Convicção e oportunismo, por Roseli Martins Coelho

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Convicção e oportunismo, por Roseli Martins Coelho

Este é um excelente momento para se observar as movimentações da esquerda e da direita no cenário político brasileiro. A rigor, todos as organizações partidárias fazem parte do “capitalismo democrático”, que implica, evidentemente, levar em consideração os interesses dos capitalistas. Tarefa que é exercida de acordo com as possibilidades e os princípios de cada organização política, e que expressa o pertencimento a um dos dois recortes ideológicos, sobretudo no que diz respeito a interesses econômicos.

Entretanto, além das determinações da economia há outros esferas igualmente importantes para as vidas das pessoas que constituem o estado nacional. É neste ponto que se impõe a seguinte pergunta: por que o PSDB votou completo pela diminuição da maioridade penal?

A questão pode ser desdobrada de varias formas: foi o seu conteúdo “de direita” que levou o PSDB a votar de forma unânime na diminiução da idade penal? Quando está em discussão um tema não diretamente ligado a questões econômicas, o PSDB precisa necessariamente votar como um partido “de direita”?

Seria a diminuição da maioridade penal uma questão inerente ao arcabouço da direita como, por exemplo, a autonomia do Banco Central? Teria alguma relação com uma “margem desejável de desemprego”, como defendeu Armínio Fraga na campanha eleitoral? Se aprovada, a nova maioridade penal ajudaria anular a predominância do “terceiro mundismo” que, segundo os defensores dos Estados Unidos, predomina nas relações internacionais desde os governos do PT? Mudaria os termos da exploração do pré-sal, como tanto desejam os dois senadores paulistas do PSDB? Ou, quem sabe, transformaria o ajuste Dilma-Levy em um “sonho de consumo da burguesia”, num arranjo que cortasse unicamente direitos dos trabalhadores e, ao mesmo tempo, mantivessem intocados as desonerações e os incentivos concedidos aos empregadores.

Meras questões retóricas porque sabemos todos que nada disso está em jogo quando se trata da mudança da maioridade penal. Diante da aprovação da nefasta proposta, alguns observadores apontam um desvirtuamento do PSDB que, supostamente, surgiu como partido de centro-esquerda mas se aproximou da direita. A tal ponto, deve-se acrescentar, que não há mais diferenças perceptíveis entre a direita que se reorganizou no período da democratização e o partido que apoiou com entusiasmo a ampliação da terceirização das relações de trabalho e a diminuição da idade penal.

Estaria o PSDB mais sintonizado com a “vontade geral”? Pode ser. Afinal, pesquisas indicam que mais da metade da população gostaria que menores infratores fossem enviados para a prisão já a partir dos dezeseis anos. Resta ainda a explicação segundo a qual o PSDB votou favoravelmente à diminuição da maioridade penal porque o objetivo principal do partido era se colocar em perfeito acordo com Eduardo Cunha. Ou seja, afinar com o atual presidente da Câmara dos Deputados na sua campanha obscurantista contra a juventude negra e pobre seria, para o PSDB, apenas mais uma ofensiva contra o governo Dilma. Mera estratégia pontual e não a expressão de convicções.

E quanto ao PT? Dezenas de análises na imprensa apontam escândalos de corrupção e números ruins da economia como as causas do encolhimento da aprovação ao governo Dilma. Entretanto, é preciso reconhecer que fatores não considerados pelos analistas e pelos institutos de pesquisa, muito provavelmente, são igualmente importantes quando eleitores avaliam seus governantes.

Uma vez que o PT e o governo tinham pleno conhecimento de pesquisas registrando ao menos duas quedas na popularidade de Dilma, pode-se concluir que a decisão de se manter resolutamente contra a proposta de Cunha e do conjunto da direita tenha sido ditada por convicções. Ou melhor, ditada por princípios “de esquerda”, os quais marcam o partido desde o seu surgimento.

Ou seja, o PT não votou contra o retrocesso porque flerta com o suicídio eleitoral. O que ocorreu é que Dilma e o PT colocaram-se contra a maioria dos votantes na Câmara dos Deputados e, mais importante ainda, contra as fileiras do obscurantismo da mídia e da sociedade esperando reencontrar-se com a “opinião pública” em outro momento não tão impregnando pelo ódio.

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Roseli Martins Coelho é cientista política com doutorado em Filosofia Política e professora da FESPSP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo). Tem experiência na área de Ciência Política, com ênfase nos seguintes temas: representação política, democracia, estado e desenvolvimento, vida intelectual e ideologia, direitos de cidadania, desigualdade social, políticas públicas.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

2 Comentários

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  1. Dados sobre a ppularidade são manipulados

    “Dezenas de análises na imprensa apontam escândalos de corrupção e números ruins da economia como as causas do encolhimento da aprovação do governo Dilma.”

    Mais ou menos. A imprensa tem um papel preponderante aqui. Não fosse a repetida e surrada cobertura sensacionalista da crise (que ainda não se chegou a um consenso, se estamos vivemos recessão ou inflação), que foi claramente exacerbada, por intermédio da grande mídia.

    Não é preciso se esforçar pra concluir que as cúpulas da imprensa de massa não simpatizam com o PT ou Dilma, e fazem disso sua linha mestra editorial. É um pulo para as pesquisas de opinião ditarem o que os veículos querem: a queda da popularidade da presidente.

    Além desse que expus acima, há outros fatores, mas tudo está sendo inflado pela imprensa, pois atinge o governo.

  2. PSDB de direita?

    Quando está em discussão um tema não diretamente ligado a questões econômicas, o PSDB precisa necessariamente votar como um partido “de direita”?

    Claro que sim. Eles pensam desse jeito! Por isso são um partido coerente. Sem querer defender suas posições, pelo menos seguem algum credo. Pior fazem os partidos de ocasião que vendem seus votos em troca de benesses.

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