Defensoria homenageia Alckmin no aniversário das mortes de maio de 2006

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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por Mães de Maio
 
Manifesto: Por que rompemos com a Defensoria Pública de São Paulo? – ou “Quem não reagiu está morto!”
 
Periferia-SP, Outubro de 2016

Nós recebemos com perplexidade, justamente na semana de aniversário de 10 anos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, a notícia de que ela irá homenagear nesta ocasião o Governador do Estado de São Paulo, Sr. Geraldo Alckmin (goo.gl/xkpLVg). A notícia nos causou ainda maior estranheza, indignação e revolta não apenas pela escolha logo deste controverso homenageado, mas também por ter sido tornada pública quase que simultaneamente à recente decisão do TJ-SP de anular o processo do Massacre do Carandiru, em pleno 24º aniversário do massacre, seguindo relativamente a orientação do Desembargador relator do caso, Sr. Ivan Sartori, o qual teve a ousadia de afirmar que “não houve [o Massacre do Carandiru]. Houve legítima defesa”.

A Defensoria Pública do Estado de São Paulo, que foi criada tardiamente por aqui – se comparada com outras Defensorias estaduais pelo país afora, foi implantada em terras paulistas justamente no ano em que ocorreram os “Crimes de Maio de 2006” – o maior massacre estatal da história contemporânea do Brasil. Um caso trágico e emblemático de lesa-humanidade, com a participação direta do Sr. Geraldo Alckmin, como todos sabem. Uma matança em série que, segundo o testemunho de diversos Defensores, tratou-se do primeiro grande desafio institucional e jurídico do órgão, então recém-criado. 
De nossa parte, até mesmo em razão da atuação que a Defensoria sempre disse/aparentou ter em relação aos nossos casos de Maio/2006, e de todos os dias/anos subsequentes – a defesa das vítimas e familiares, a luta por justiça, pela devida indenização e reparação frente a cada caso, enfim… – para nós sempre foi uma instituição muito cara. Por isso sempre buscamos fortalecê-la institucional e politicamente, ser parceiros, e até defendê-la frente aos recorrentes ataques de diversos setores sociais. Nos recordamos, por exemplo, das várias viagens que fizemos, e atividades que participamos, em cidades do Vale do Ribeira (de Itariri a Registro) para estimular a criação de unidades locais da Defensoria naquela região sofrida e necessitada; ou das diversas mobilizações e atividades que participamos nos últimos anos, junto à Pastoral Carcerária – CNBB, para acelerar a criação de Defensorias Públicas em outros estados, como em Santa Catarina; ou ainda, num exemplo mais recente, frente às tentativas do Sr. Deputado Estadual Campos Machado (PTB-SP), entre outros, de constranger judicial e criminalmente a Defensoria, há alguns poucos meses atrás: de novo estávamos lá, ao lado do quê acreditávamos ser o correto e justo, nos posicionando publicamente contra quem buscava combatê-la.

Por isso escolhemos a DP-SP como parceira institucional para que ela, não somente através de alguns Núcleos e Defensores específicos, individualmente, mas enquanto instituição pública, fosse a responsável por levar a cabo as principais ações judiciais e indenizatórias dos nossos casos específicos – e de todos os emblemáticos Crimes de Maio de 2006, junto às diversas instâncias nacionais e internacionais de Justiça que nós acionamos nesse período. Como, por exemplo, fizemos junto à Defensoria na ocasião do Pedido de Federalização (Instrumento de Deslocamento de Competência) que protocolamos, em 2010, referente aos Crimes de Maio de 2006, junto à Procuradoria Geral da República (goo.gl/G1FyFq); e como voltamos a fazer em parceria com a DP-SP, em março de 2015, para entrada de ação judicial na Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA (goo.gl/waBrhg), cobrando responsabilidades do Estado Brasileiro pelos Crimes de Maio. 

Agora, coloquem-se em nosso lugar…

Como proceder diante da notícia de que a instituição que contávamos com o mínimo necessário de Autonomia, Independência e o devido Respeito às suas atribuições institucionais, como parceira prioritária em nossa defesa nas AÇÕES/JULGAMENTOS EM PLENO CURSO CONTRA O GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO PAULO, SR. GERALDO ALCKMIN, DESCOBRIR QUE ESTA MESMA INSTITUIÇÃO ESTÁ HOMENAGEANDO A PARTE CONTRÁRIA DE NOSSAS AÇÕES, com toda a pompa e circunstância, exatamente no seu décimo aniversário?! 

