Desculpe o transtorno, preciso falar da Clarice, por Gregório Duvivier

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Catarina Bessell/Folhapress

Jornal GGN – Duvivier fala ao coração. Fala ao coração ao contar seu encontro com Clarice, seu casamento, as parcerias infinitas e, o que mais toca, o fim. Mas Clarice foi, antes de mais nada, a grande história dentro do coração de Duvivier, e o relato emociona. Sem delongas, vamos ao texto.

Desculpe o transtorno, preciso falar da Clarice

por Gregorio Duvivier

‘Parece que, pra sempre, ela vai fazer falta’.

Conheci ela no jazz. Essa frase pode parecer romântica se você imaginar alguém tocando Cole Porter num subsolo esfumaçado de Nova York. Mas o jazz em questão era aquela aula de dança que todas as garotas faziam nos anos 1990 –onde ouvia-se tudo menos jazz. Ela fazia jazz. Minha irmã fazia jazz. Eu não fazia jazz mas ia buscar minha irmã no jazz. Ela estava lá. Dançando. Nunca vou me esquecer: a música era “You Oughta Know”, da Alanis.

Quando as meninas se jogavam no chão, ela ficava no alto. Quando iam pra ponta dos pés, ela caía de joelhos. Quando se atiravam pro lado, trombavam com ela que se lançava pro lado oposto. Os olhos, sempre imensos e verdes, deixavam claro que ela não fazia ideia do que estava fazendo. Foi paixão à primeira vista. Só pra mim, acho.

Passamos algumas madrugadas conversando no ICQ ao som de Blink 182 e Goo Goo Dolls. De lá, migramos pro MSN. Do MSN pro Orkut, do Orkut pro inbox, do inbox pro SMS.

Começamos a namorar quando ela tinha 20 e eu 23, mas parecia que a vida começava ali. Vimos todas as séries. Algumas várias vezes. Fizemos todas as receitas existentes de risoto. Queimamos algumas panelas de comida porque a conversa tava boa. Escolhemos móveis sem pesquisar se eles passavam pela porta. Escrevemos juntos séries, peças de teatro, filmes. Fizemos uma dúzia de amigos novos e junto com eles o Porta dos Fundos. Fizemos mais de 50 curtas só nós dois —acabei de contar. Sofremos com os haters, rimos com os shippers. Viajamos o mundo dividindo o fone de ouvido. Das dez músicas que mais gosto, sete foi ela que me mostrou. As outras três foi ela que compôs. Aprendi o que era feminismo e também o que era cisgênero, gas lighting, heteronormatividade, mansplaining e outras palavras que o Word tá sublinhando de vermelho porque o Word não teve a sorte de ser casado com ela.

Um dia, terminamos. E não foi fácil. Choramos mais que no final de “How I Met Your Mother”. Mais que no começo de “Up”. Até hoje, não tem um lugar que eu vá em que alguém não diga, em algum momento: cadê ela? Parece que, pra sempre, ela vai fazer falta. Se ao menos a gente tivesse tido um filho, eu penso. Levaria pra sempre ela comigo.

Essa semana, pela primeira vez, vi o filme que a gente fez juntos —não por acaso uma história de amor. Achei que fosse chorar tudo de novo. E o que me deu foi uma felicidade muito profunda de ter vivido um grande amor na vida. E de ter esse amor documentado num filme —e em tantos vídeos, músicas e crônicas. Não falta nada.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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  1. É um momento bem complicado

    É um momento bem complicado mesmo, passei por coisas bem parecidas e demorei alguns anos para superar, tive que mudar de cidade para tentar um recomeço…

  2. Direto da “quebrada”, um texto sobre “ex”, por Larissa Cordeiro

    Larissa Cordeiro começou estudar Sociologia e Política na FESPSP, em 2013, depois migrou para a UFABC, devido ao custo da mensalidade. Larissa é da quebrada (sabe o Capão?), onde as chances de se conhecer alguém nas aulas de jazz são nulas, e muito menos um sobrenome aristocrático. Larissa tem uma cabeça privilegiada para a pouquíssima idade (talvez 21/22 anos), raciocina e fala muito rápido, como se o mundo fosse acabar em 5 minutos. Sempre digo que ela acende a vela dos dois lados. Por isso, passei-lhe um sermão quando abandonou o curso ( como eu dali 1 ano). Inspirada pelo Greg Duvivier, vem mostrar um texto com sua visão muito particular sobre “ex”, “na transparência”. Eis: 

    Licença aqui, deixa eu mostra como se faz um texto sobre ex, na transparência memu:

    “Ele brigava pra cortar o alho do jeito dele (como se fosse o certo) e quando ia na farmácia compra o remédio da cólica, dava multa nos esmalte caro da anita. Ele nunca acertava a cor, mas a intenção me apaixonava.

