próximo artigo, explanaremos a viabilidade do cumprimento dessas metas por uma empresa de desenvolvimento territorial.

  8. Definido, portanto, o programa, sendo o mesmo submetido ao crivo da sociedade mediante livros brancos e audiências físicas e virtuais, ele passa a ser apresentado ao mercado, sofrendo eventuais ajustes em função da resposta deste.

  9. Acolhido positivamente pelos investidores, é lançado um PMI para fins de concessão dos ativos públicos por meio de Direito Real de Uso. Caberá aos interessados subcontratar os estudos para desenvolver a proposta econômica e física do programa, e será declarado vencedor o licitante que apresentar a melhor proposta.

Reformas legais necessárias

Embora tanto a operação territorial consorciada quanto a concessão por desempenho econômico possam ser acolhidas pela presente legislação, reformas legais serão imprescindíveis para consolidar os programas territoriais como instrumento regular de política pública.

Primeiramente, devido ao caráter eminentemente inovador, esses institutos só serão reconhecidos e apreciados pelos agentes públicos e privados envolvidos, se um quadro legal os consagrar e lhes fornecer definitiva segurança jurídica.

Em segundo lugar, a reforma legal será particularmente imprescindível para que se possam privilegiar projetos e programas territoriais fiscalmente equilibrados, ou seja, nos casos onde todos investimentos e despesas públicas forem comprovadamente cobertos pelos efeitos multiplicadores fiscais que resultarem da mobilização da economia da área de referência do programa, providenciada pela empresa de desenvolvimento territorial.

Assim, sendo, uma Lei de Promoção de Projetos de Grande Vulto e de Programas Territoriais teria os seguintes pontos:

  1. Definição despesas de grande vulto e outros conceitos

É imprescindível que o Poder Público seja instado a selecionar e oferecer um tratamento especial a projetos estruturantes que ultrapassem um limiar de valor. Esses não devem se limitar a investimentos, mas também a políticas públicas e apoios ao setor privado.

  1. Obrigatoriedade da avaliação de impactos econômicos e fiscais

Uma vez identificados as despesas de grande vulto, devem ser obrigatoriamente analisados os respectivos impactos multiplicadores, tanto do ponto de vista econômico geral (empregos, renda, exportações etc.) quanto fiscal. Essa cobrança apenas, ainda isolada dos benefícios descritos a seguir, já produziria um efeito disciplinador das despesas públicas, pois daria transparência a retornos das respectivas despesas (ou falta deles).

Especialmente políticas vultosas de incentivo ao empresariado haveriam de ser avaliados quanto a esse retorno, oferecendo à sociedade uma justificativa do apoio ou, inversamente, meios de contestar eventuais “almoços grátis” para o capital.

  1. Do fomento a Projetos de Grande Vulto

Para projetos de grande vulto que apresentem balanço fiscal não negativo, a Lei instituirá um regime fiscal especial (RFE) que os isentará de cortes resultantes de ajustes fiscais, tais como prescritos pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

  1. Instituição de programas territoriais e extensão de RFE para programas fiscalmente equilibrados

A Lei instituirá o conceito de programa territorial enquanto conjunção de projetos de investimentos públicos e privados em uma determinada área de referência, e estenderá para programas territoriais fiscalmente balançados os benefícios do RFE.

A lei preverá, ainda, os procedimentos de cálculo e de controle do equilíbrio fiscal, assim como os órgãos públicos que atestarão e controlarão os projetos e programas beneficiados pelo RFE.

  1. Operação Territorial Consorciada (OTC)

Os passos descritos da OTC deverão ser codificados como norma, prevendo-se também os critérios de admissão e composição dos consórcios licitantes. Tal composição deve estar alinhada com o objeto do projeto ou do programa; os componentes do consórcio deverão apresentar suficiente experiência e condição financeira para levar adiante os investimentos previstos.

Como será explanado em artigo específico sobre o Sistema de Financiamento do Desenvolvimento Territorial, os consórcios serão basicamente compostos por fundos, bancos, seguradoras e outras empresas especializadas na implantação do tipo de objeto previsto.

Assim, pela licitação o Poder Público estará comprando competências para conceber, implantar e administrar o desenvolvimento econômico e os respectivos investimentos, ao invés de especificá-los tecnocraticamente.

