De quanta energia ainda poderemos dispor?

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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De quanta energia ainda poderemos dispor?

Por Almeida

Margarita Mediavilla, professora da Universidade de Valladolid, e uma equipe multidisciplinar de pesquisadores procuram responder essa questão, em estudo que foi apresentado pela professora num Congresso sobre o Pico do Petróleo, acontecido em Barbastro, Espanha.

Ela  comenta os resultados desse trabalho, assim como outro apresentado no mesmo congresso pelo pesquisador sueco Mikael Höök, numa postagem no blogue “Última llamada“. O estudo de sua co-autoria prevê o fim do crescimento contínuo do consumo de energia, verificado desde meados do século XVIII. Ela alerta para a crise energética mundial que se aproxima, que será vivenciada nas próximas duas décadas; defende a urgência de uma transição energética, para uma sociedade que não dependa dos combustíveis fósseis. Sobre esta transição, ela antecipa que não poderá se basear apenas em mudanças tecnológicas, que outras ferramentas serão necessárias e as descrevem como: “sociais, econômicas, políticas, etc., medidas que casam muito mal com a nossa economia de mercado e que vão exigir níveis significativos de consciência cívica e vontade política”.

Segue uma tradução livre da sua postagem.

De quanta energia ainda poderemos dispor?

A maioria dos estudos científicos indicam estagnação e posterior declínio da produção mundial de petróleo por volta de 2020, em torno de 2030 para o gás e cerca de 2040 para o carvão.

Os aumentos pífios na extração de petróleo que se têm verificado, desde 2006, são devidos ao uso, nos Estados Unidos e Canadá, do fracking e das areias asfálticas: tecnologias caras, poluentes e de baixo retorno energético.

Se esperarmos alguns anos, até estar totalmente seguros de que as previsões de geólogos se cumpram, estaremos em um cenário de energia escassa, crises econômicas e conflitos por recursos. Devemos começar a transição energética agora.

Marga Mediavilla
12/01/2015

O fato do preço do petróleo estar caindo nos últimos meses não deveria fazer-nos esquecer, de que a crise de energia continua avançando por baixo das flutuações do mercado. Mudanças tecnológicas e sociais profundas requerem décadas, a partir dessa perspectiva deveríamos ver a crise de energia: estudando o esgotamento dos combustíveis fósseis, décadas antes de seu início e buscando alternativas também com décadas de antecedência.

A melhor maneira de saber quanta energia realmente nos resta é desprezar o imediatismo da imprensa, junto com as declarações interesseiras das empresas de energia, e dar uma olhada na literatura científica. Para isso, o Segundo Congresso sobre o Pico do Petróleo, recentemente organizada pela UNED em Barbastro, é uma vitrine excepcional, que também está disponível nos vídeos e documentos arquivados em sua página na rede.

Neste congresso, o sueco Mikael Höök, um dos principais especialistas em petróleo e gás no mundo, forneceu dados científicos de 38 estudos de estimativas de esgotamento do petróleo, publicados até à data em revistas científicas sujeitas a revisão por pares, 18 publicadas para o gás natural e também 18 publicadas para o carvão. Os dados são exibidos em diferentes curvas devido à incerteza e cautela, que muitas vezes acompanham os resultados científicos, mas a maioria destas curvas indicam estagnação e posterior declínio da extração mundial de petróleo por volta de 2020, em torno de 2030 para o gás e cerca de 2040 para o carvão (Figuras 1, 2 e 3).

Além disso, já se podem verificar alguns fatos que confirmam essas previsões. A própria Agência Internacional de Energia reconheceu que o petróleo convencional – ou seja, o mais barato, de boa qualidade e fácil extração – atingiu seu limite máximo em 2006 e sua extração começou a declinar. Também pode ser observado nos dados históricos (Figura 1, linha preta) que a produção de petróleo está estagnada desde então (o que não é devido a uma falta de demanda pela crise econômica, uma vez que o consumo de carvão e gás natural continuou a crescer durante esse tempo a bom ritmo ─ as figuras 2 e 3), enquanto os aumentos pífios na extração de petróleo que se têm verificado, desde 2006, são devidos ao uso, nos Estados Unidos e Canadá, do fracking e das areias asfálticas: tecnologias caras, poluentes e de baixo retorno energético.