Como confiar, daqui em diante, que teremos o devido compromisso e a dedicação institucional e profissional necessárias por parte da Defensoria Pública, nestas ações contra o referido Governa-dor?! Como ter a certeza de que a DP-SP levará até as as últimas devidas consequências de Responsabilização (por Justiça) os comandantes e mandantes dos Crimes que nos vitimaram, se ela própria, com a outra mão, passa o pires por recursos adicionais junto a este mesmo Governador – fato que já sabíamos, e acompanhávamos com toda a natural preocupação; e agora resolve homenageá-lo formalmente, com tal alarde e glamour, nos marcos do aniversário da sua primeira década de existência?!

O que esperar de uma instituição que, mesmo sabendo do notório histórico de aprofundamento de violações de Direitos Humanos praticados por este Governador e o seu grupo político, ao longo desses últimos 10 anos de existência da DP aqui no Estado de São Paulo – bastaria nos atermos aos índices genocidas de aumento do encarceramento em massa e das milhares de execuções sumárias praticadas por policiais comandados por Alckmin, infindáveis casos que recaem cotidianamente às mesas dos “Defensores”: mesmo assim ela aplaudir logo este Genocida?!

Emblemático sinal dos tempos uma instituição que, em tese, deveria ser uma “Defensoria Pública”, mas na prática é não apenas Conivente, mas também Legitima e até Homenageia o principal responsável por um Genocídio em pleno curso… 

Diante disse, para nós não resta alternativa senão retirar imediatamente toda e qualquer das ações judiciais, indenizatórias e demais parcerias institucionais de nosso Movimento Independente junto à Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Com todo o respeito à atuação individual de alguns Defensores e Núcleos específicos, que sabemos inclusive não compactuar com tal posicionamento. Vocês – que sabem exatamente quem são – nós sempre os respeitamos e seguiremos respeitando agora ainda mais, pois está claro que se contrapõem também à própria atual gestão da Instituição que deveria assegurar-lhes a devida “independência funcional” (assim está na Lei que institui a Defensoria, não?) para conseguirem exercer tranquila e plenamente suas atribuições profissionais, seu devido serviço público. Mas, de nossa parte, o posicionamento submisso, e indecente até, da instituição DP-SP, inclusive do ponto de vista das suas atribuições constitutivas, institucionais e dos próprios processos jurídicos dos quais é parte ativa como Defesa constituída – EM PLENO CURSO, CONTRA A PARTE AGORA HOMENAGEADA, nos força a um posicionamento claro e contundente de rompimento total com esta instituição; de anulação da constituição da Defensoria Pública de São Paulo como nossa defesa advocatícia, por nós até aqui assim constituída; e o consequente repúdio a todos os Defensores que conceberam, participaram e/ou compactuaram com tal vergonhoso posicionamento.

Sobre tais “profissionais” “defensores”, cabem algumas palavras adicionais: são todos concursados, têm estabilidade plena e vitalícia, um salário mensal relativamente confortável (frente a enorme maioria da população brasileira), direito a diversos tipos de bônus e outras ajudas de custo adicionais e funcionais, contam com estrutura, assistências de diversas áreas, outros recursos complementares (financeiros, logísticos e tecnológicos), e mesmo assim não têm a dignidade de zelar pelo mínimo de INDEPENDÊNCIA E AUTONOMIA – que deveria ser uma prerrogativa funcional e profissional básica para se exercer plena e devidamente o serviço público para/com a população, pelo qual são contratados e por quem são devidamente contratados/remunerados, por nós, a população…. Covardia: não tem outra palavra.

Se até mesmo a Defensoria e certos “Defensores” se prestam a este papel totalmente covarde e submisso, esperar o quê de todo Sistema de Justiça aqui em SP? Pois nós, sim, recorremos ao nosso direito à Legítima (Auto)Defesa: afinal há um Massacre efetivo em todas estas instituições (Magistratura, TJ-SP, MP-SP, e agora está claro para nós, também na DP-SP).

