Decisão reconhece direito de Lamarca a promoção e quebra tabu da ditadura

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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do Estadão

Tribunal reconhece direito de Lamarca a promoção

Roldão Arruda

Capitão, executado em operação da ditadura em 1971, será promovido post mortem à patente de coronel, com proventos de general de brigada

Com Fausto Macedo

Em decisão histórica, o Tribunal Regional Federal da 3.ª Região reconheceu o direito à promoção do capitão do Exército  Carlos Lamarca, morto durante a ditadura militar. Ele será promovido a coronel, com proventos de general de brigada (duas estrelas).

A sentença põe fim a um tabu das Forças Armadas, segundo o qual o militar seria um desertor, sem direito a promoções. A ação judicial vinha tramitando, com idas e vindas, desde 1993.

Lamarca morreu no dia 17 de setembro de 1971, aos 34 anos de idade. Foi executado no sertão da Bahia, no município Brotas de Macaúbas, após ter sido cercado por agentes da chamada Operação Pajuçara, sob o comando da 6.ª Região Militar.
19Lamarca

Dois anos antes ele havia abandonado suas atividades no 4.º Regimento de Infantaria, em Quitaúna, município de Osasco, na Região Metropolitana de São Paulo, para juntar-se a grupos de esquerda que propunham a resistência armada à ditadura. Com um histórico militar brilhante, no qual era apontado como “disciplinado e disciplinador”, fez parte do movimento conhecido como Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).

Agora, em votação unânime, uma das sessões da corte federal acolheu ação rescisória movida pela família de Lamarca, a viúva Maria Pavan Lamarca, de 77 anos, e os filhos do casal, César e Cláudia, contra sentença de primeiro  grau que não havia reconhecido o direito à promoção após a morte do oficial.

O relator foi o desembargador José Marcos Lunardelli. Seu voto foi acompanhado pelos outros magistrados da sessão.

“Reconhecemos a promoção (de Lamarca) ao posto de coronel, com soldo de general de brigada, tal como a Comissão da Anistia declarou”, observou o desembargador Lunardelli. “A decisão seguiu o que já havia sido declarado na esfera administrativa.”

O relator esclareceu que na primeira instância já havia sido reconhecida a condição de anistiado de Lamarca, mas não o direito às promoções post mortem. “Reconhecemos esse direito à família”, declarou.

A sentença de primeira instância também havia limitado os efeitos financeiros da medida a partir da Constituição (1988). A ação rescisória, contra a sentença da 7.ª Vara Federal de São Paulo, de 1993, buscou corrigir aquele bloqueio da promoção, com base no artigo 8.º do Ato de Disposições Constitucionais Transitórias.

A 7.ª Vara reconheceu expressamente que Lamarca não foi um desertor, mas caiu na clandestinidade porque sofria ameaças no quartel. Aquele decisão limitou, no entanto, a promoção até o posto de capitão – para efeitos de indenização e pagamento de pensão para a viúva.

RECONHECIMENTO

A advogada da família, Suzana Angélica Paim Figueredo, do escritório Luiz Eduardo Greenhalgh, sustentou na ação  rescisória que o Ato de Disposições Transitórias não impunha limites às promoções.

A rescisória foi ajuizada em novembro de 2006, visando apenas um ponto: o direito à promoção sem obstáculos até o posto de general de brigada. “Um julgamento dessa natureza, além de se fazer Justiça, representa um respeito às práticas das normas constitucionais, notadamente da anistia”, comemorou Suzana Figueredo.

Para Suzana, o voto do relator Lunardelli “dá a exata dimensão do fortalecimento da Constituição, do ponto de vista jurídico”.

“Do ponto de vista político e histórico, a decisão do Tribunal é extraordinária. É  o reconhecimento da luta daqueles que se colocaram corajosamente contra a ditadura, dos cidadãos iguais a Lamarca”, argumenta a advogada.

Lamarca foi beneficiado inicialmente pela Lei da Anistia, de 1979. Mais tarde, em 1996, por meio de processo na Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, o Estado brasileiro reconheceu sua responsabilidade pela morte do militar; e determinou o pagamento de indenizações à família. Por essa época, a viúva e os filhos já vinham tentando obter na Justiça o direito a promoção.