  1. Empresa de Desenvolvimento Territorial e Concessão por Desempenho Econômico

A lei especificará a natureza da empresa de desenvolvimento territorial enquanto sociedade de propósito específico e introduzirá e qualificará a concessão por desempenho econômico como nova modalidade de contratação administrativa.

Nesse bojo, serão definidas as metas essenciais (recuperação das despesas públicas, recuperação ambiental de áreas, geração de emprego e de contratos com pequenas e médias empresas na área de referência do projeto ou programa), admitindo-se outras, em conformidade com o objeto do projeto ou programa.

O projeto preverá a forma em que essas metas serão avaliadas, e como o consórcio público cooperará com o concessionário na verificação dos resultados fiscais. Serão especificadas ademais as condições de gestão de controle, assim como as hipóteses e medidas a serem tomadas em casos de intervenção, caducidade e término do contrato.

  1. Sistema Financeiro de Desenvolvimento Territorial

As entidades e operações integrantes desse sistema, a serem estabelecidas e regulamentadas na lei, serão explanadas em artigo próprio. Como será aí demonstrado, esse sistema fornecerá o necessário sangue financeiro ao programa territorial, à operação territorial consorciada, ao contrato de desempenho e ao próprio negócio da empresa de desenvolvimento territorial, reforçando a dinâmica econômica no território do programa.

  1. Programas setoriais específicos

O conceito geral, os institutos jurídicos e as organizações, assim como as normas gerais relativas ao programa territorial aplicam-se a um número amplo de investimentos. Entretanto, a lei detalhará normas adicionais que se adequem a programas e projetos específicos, como, por exemplo:

  • programas de consolidação econômica e fiscal de investimentos em troncos de infraestrutura;

  • troncos que reúnam diversos tipos de infraestrutura (troncos multifacilidades);

  • programas para áreas turísticas; e

  • complexos industriais especiais.

As normas especiais dirão respeito ao processo de contratação adequado ao caso, às metas de desempenho específicas, à composição dos consórcios e à qualificação dos integrantes, entre outros aspectos.

Desafios institucionais e culturais

Após uma descrição um tanto “tecnocrática” dos elementos do novo sistema institucional e organizacional, passamos a discutir as consequências para o nosso sistema socioeconômico e institucional e os possíveis conflitos com a sua “indolência conservadora”. Com exceção da contabilização compulsória do balanço fiscal de cada projeto ou programa e do Regime Fiscal Especial, os institutos jurídicos explanados se coadunam com a legislação existente.

Evidentemente, o fato da maior parte dos institutos se conformar, em tese, com a legislação existente não implica que a atual cultura jurídica os aceite sem maiores discussões, dada a profunda inovação neles contida nas relações públicas-privadas: esta desafia a visão tradicional do papel do Estado como tutor intervencionista do investimento privado, assim como da contumaz irresponsabilidade do setor privado por resultados econômicos tais como atração de investimentos, geração de empregos e fluxos logísticos e efeitos fiscais multiplicadores. Ou seja, o que a letra da Lei permite em tese, sua interpretação regulamentar e jurisprudencial poderá contestar.

Daí a necessidade da reforma legal, para que as novas relações fiquem bem consolidadas juridicamente. A atual crise fiscal e a premência, já reconhecida, da inovação das relações públicas-privadas poderão facilitar a mudança, mas a remoção da cultura de “capitalismo mequetrefe” requererá o enfrentamento de desafios políticos e jurídicos colossais, a saber:

Desafio 1: Não intromissão do Poder Público no detalhamento de projetos, inclusive no seu financiamento

Apesar das mais recentes reformas legais com respeito à contratação administrativa transferirem em grande escala para o setor privado a elaboração de projetos, o Poder Público retém ainda o poder de interferir na sua especificação mais minuciosa (por exemplo, detalhamento de pátios ferroviários e dos respectivos equipamentos).

Já na Operação Territorial Consorciada, a instituição de metas de desempenho econômico afasta o Poder Público desse papel, fazendo-o se concentrar nos fins, e não nos meios.

Igualmente, a responsabilidade pelo investimento é entregue a fundos de investimento, dispensando empréstimos de bancos públicos (clarificaremos esse ponto no artigo que descreverá o novo sistema de financiamento de desenvolvimento territorial).