    Ele amarrava meu tênis, carregava minha bolsa e ascendia meu cigarro enquanto me dava sermão pra eu para de fumar.

    Com ele eu assistia filme babaca e peidava de rir, pq alegria não tem nada a ver com comédia…
    Com ele eu ouvia espaço rap no carro, tirando onda de quebrada fazendo voz da kamila cdd quando tocava estilo vagabundo.
    Me sentia a completa adolebosta…rs

    Com ele eu não usava maquiage, ficava meses sem fazer a sombracelha ou a unha. Primeiro pq eu não ligo e segundo pq ele tinha o dom de fazer eu me sentir a Rihanna. Mesmo com a rinite atacada, catarrenta, parecendo um panda inchado.

    Com ele eu experimentava aquela satisfação de vó, que faz um rango monstro e fica assistindo o neto comer dizendo que ta amais. 
    “come mais meu fi” hahaha

    Ele fazia vídeo desfocado quando eu começava a cantar, e me admirava de um jeito que eu me sentia a própria beyonce cantando gospel.

    Depois de toda briga ele arrumava a casa, como quem pede desculpa. E eu cantava aquela do Jorge Aragão com a mesma intenção, nunca falhava.

    É uma delícia ter alguém que cê entende só de olhar. É uma delícia dialogar em silêncio, só (como se fosse pouco) com gestos e expressões faciais. Uma delícia na mesma proporção que – nos perreco – isso é irritante em nível de desesperar. Cê tá lgd kkkk

    É uma delícia não ganhar uma bronca por ter esquecido a toalha de banho. É uma delícia pegar o trem cheio se for pra ir na direção da pessoa. O fone de ouvido tocando Sensação, me presenteava com uma bolha impenetrável. Me via num filme de romance babaca, naquelas cenas onde a expressão de apaixonada imbecil congela na paisagem verde da linha 7 rubi. Que merda.

    Dar uma pequena fuga nos rato com ele era divertido, não dava pra sentir medo do lado dele. 
    Exceto quando a síndrome de piloto de assalto dele, atacava… Só deus.

    A primeira vez que arrotei alto do lado dele, me olhou surpreso e me chamou de linda. 
    Ganhei um beijo como quem quer presentear.

    Como não sentir saudade, dizae?

    A saudade é saudável. Pq ela é sustentada por tudo de bom que foi vivido.
    A saudade não é constrangedora, porque é ela que aniquila com doçura qualquer vestígio de orgulho pós término. 
    A saudade as vezes é preocupação e cuidado com quem participou da nossa vida. plena e intimamente. Com quem saiu do raso e foi pro fundo assumindo o risco de afogamento. 
    A saudade nem sempre significa vontade ou disposição pra voltar.

    Viva sua saudade. 
    Mata-lá as vezes é morrer junto.

    Saudades negão palmiteiro, machistão, que saudade cusão. Kkkkk”

  3. Auto-promoção

    Assim não dá pra te defender, Duvivier. Por Nathalí Macedo

     Postado em 12 Sep 2016por :  Foi mal

    Foi mal

    Mesmo existindo Veríssimo e Martha Medeiros, eu sempre disse que o Duvivier era o meu escritor brasileiro vivo predileto. Pelo seu primeiro livro “A partir de amanhã eu juro que a vida vai ser agora”, pelo segundo, “Ligue os pontos: poemas de amor e big bang”, (pelos outros dois, também), pelo posicionamento político que sempre me pareceu sensato e responsável, pelo discurso pró-feminismo, pelos roteiros e pelo Porta, que faz o tipo de humor que eu acredito.

    Fui em dois ou três eventos só porque ele estava lá. Um dia, peguei uma fila de duzentas pessoas – eu era a 199 – só pra lhe dar um abraço e dizer que a poesia dele conversa comigo. Vi uns vinte vídeos com o argumento de pesquisa “Gregorio Duvivier”, até o YouTube parar de me sugerir música indie e passar a me sugerir as entrevistas dele.

    Quando o Porta dos Fundos fez o primeiro vídeo transfóbico, fiquei puta. Eles pediram desculpas e eu respirei aliviada: eles não compactuam com transfobia. Acontece que o vídeo não foi tirado do ar. As travestis e transexuais continuam morrendo no Brasil inteiro e o Porta só pediu desculpas – pra fazer outro vídeo transfóbico algum tempo depois.