No julgamento do caso na Comissão Especial, o general Oswaldo Pereira Gomes, que fazia parte do grupo, votou contra o reconhecimento da responsabilidade do Estado e do pagamento de indenizações. O jurista Miguel Reale Jr., que presidia o grupo, destacou que Lamarca foi vítima de execução. “Havia nas circunstâncias pelo domínio da situação por parte das forças do Estado, que poderia facilmente prender a ambos os guerrilheiros ao invés de tê-los abatido a tiros.”

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

9 Comentários

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  1.  
    Este militar, como tantos

     

    Este militar, como tantos outros conterrâneos nossos, que, por suas ações em defesa dos brasileiros e do seu País tombaram assassinados. Quando não, abatidos sob tortura. E, o pior, suas biografias vilipediadas tendo seus nomes submetidos a execração pública pelos poderosos de plantão.

    Com o inexorável passar do tempo, os que não se omitiram, começam a ter reabilitada suas verdadeiras histórias. Tornando-se referência para os jóvens e, fatalmente, para desassossego dos reacionários, serão cultuados como herois. Tem sido assim relatada, a marcha da humanidade.

    O nome do oficial do exército, Carlos Lamarca, ficará na história como um homem dígno, o que realmente foi. Enquanto aos  traidores e golpistas de 64, seus algozes, restará o opróbrio e a vergonha para seus herdeiros.

    Orlando

  2. EST

    Lembro-me bem de o Jornal Nacional reproduzindo as palavras macabras de um oficial dos seus algozes, protegido pelo anonimado da câmara, lendo um texto que dizia mais ou menos o seguinte –

    LAMARCA TRAIU A PATRIA

    LAMARCA TRAIU A FAMILIA

    ELE ESTA‘  …   MORTO!!!!

     

    1. Carlos Lamarca
      Essa Rua agora vai mudar de nome. Não como gostaria alguns Ditadores e seus comparsas, mas vai mudar para fazer justiça à um dos melhores, correto e destemido militar brasileiro de todos os tempos. EssE logradouro se chamará Rua General Carlos Lamarca. Viva!

  3. Dentre outros tantos Carlos …

    Dentre outros tantos Carlos que foram “gauche” na vida, Lamarca ousou lutar. Sucumbiu como Che, executado quando não oferecia nenhum perigo aos que o capturaram.

    Já se vão quarenta e três anos.

    Que a justiça tarde, já estamos acostumados. Agora, que ela não falhe, isso é novidade.

    Quando os militares reconhecerão, de forma clara, afinal, por seu comando, as atrocidades cometidas por vários, mas não todos os seus membros, contra o povo brasileiro?

    Viva Lamarca!

    Em homenagem ao agora Coronel Lamarca, o grande Sérgio Ricardo compôs “Tocaia”, cuja letra copio, com prazer. Infelizmente, a música propriamente dita (que é muito bonita, também!) eu não consegui trazer para cá, digamos assim. 

    TOCAIA

    Baixava a noite na mata
    E havia um pressentimento
    Te cuida, te esconde
    Apaga o teu rastro do chão

    Havia mais que o silêncio
    Na noite passada em claro
    Batia no peito
    O medo do amor se perder

    De mais a mais tanta coisa
    Ficando torta, morta, solta
    Por onde ir amanhã
    Rochedo contra as águas
    Na brisa a pólvora no ar
    Recado contra as mágoas
    Do sonho tido em fração de tempo
    Nunca sabido nem desvendado
    Correndo em seta pelas picadas
    Tropeçando cai nos braços dela
    Nos beijos dela
    No colo dela
    No pranto dela

    Não era noite nem dia
    Era um tempo sem cor nem hora
    Tocaia, tocaia, tocaia
    E Lamarca a traição

    Cravado por mil centelhas
    Era o medo matando um homem
    Não mata, não mata, é amado
    E ninguém quis ouvir a voz
    Nasce o sol
    Na mata um boi desembesta
    E corre sem parar
    Ê boi
    Fasta revivência.

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