Desafio 2: Contabilização dos impactos econômicos e fiscais e a correspondente cooperação institucional entre setor público e privado

No atual sistema administrativo, a obrigação de contabilizar impactos econômicos e fiscais líquidos de programas e projetos governamentais entrará em choque com uma tradição de não se questionarem retornos fiscais efetivos das despesas públicas e das generosas políticas de apoio ao investimento privado.

Esse choque de transparência poderá também colocar em cheque contumazes “almoços grátis ao capital”, um traço característico do nosso capitalismo dependente do Estado.

Mais insolente parecerá, ainda, a cooperação, contratualmente mandatória, entre o setor público e o concessionário – portanto, o setor privado – em levantar e assegurar receitas fiscais, tais como estabelecida nas metas de desempenho econômico.

Desafio 3: Cooperação institucional interna ao próprio setor público na distribuição de responsabilidade e de receitas fiscais

Mesmo com a instituição de consórcios públicos pela legislação, a cooperação entre os níveis da Federação ainda é extremamente deficiente, até para a realização de planejamentos, investimentos e a gestão conjunta de serviços públicos. Essa cooperação parecerá mais desafiadora ainda quando os três níveis tiverem de repartir, por meio de acordos, responsabilidades de despesas, assim como o monitoramento, a gestão e a distribuição de receitas fiscais geradas pelos efeitos multiplicadores do investimento privado, propelido pela empresa de desenvolvimento territorial.

De outro lado, os ganhos do crescimento econômico regional poderão funcionar como um incentivo para a cooperação.

Outro desafio institucional serão o controle e o atestamento do equilíbrio fiscal e o processo de seu reconhecimento para fins da concessão do Regime Fiscal Especial, tarefas essas que deverão ser atribuídas a um ente do Governo Federal.

É de se esperar que essa concessão (ou sua retirada) seja objeto de fortíssimas pressões políticas, pelo que o organismo haverá de usufruir de uma autonomia semelhante ao do Banco Central.

Desafio 4: Responsabilização, contratual, do setor privado por um resultado que tradicionalmente não lhe diz respeito: restauração ambiental, geração de emprego, contratação de pequenas e médias empresas, resultados fiscais

Nesse ponto, o choque cultural impactará sobre a auto-identificação do setor privado, não acostumado em assumir a responsabilidade por resultados econômicos coletivos, para além dos resultados privados.

Enquanto a contratação e a atração de empresas de pequenas e médias empresas e de investidores representam apenas uma intensificação de práticas correntes do setor privado, a responsabilização por geração de empregos lhe poderá ser até culturalmente adversa, dada a sua tendência histórica de procurar reduzir custos trabalhistas.

Entretanto, trata-se de uma meta colinear com a de gerar contratos para com as pequenas e médias empresas: quanto maior o número de contratos, mais empregos serão automaticamente gerados. Há de ser ressaltar que logo as pequenas e médias empresas são mais ativas em gerar empregos; e que a massa de pequenos empreendedores autônomos poderá ser contabilizada como empregos gerados, sob ponto de vista da contribuição previdenciária.

Entretanto, o bônus mais importante para o setor privado é que ao cumprir tais metas, ele estará contribuindo para o crescimento da economia do território do programa, de onde poderá retirar ganhos diretos (receitas advindas de aluguéis, de luvas por sucesso na intermediação e de prestação de serviços) e indiretos (atração de investidores em função de uma conjuntura econômica positiva criada).

Desafio 5: o cumprimento das metas fiscais

Preocupar-se e monitorar resultados da arrecadação fiscal no seio das empresas atraídas e contratadas poderão, decididamente, aparecer como uma insolente e onerosa extrapolação das funções do setor privado, assumindo a empresa uma tarefa que deveria ser de competência exclusiva do setor público. Esse estranhamento é tanto mais forte, pois desafia abertamente a cultura do “almoço grátis”, segundo a qual o setor privado nada deve à sociedade contribuinte pelos portentosos presentes fiscais concedidos pelo setor público; este não faria mais do que a obrigação, sendo politicamente o principal responsável pelo crescimento econômico.

Entretanto, há de se contrapor que, no presente momento de esgotamento do espaço fiscal, os mecanismos e procedimentos da Engenharia Territorial, onde essa responsabilização do setor privado pelos resultados econômicos e fiscais é parte integrante, são o caminho mais seguro para a retomada do crescimento, tão cara ao capital.