Figura 1: Estimativas de extração do petróleo de diversos autores aparecidas em revistas científicas revisadas por pares (fonte: M. Höök, II Congresso sobre o Pico do Petróleo, Barbastro 2014).

Figura 2: Estimativas de extração de gás natural de diversos autores aparecidas em revistas científicas revisadas por pares (fonte: M. Höök, II Congresso sobre o Pico do Petróleo, Barbastro 2014).

Figura 3: Estimativas de extração de carvão de diversos autores aparecidas em revistas científicas revisadas por pares (fonte: M. Höök, II Congresso sobre o Pico do Petróleo, Barbastro 2014).

Diante desses dados, a pergunta imediata é se existe energia alternativa, que possa preencher o vazio que vai deixar os combustíveis fósseis. O estudo que apresentamos – neste mesmoCongresso Barbastro – aborda esta questão e o faz com um modelo matemático que nos auxilia a reunir grande quantidade de  dados sobre combustíveis esgotáveis e energias renováveis. Este estudo utiliza curvas semelhantes às compiladas por Höök e também presta especial atenção aos ritmos de substituição. Não só nos interesa saber, por exemplo, se uma tecnologia renovável funciona, mas também se seremos capazes de implementá-la a tempo e se servirá para as aplicações nas quais hoje usamos petróleo, gás ou carvão. Embora a longo prazo ninguém pode saber como a tecnologia evoluirá, a curto prazo sim, sabemos que o seu desenvolvimento requer tempo e sua introdução no mercado também, de forma que podemos estimar até que ponto alternativas como a energia solar, a energia eólica, os biocombustíveis e os veículos eléctricos serão capazes de atender a demanda requerida, por uma economia global em contínuo crescimento, quando as energias fósseis se vão esgotando.

As conclusões que se extraem do nosso estudo não são muito promissoras. Uma das coisas que mais claramente observamos é que não temos tempo, para substituir o declínio do petróleo, especialmente no setor dos transportes. Hoje, praticamente todos o transporte mundial depende de combustíveis líquidos extraídos do petróleo e as possíveis alternativas, tais como veículos elétricos ou de hidrogênio, são muito débeis do ponto de vista tecnológico. Na Figura 4 se pode ver o resultado da comparação, entre a energia disponível para o transporte e a demanda requerida pela economia global em dois cenários: o BAU (business as usual, uma extrapolação das tendências atuais) e o cenário 2, um cenario “tecno-otimista” com forte desenvolvimento de alternativas, como os veículos híbridos, elétricos e de gás, combustíveis líquidos extraídos do gás e do carvão e um forte compromisso com a eficiência. Verifica-se que, mesmo no cenário mais otimista, as curvas de energia disponível e demanda para o transporte deixam de coincidir antes de 2020 (Figura 4). Não chegamos a tempo de evitar o declínio do petróleo nesta década, porque as alternativas não estão crescendo no ritmo necessário.

Também fica claro que o papel da energia nuclear é irrelevante. Por um lado, não é uma energia crítica, uma vez que fornece apenas 6% da energia comercial consumida e se utiliza somente para o setor que menos problemas tem (electricidade). Por outro lado, um desenvolvimento em grande escala da atual energia de fissão logo encontraria, o limite do esgotamento das reservas de urânio; além disso, tecnologias como a fusão ou as chamadas nucleares de quarta geração, não se prevê que possam estar no mercado nas próximas décadas e, portanto, não se inserem no nosso horizonte temporal do estudo.

O modelo também mostra que no setor da eletricidade, os problemas são menos prementes, uma vez que o declínio do carvão é um pouco mais tardio e existem tecnologias renováveis com potencial de desenvolvimento significativo (Figura 5). Ainda estaríamos a tempo de substituir boa parte do consumo mundial de eletricidade com energia renovável, mas para isso deveríamos começar a investir nesta década e, não sendo o elétrico um setor problemático no momento, corremos o perigo de não fazer os investimentos necessários.

Apesar de tudo isso, o modelo também mostra que a mudança climática não deixa de ser um problema. Ainda que alguns dos piores cenários de emissões previstos pelo IPCC não são compatíveis, com os limites de combustíveis fósseis, sim, existem cenários muito preocupantes que o são.