Do lado de cá, de nossa parte, continuamos a ver e a conviver diariamente com uma multidão crescente de mães e familiares de vítimas como nós, dos mais variados tipos de violação deste Estado Genocida e deste genocida Governador – agora homenageado por esta Defensoria Pública (sic)… Na maioria das vezes fazendo nós, sem qualquer mínima condição (nem o devido apoio), o trabalho pelo qual estes “defensores” “servidores” (públicos ou do governador?!) são devidamente pagos e aparelhados para (supostamente) fazer – e não fazem, se omitem, e até aplaudem – como vemos – as inúmeras violações cometidas cotidianamente contra nós… Estamos fadadas/os a seguir peregrinando, sem fim, a nossas próprias custas e entregues a nossa própria sorte, pelas infindáveis filas, instâncias e demais humilhações lombrosianas e kafkianas destas instituições burocráticas racistas todas, massacrantes de fato, atrás do mínimo de Justiça, de Reparação, e de nossos Direitos mais básicos, agora sabendo claramente não poder contar com – nem mesmo – esta instituição em nossa defesa.

Mais do que isso, hoje avançamos numa profunda autocrítica: durante esses anos todos que buscamos defender e fortalecer a Defensoria Pública de SP, o resultado que colhemos – para além da melhoria das suas condições de trabalho, e também a ampliação de alguns privilégios de muitos ditos “Defensores”, totalmente descomprometidos, deve-se dizer – para nós e nossos coletivos, na prática, isso significou o enfraquecimento de nossa Luta por Direitos, como fica explícito nesta “Homenagem”. Em contrapartida, temos assistidos é aos nossos algozes, ao fim e ao cabo, serem eles os homenageados e os realmente fortalecidos pela instituição que se dizia nossa parceira – parte favorável a nós. E de quem nós também éramos parceiras: que grande erro!

Que tal posicionamento explícito / esta homenagem pública ao Sr. Governador Genocida, um verdadeiro e derradeiro tapa em nossa cara, seja ao mesmo tempo uma devida lição para nós, nossos movimentos sociais e demais organizações populares que, nalgum dia, cultivamos alguma ilusão sobre a Defensoria Pública (sic) do Estado de São Paulo… RIP. 

Na esteira e a exemplo do TJ-SP e de seu Desembargador, Sr. Ivan Sartori, frente às – no mínimo – 6.963 pessoas assassinadas por agentes do estado entre 2006 e julho de 2016; ao salto de cerca de 140 Mil para cerca de 230 Mil pessoas encarceradas aqui no estado (de 2006 a 2016), os inúmeros despejos em massa, entre tantas outras violações comandadas por Alckmin e sua gangue, a Defensoria Pública de São Paulo afirma à sociedade: “Não há Massacres. Há Legítima Gestão”. Ou seja: escolheram o lado do Genocida que nós seguiremos acusando, autonomamente. Sem deixarmos de seguir fazendo, agora com fôlego e determinação redobrados, as legítimas cobranças sobre as funções da instituição, como os movimentos populares fazemos em quaisquer órgãos, sempre buscando o acesso aos nossos direitos e à justiça.

Convidamos, assim, todos/as vocês e suas respectivas organizações que possam compartilhar do mesmo sentimento de indignação, revolta e repúdio, a coassinarem conosco, nem que seja apenas em solidariedade, esta humilde nota-desabafo-manifesto. Agradecemos desde já.

Mais do que nunca, daqui em diante tem que ser Nós por Nós mesm@s!

MOVIMENTO INDEPENDENTE Mães de Maio

PASTORAL CARCERÁRIA NACIONAL

Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência – RJ (em solidariedade)

Fórum de Juventudes do Rio de Janeiro (em solidariedade)

Brigadas Populares – São Paulo (em solidariedade)

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

3 Comentários

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  1. É interessante saber que há

    É interessante saber que há os que absolveriam os nazistas alemães que mataram seis milhões de judeus porque não seria possível individualizar os assassinos (um dos argumentos absolutórios de Sartori). Vá lá que estes que absolveriam os nazistas e os assassinos brasileiros no massacre do Carandiru tenham razão. Se não se pode condenar os que mataram fisicamente nossos irmãos judeus na Alemanha e os que mataram nossos irmãos brasileiros na cidade de São Paulo, pode-se e tem-se, porém, de condenar os que mandaram matar. Vejamos por quê.