Intermezzo

 

Fechamos, assim, o segundo artigo da série “chutadora de balde”. Na sequência, demonstramos a viabilidade, por parte do setor privado, do empreendimento territorial que será levado a cabo pelo concessionário, onde ele passará a assumir o cumprimento de metas de desempenho que parecem tão estranhas de inovadoras e tão desafiadoras. A atratividade desse tipo de empreendimento ficará mais clara quando da apresentação do novo sistema de financiamento do desenvolvimento territorial, em mais um artigo, posterior ao próximo.

Leia também: Chutando o balde do Século XX, Parte 1, por Joaquim Aragão

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

3 Comentários

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  1. O grande desafio é inovar com

    O grande desafio é inovar com o pacto federativo arcaico que temos onde fazer guerra fiscal contra o ente vizinho é considerado sinonimo de desenvolvimento.

    1. É melhor conhecer os desafios do que não saber onde lutar

      Caro Marcos, é claro que a proposta é desafiadora. Se não fosse, de nada valeria, pois nenhum acordo com o mequetrefismo do nosso capitalismo nos levará a qualquer lugar. Temos de chutar o balde, pelo menos sabemos que balde chutar. 

  2. Brasil regionalizado economicamente

    A proposta merece elogios por ter sido concebida em Brasília. Seria importante, todavia, que – em primeiríssimo lugar – contemplasse os pioneirismo já acontecidos no Brasil e sepultados pelos entes que deveriam ser “federativos”, mas não são. No fundo, todos (ou a maioria) dos projetos regionalizantes visam apenas sacar recursos e, depois, orientá-los para os nababos que se refestelam na Economia Tupiniquim.

    Seria interessante um paralelo com a SUDENE, com a SUDAM, com a SUDEPE, e tantas outras “engenharias regionalizantes”. Todas montaram uma “infraestrutura” completa, desde fiscal, econômica, política, operacional, com milhares de empregados, etc. Algumas indústrias, depois de mais de 10 anos de operação contábil, foram desmascaradas: sequer haviam colocado um único tijolo no empreendimento. Eram “indústrias de papel”; implantadas para serem revendidas mais tarde; pura lavagem de dinheiro de gente do Sudeste. No final, o próprio Ministro Delfim Netto, falou talvez a única verdade de sua vida: “De cada $ 1,00 aplicado no Nordeste, pode-se garantir que $0,85 retorna ao Sudeste”. 

    O mesmo aconteceu com todas as “engenharias regionais”. O problema, então, não é criar uma Engenharia Regionalizante, pois ela existe, existiu e existirá – até por conta do próprio mercado. 

    A Economia tem apenas dois pressupostos: 1) produzir com eficiência; 2) escoar a produção com lucratividade. Se esses dois fatores forem contemplados, todo o restante poderá ser realizado pelo próprio “mercado” (produtores e consumidores) desde que o Governo permita (e esse é o grande problema!!!!!!!).

    Então, a verdadeira Engenharia seria aquela que garantisse apenas esses dois pressupostos (que são básicos em qualquer regime econômico). Veja o exemplo do Semiárido Nordestino. 1) produzir com eficiência (como? Não há crédito suficiente. Não há “respeito” para com a sazonalidade e peculiaridades do clima. Não há SUDENE que aguente, sem ter a “política de desenvolvimento” adequado à regionalidade. Não adiantou inventar o Banco do Nordeste, celeiro de corrupção para os governos mancomunados com o atraso). 2) escoamento lucrativo (como? o Governo nunca garantiu isso; nem o BNB; nem ninguém. Os urubus disputam  a carniça na Economia do Semiárido nordestino que deveria ser o mais rico do planeta e foi transformado no mais pobre. Basta analisar a História e ver as “sangrias” que minguaram a região.).

    Resumo: A intenção de Engenharia Regionalizada é obviamente necessária, mas seria bom apresentar uma “revisão literária”, ou “revisão histórica” sobre tudo que já tem sido feito no Nordeste, Amazônia, Espírito Santo, Bahia, etc. Finalmente, apresentar um “aporte crítico” comparativo, pois centenas de bilhões já foram gastos nessas “Engenharias Regionais”. É preciso refletir, com juízo, sobre tudo isso, para apontar para o abutre que se alimenta com o atraso dos brasileiros. E ele, incrivelmente, tem seu grande ninho em Brasília, irradiando-se para o restante do país, com milhares e milhares de abutrezinhos.

    Rinaldo dos Santos

     

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