Os resultados que obtivemos com este modelo desenham um panorama muito mais sombrio, do que geralmente é visto nos meios de comunicação e, provavelmente, do que a maioria das pessoas tem em mente (inclusive mais pessimista do que pensávamos antes do estudo). Apesar de que nenhum modelo é um oráculo, nem deve ser tomado como tal, os modelos são ferramentas muito úteis, para mostrar os aspectos que permanecem ocultos, em meio a abundância de dados. É possível que as datas e os dados concretos que prevemos variem, devido aos erros que todo estudo leva consigo, mas isso muda muito pouco as conclusões básicas.

Os dados científicos apontam que, nas próximas décadas, o crescimento contínuo no consumo de energia que temos desfrutado desde meados do século XVIII vai acabar. Vamos ter que fazer uma transição, para uma sociedade que não dependa dos combustíveis fósseis e, cada vez mais cientistas, estamos alertando que isso não vai poder se basear unicamente em mudanças tecnológicas. Nesta presente década, para reagir face ao pico do petróleo, vamos ter de empregar ferramentas de todos os tipos: sociais, econômicas, políticas, etc., medidas que casam muito mal com a nossa economia de mercado e que vão exigir níveis significativos de consciência cívica e vontade política.

A crise energética é um dos mais importantes problemas que enfrentamos e não podemos esperar, que a escassez de energia seja evidente, para começar a resolvê-lo. Se esperarmos alguns anos, até que estejamos totalmente seguros de que as previsões de geólogos se verifiquem, estaremos em um cenário de baixa energia, crises econômicas e conflitos pelos recursos, no qual será muito difícil de investir em tecnologia e empreender medidas coletivas. Devemos começar a transição energética agora. Afinal, se nos adiantarmos e realmente houver mais energia fóssil do que nós cientistas dizemos, é muito pouco o que perdemos; mas, se chegarmos atrasados, o resultado será, sem dúvida, catastrófico.

Figura 4: Estimativas da energia de diversas fontes disponíveis para o transporte comparadas com a demanda sob dois cenários: BAU, que extrapola as tendências atuais e cenário 2, com forte desenvolvimento de tecnologias alternativas (Fonte: Capellán-Pérez, I. y col.  Fossil fuel depletion and socio-economic scenarios: An integrated approach. Energy, Volume 77, 1 December 2014, Pages 641–666 2014).

Figura5: Estimativas da energia de diversas fontes disponíveis para a geração de eletricidade comparadas com a demanda sob dois cenários: BAU, que extrapola as tendências atuais e cenário 2, com forte desenvolvimento de tecnologias alternativas (Fonte: Capellán-Pérez, I. y col.  Fossil fuel depletion and socio-economic scenarios: An integrated approach.Energy, Volume 77, 1 December 2014, Pages 641–666 2014).

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

14 Comentários

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  1. A Petrobras vai se dar muito bem

    Além de estar ampliando a sua produção de petróleo, abriu frentes na exploração de energia alternativa como biocombustíveis, eólica e outras.

    Saiba mais em:

    http://www.petrobras.com/pt/energia-e-tecnologia/fontes-de-energia/

    G1 – Primeiro parque eólico da Petrobras entra em …

    g1.globo.com/…/primeiro-parque-eolico-da-petrobras-entra-em-operaca…

    1 de nov de 2011 – O Parque Eólico de Mangue Seco, da Petrobras, passou a operar … para as usinas foram ofertados no primeiro leilão de energia eólica, …

     

    1. A volatilidade dos preços do petróleo não é boa para a Petrobrás

      A discussão aqui não é sobre se a corporação A ou B “vai se dar bem”, a preocupação é sobre o destino de sete bilhões de criaturas, que dependem do desempenho da sociedade industrial para sobreviverem. Convenhamos que essa quantidade de gente é cerca de cem mil vezes o número de empregados da corporação citada.

      Estima-se que para cada uma caloria que ingerimos, é necessário gastar outra de petróleo, “Comemos petróleo, embora não pareça”. Dificuldades de atender a demanda de combustíveis líquidos atrapalharão o comércio mundial, ficará difícil circular e distribuir mercadorias ao redor do mundo, inclusive os alimentos, bem como a própria produção destes, obtidos atualmente, em larga escala, de uma agricultura mecanizada dependente do petróleo para se mover e de insumos dele derivados. Hoje em dia, frangos produzidos no Brasil, assim como outros produtos agropecuários, dão uma volta ao mundo, para irem alimentar imensas populações do extremo oriente. Esta ‘sopa’ vai acabar, acho que isto dá a dimensão exata do que significa o colapso da agricultura industrial, representado pelo ocaso do petróleo, não podemos festejar tal tipo de coisa, porque uma determinada corporação “vai se dar bem” .