    Os assassinos no caso da matança do Carandiru estavam organizados segundo tropa, armados com armas letais e treinados para matar (veja-se que eles poderiam ter entrado no presídio com armas não letais, mas o comando da tropa optou por usar armas letais). Por comporem uma tropa, tinham o dever de obedecer, pois esta é a principal virtude da tropa: obedecer. Para tropa, mais importante do que vencer contendas, é obedecer, pois soldado, em última análise como se sabe, é bucha de canhão, mesmo.

    Quem conhece minimamente organização e treinamento militares, sabe que ambas buscam tornar a tropa executora cega de ordens, busca fazer com que reaja a elas sem reflexão crítica, sem hesitação, portanto. Embora composta de pessoas, a tropa é instrumento irracional de seu comandante, como se fora um tanque de assalto. Não se pode, por isto, presumir que a matança tenha acontecido porque a tropa saiu de controle, não saiu. A tropa matou porque obedeceu ordens para matar de seu comandante, como foi treinada para obedecer. A tropa recebeu ordens para matar, matou porque a mandaram matar.

    Analogamente, tal aconteceu na Alemanha nazista na matança de nossos irmãos judeus, matança que foi conduzida por organizações militares, paramilitares e civis regidas todas pela obediência estrita às ordens, tal como a tropa assassina do Carandiru. Na Alemanha, houve punições.

    Também na Alemanha surgiu a Teoria do Domínio do Fato que se aplica perfeitamente aos casos alemão e paulistano aqui mencionados. Nestes casos, sim, por serem as assassinas organizações formais, rigidamente hierarquizadas, centradas na obediência às ordens (cujo descumprimento enseja punições severíssimas), os comandantes têm pleno domínio do fato e têm de ser punidos. Tais comandantes são cabos, sargentos, tenentes, capitães, majores, coronéis etc. ligados diretamente à tropa assassina, bem como o comandante da polícia militar, secretário de segurança e o governador de São Paulo, referidos todos à época dos homicídios.

    Voltando agora à questão da individualização das culpas dos soldados: só ignorância ou má-fé podem explicar a tese absolutória por impossibilidade de individualização dos assassinos. Nas tropas, sabe-se que armamento cada soldado recebeu, que tipo e quanto de munição lhe foram dados, quanto dessa munição foi gasta e quais ações desempenhou. Os comandantes da tropa sabem o que cada soldado fez, e têm de saber, pois se a tropa fizesse o que quisesse, a cadeia hierárquica seria assassinada pelos soldados que pouco diferem de cães de matilha treinados para matar. Se não foi possível, como dizem, sob a ótica judiciária, individualizar os soldados assassinos, tal aconteceu porque os comandantes da tropa no evento sonegaram, da Justiça, informações sobre os culpados dos assassinatos.

    Em suma, a tropa assassina do Carandiru, dos soldados ao governador, é culpada e se exige que seja punida exemplarmente, desde os comandantes dela que obstruíram a ação da justiça impedindo a individualização dos soldados assassinos e que ordenaram a matança, até cada soldado homicida.

    O comando de São Paulo é o câncer do Brasil com metástase em Curitiba.

  2. É assim mesmo…

    o obama recebeu um nobel da paz e fomentou trocentas guerras mundo afora nestes anos todos. Hoje homenageiam-se os carrascos, é hipocrisia na veia.

  3. E qual é a razão?. Por quê?

    homenagear esse governador?.

    Há 20 anos que a Tucanalha desgoverna SP. Desde o início que fecham escolas, diminuem recursos para Saúde, Educação e Segurança Pública (me vem à lembrança que desde o início da era Tucanalha que houve determinação para que as viaturas da PM permanecessem paradas em locais pré-determiados (como em frente Delegacias, por exemplo) para economizar gasolina. Desde o início quebraram o Estado.

    No entanto, sempre teve de sobre dinheiro para publicidades e assim doar fortunas para os barões da grande mídia:

    LER AQUI: http://namarianews.blogspot.com.br/

    AQUI: http://www.redebrasilatual.com.br/blogs/helena/2016/02/alckmin-usou-em-2015-r-3-37-milhoes-da-educacao-em-assinaturas-de-jornais-e-revistas-dos-amigos-6541.html

    AQUI: http://www.diariodocentrodomundo.com.br/alckmin-aumenta-em-30-gastos-com-publicidade-entre-2011-e-2015-e-esconde-quanto-ganhou-cada-empresa-de-midia-por-kiko-nogueira/

    HÁ MUITO MAIS DENÚNCIAS contra esse governo criminoso

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