    Depois o Gregorio – com discurso pró-feminismo e tudo – fez uma infeliz piada machista no lançamento da candidatura de Marcelo Freixo à prefeitura do Rio. “O Rio apanhou mais que a mulher do Pedro Paulo”, disse, referindo-se ao concorrente de Freixo, acusado de violência doméstica.

    O pedido de desculpas postado no facebook me desceu pela garganta, mas não sem algum incômodo. Continuei lendo os livros, vendo os vídeos e defendendo o Gregorio nas rodinhas feministas que acusavam-no de esquerdomacho.

    “Ele é burguês, mas tem consciência social”; “Ele é branco, mas reconhece e desconstrói o próprio racismo”; “Ele é homem, mas reconhece e desconstrói o próprio machismo;” “Ele critica a Folha na própria Folha;” “Ele anda de bicicleta;” “Ele participa do OcupaMinc;” “Ele é homem-branco-cis-hetero mas é sensível e politicamente engajado.”

    Só que não.

    A cereja do bolo foi comparar os manifestantes que culposamente mataram um repórter Santiago durante uma manifestação de rua à Polícia Militar de Alckmin, que violenta preto e pobre como quem troca de camisa. “Os delinquentes que mataram Santiago são criminosos. Assim como os delinquentes que mataram Amarildo.”

    Não fode, Gregorio.

    Todo mundo sabe que quem vai às ruas pela democracia é da paz. Todo mundo sabe que quem mata no Brasil não são as drogas e não são os Black Blocs, quem mata é a polícia. Todo mundo sabe que o Amarildo foi torturado e depois sumiu do mapa. Todo mundo sabe que as intenções dos manifestantes não são as mesmas intenções violentas de uma polícia militar assassina, racista e fascista. Todo mundo sabe que o Rafael Braga foi preso com um Molotov e ainda não está livre – quantas vezes você usou o seu poder de influência para se posicionar sobre isso?

    Todo mundo sabe, também, que flores não resolvem nada e que só a desobediência civil é alternativa em um país onde a democracia foi ferida de morte mas não borrou as calças.

    Você também sabe de tudo isso, mas ia pegar mal pedir desculpas pela terceira vez nesse trimestre.

    Quando acordei e vi que o título da sua coluna – que leio assiduamente – começava com “Desculpe”, pensei que você iria se redimir e dar mais umas porradas na Folha. Mas não. Era só um texto de amor para a sua ex. Uma maneira de fazer com que as pessoas esquecessem que você vacilou e, de quebra, fazer um marketing maroto do seu novo filme.

    Lindo o texto, linda a homenagem, lindo o término bem-resolvido, mas: Expor publicamente uma coisa que diz respeito apenas a vocês dois só não vai me parecer extremamente invasivo se a Clarice – que ainda não se manifestou – concordar com a exposição. Caso contrário, é desnecessário, para dizer o mínimo.

    Por que, aliás, usar o nome dela, se você tantas vezes escreveu para ela – lindamente, é verdade – mas sem expô-la? Por que, se ela já está namorando e isso pode ser constrangedor? Vale tudo pra divulgar um filme?

    Quem avisa amigo é, meu caro: a esquerda está perdendo a fé nas suas boas intenções.

    Vídeo transfóbico, piada machista, opinião tosca sobre Black Blocs e texto de auto-promoção em vez de pedido de desculpas: Assim não dá pra te defender.

     

    1. Todo mundo sabe que quem vai às ruas pela democracia é da paz?

      Fala sério! Você vive em que mundo? Quem tem raiva de polícia é bandido. Polícia não agride sem provocação. E outra, vocês feministas são tão cegas pela sua crescença distorcida que não enexergam que o nome do movimento deveria ser igualdade e não feminismo. Feminismo já é um equívoco pelo próprio nome. O Feminismo, em vez de integrar, marginaliza. Essa constatação é a prova  de que há muito mais desonestidade do que idealismo no movimento como um todo. Aquele grupo que surgiria para combater a intolerância, o radicalismo e a opressão no universo feminino trata qualquer pessoa que discorda do seu discurso e de suas ações com uma intolerância, um radicalismo e uma violência muito maiores das que dizem combater. O Feminismo é mentiroso, hipócrita, autoritário e, por isso, merece o mais absoluto e convicto desprezo de todas as pessoas de bem. 

  4. Greg, eis o amor. É isso, ele vem a nós e é tudo. Tenho uma “clarice” que está comigo há cinquenta e três anos, por muito pouco não a perdi. Teu texto é limpo, claro, cristalino como o amor. Felicitações – menos pela perda – mais pelo texto. Vida que segue.

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