      As atuais cotações do barril de óleo estão derrubando projetos de extração mais cara de petróleo, como é o caso do petróleo do fracking no EUA. O gráfico abaixo ilustra a queda vertiginosa do número de equipamentos de perfuração contratados no EUA, depois do anúncio da OPEP, no final de novembro passado, de que não diminuiria a oferta de óleo, deixando os preços caírem livremente. Abaixo de cinquenta dólares o barril, projetos como o fracking no EUA, de areias asfálticas no Canadá, de óleos ultrapesados na Venezuela e de águas ultraprofundas na costa brasileira, todos enfrentam o risco da inviabilidade. Se amanhã a curva de preços reverter, devido a queda da oferta de petróleo em consequência da paralização de tais projetos, pesarão sobre estes projetos mais caros a incerteza da estabilidade de preços, o que difilcultará em muito a captação de recursos para se efetivarem, a não ser que os preços oscilem, para patamares mais altos do que estavam, antes dessa atual queda e voltem a atrair capitais de alto risco. A iminência do pico de petróleo provoca um “platô ondulante”, de preços e oferta de petróleo, é o que está a ocorrer.

      Veja no endereço a seguir os dados detalhados do gráfico:

      http://gis.bakerhughesdirect.com/Reports/StandardReport.aspx

      P.S.: Veja também: O fracking fraqueja.

  2. Pesquisa cerca-lourenço!

    Quando chegar á 2040,uma nova pesquisa cerca-lourenço dirá que o novo desastre será em:2100,2150,2200 ou…Bem tempo para enrolação há de sobra,um dia eles acertam.

  3. Energia e bens minerais finitos

    O estudo vem bem acalhar, pois existe uma tendência humana de achar que o mundo em que vivemos foi sempre desse jeito e continuará assim. No caso do petróleo levando em consideração que seja de origem organica, é um vem mineral com volume finito como todos os bens minerais, quando vai acabar ou quando foi ou será o pico de produção é um detalhe, mas muito importante. O que as pessoas não discutem é que o nosso modelo de sociedade/economia faz uso diario e intensivo de energia não renovavel que é o petroleo, o qual nada mais é que energia solar acumulada durante milhares de anos como hidrocarbonetos. Isto, é, em um unico dia a nossa sociedade usa milhares de anos de energia solar. E a conclusão é que não é sustentavel. Quanto a energia nuclear, as reservas de uranio que temos a nivel mundial durariam no maximo um seculo para suprir nossas demandas energeticas atuais neste modelo de sociedade/economia que temos.

    Em um adendo não relacionado diretamente ao topico, por favor não falem de mudança climatica antropomorfica, que não existe nenhuma evidência disso, como geólogo, indico estudarem melhor as mudanças climatica dos últimos 50.000 anos, não falo de milhões de anos, só os ultimos 50mil anos. O clima sempre mudou e sempre mudará independente de espécie humana, os humanos é que tem que se acostumar com isso, e parar de usar energia solar do passado de maneira desenfreada.

  4. Senti falta de um
    Senti falta de um posicionamento sobre as escolhas que se faz em gastar energia cpm quinquilharias, supérfluos, descartáveis, etc.. Ou será que é irrelevante- tanto a energia gasta como a opção feita?

    1. Corretíssimo, Evandro.

      É o que a autora fala sobre “medidas que casam muito mal com a nossa economia de mercado”. Todo esse modelo consumista e de obsolecência programada terá de vir abaixo, assim como a questão da deslocalização de indústrias e a concentração de capitais monopolistas. Que sentido tem exportar couro e importar sapatos da China? Exportar algodão e importar roupas de lá? Por que somos inundados com o ‘mijo’ engarrafado nas grandes fábricas da ambev, se temos fontes d’água de qualidade em todo território nacional e com elas  podemos fabricar, em pequenas cervejarias regionais, uma diversidade muito maior de marcas de qualidade?

      Para a lógica financeira do capital isso faz todo sentido, mas do ponto de vista energético é um extremo desperdício. O atual modelo só se sustenta, com os preços  da energia em baixíssimos custos e com todo o desperdício energético verificado. Antes de pensarmos em megawatts, devíamos pensar em negawatts.

  5. O Brasil já poderia ser

    O Brasil já poderia ser exemplo para o mundo com mais implantação de energia solar e eólica. Não faltam aqui muito sol e vento para abastecerem essas tecnologias. Dizem que saem muito caras, mas o custo-benefício deveria falar mais alto.

    1. Só que ele brilha apenas durante a metade do dia.

      Até menos, dependendo da estação do ano e se o tempo não estiver encoberto. Não sei se você ainda se deu conta disso, mas, como digo abaixo e aqui repito: a ignorância é uma benção.

      1. Saravá!A ignorância é realmente uma benção.

        Caro Almeida,de onde tirástes a idéia de que o Sol brilha somente metade do dia?Desde que nasceu a 4,5 bilhões de anos o Sol não deixou de brilhar 1milissegundo sequer,a noite é em um lado da Terra não do Sol.Espero que até o Sol apagar você tenha se livrado de vossa ignorâcia.

        1. Ah, sim.

          Você parece viver numa cidade que deve ficar em alguma estação orbital, voltada de modo permanente para o brilho do sol, deve imaginar também que toda humanidade viva desse modo. Mas, pela sua alienação, vejo que você escapou mesmo, foi de algum hospício. Volte para o seu tratamento, viu?

  6. Malthus outra vez?

    A curva ascendente da demanda em todos os cenários mostra que os autores do estudo enxergam oferta e demanda como como caixas estanques, subestimando os efeitos do risco da escassez – até mesmo via elevação de preços – sobre o aumento da eficiência tecnológica nos processos de produção e consumo de energia. Thomas Malthus subestimou a evolução tecnológica no início do século XIX e errou feio em suas previsões catastrofistas. Mas até mesmo o pessimismo exagerado tem sua importância na construção do futuro, desde que não seja orquestrado para beneficiar interesses específicos como acontece na atual conjuntura midiática brasileira. Então que venham as projeções sombrias: melhor prevenir …

    1. Gui, a equipe que fez o estudo inclui pelo menos um economista.

      Prezado,

      Os nomes dos pesquisadores são: Iñigo Capellán‐Pérez, Margarita Mediavilla, Carlos de Castro, Óscar Carpintero (Departamento de Economía Aplicada, Facultad de Ciencias Económicas, Universidad de Valladolid) e Luis Javier Miguel. O trabalho pode ser baixado em: http://www.eis.uva.es/energiasostenible/wp-content/uploads/2014/09/Capellanetall2014_esp.pdf

      Eles projetaram a curva, certamente  levando em conta o paradoxo de Jevons, que descreveu o fenômeno em “A Questão do Carvão”, que diz que o melhoramento tecnológico, ao aumentar a eficiência do uso da energia leva ao aumento da demanda de energia, dessa forma anula o efeito de melhoria da eficiência. Observe a curva da demanda histórica de energia até hoje. Ora, houve aumento de eficiência em todos esses anos passados, mas nem por isso a demanda caiu, ela seguiu sua tendência histórica ascendente. Funciona mais ou menos assim: sabe aquele consumidor que comprava décadas atrás um carrinho 1.0 para economizar na gasosa? Pois é, com motores mais eficientes ele pulou para um 1.3 e o cara que usava 1.3 passou para 1.6 e assim por diante.

      Mas a respeito da eficiência existe mais uma coisinha. Há mais de quarenta anos atrás, eu vi um cálculo de rendimento teórico de um grande transformador de potência elétrica, era em torno de 99,4 %; não me preocupo em saber quanto rende um transformador equivalente atual, porque sei que a melhoria de rendimento é insignificante. Motores elétricos comerciais de quarenta anos atrás tinham rendimentos nominais por volta de 88 %; motores elétricos comerciais de alto desempenho atuais alcançam rendimentos nominais  em torno de 92 %; é impossível estes rendimentos melhorarem no futuro em mais de 10 %, que é um ganho pouco significante.

      É necessário, e está passando da hora, os economistas entenderem que as tecnologias e seus melhoramentos têm limites, nada pode ser melhorado com ganhos expressivos indefinidamente; que a água nas condições ambientes sempre ferverá a 100°C e necessitará de mil calorias para cada litro aumentar a temperatura de 1°C; para bombear 12 mil litros para uma caixa d’água, a 30 metros de altura, será preciso a energia útil de 1 kilowatt.hora; existem coisa que são inalteráveis. Produzir é um ato de transformar o mundo material e este mundo é delimitado pela física. Da mesma forma, a riqueza extrativa mineral da natureza é limitada pela geologia.

      Há 60 anos  atrás, praticamente todo petróleo do extraído no mundo vinha de poços perfurados em terra firme e uma quantidade muito menor sob lagos ou águas litorânes rasas;  petróleo pesados (de alta viscosidade) ou contidos em rochas compactas de baixa porosidade, localizados nessas regiões, não eram explorados; esse tipo de exploração dessa época são chamados de petróleos convencionais, que desde 2006 estão em declínio exploratório no mundo. Petróleo é uma substância de altíssima densidade energética e de enorme versatilidade, não há no horizonte nenhum substituto com suas qualidades; intensamente explorado, seu esgotamento e declínio está previsto em curtíssimo prazo. Não se acham suficientemente novos campos de tipo convencional, para compensar a queda de produção dos campos antigos, em consequência, a exploração de petróleo se deslocou para fontes não-convencionais de petróleo, que são: águas profundas, petróleos pesados, óleos de areias asfáticas e petróleos de rocha de baixa porosidade, explorado com a técnica do fracking. São limites impostos pela geologia.

       Para se retirar um material energético da natureza é preciso gastar energia (uma delimitação da física); há 60 anos, estimava-se que um poço de terra firme no Texas demandava um barril de petróleo equivalente de energia, para retirar 50 barris de óleo do solo; hoje estima-se que para cada 4 barris de óleo de areia asfáltica, é gasto a energia 1 barril equivalente de petróleo. Em resumo: o saldo líquido de 100 barris convencionais retirados antigamente era de 98 barris; o saldo líquido de 100 das areias asfálticas é de 80 barris. São taxas de retorno energético (TRE) desiguais. Houve uma queda de eficiência da energia retirada do petróleo determinada pela geologia. Energeticamente, os petróleos não-convencionais são menos eficientes; na medida que eles representarem parcelas maiores do petróleo extraído, a produção total irá perdendo a eficiência; uma queda geral da TRE do petróleo, outros energéticos apresentam o mesmo fenômeno.

      Por fim, está na hora dos economistas entenderem que o mundo é finito, que nada cresce perpetuamente sobre uma terra finita, a não ser coisas como a ganância capitalista e a imaginação abstrata daqueles economistas, que dão lustro ideológico para tal ganância. A postagem fala que há dois séculos e meio, o consumo de energia veio crescendo de modo contínuo e que isto não será mais possível. Foi esse crescimento que permitiu o aumento da ‘produtividade’, a que você cita que burlou as pessimistas previsões de malthusianas. Mas o crescimento histórico do consumo de energia não pode prosseguir indefinidamente, sob dois aspectos.

      Do ponto de vista histórico, se seguirmos no mesmo ritmo dos últimos séculos, daqui a quatro séculos, a economia dos homens dispersará tanta energia na face da Terra, quanto esta recebe do Sol; reproduziríamos aqui as condições da atmosfera de Vênus e não seria possível vida na Terra. Em algum instante teremos de parar, há um teto para economia. Isto traz uma ideia de limite, que é incompatível com a ganância do sistema e as abstrações alienadas dos seus economistas.

      Do ponto de vista geológico: Acabou a Festa! Não há mais fontes energéticas abundantes e baratas para serem exploradas, elas entraram em fase fase final de esgotamento, de declínio quantitativo e qualitativo (queda da TRE);  os recursos de mais alta qualidade já foram queimados, vamos agora para a rapa do tacho. Estamos queimando os últimos recursos acumulados na natureza, em processos de acúmulos de duração geológica, sem chance de se reporem no nosso tempo, que vão pouco a pouco perdendo sua eficiência. O futuro energético  não se limitará a estagnação da oferta de energia, haverá retração forte da oferta, que levará a queda da ‘produtividade’, aquela que burlou as previsões malthusianas.  Olha, sei não, mas, desgraçadamente Malthus vai rir por último.

      Um abraço.

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