Dia do Índio, um dia institucional

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Do CIMI

DIA DO ÍNDIO, UM DIA INSTITUCIONAL

“Sou a justiça e a luta, sou o anúncio e a denúncia,

Sou a informação e a transformação,

Sou a união e a resistência”

Emília Altini e Osmar Marçoli

Cimi – Regional Rondônia

Quando os portugueses pisaram no chão Brasileiro encontraram uma população de aproximadamente seis milhões de indígenas que habitavam nosso país. Desde então, os povos indígenas foram perseguidos, agredidos, doutrinados, desrespeitados, massacrados e muitos exterminados, causando a diminuição da população. Foram escravizados pelos portugueses e contaminados com doenças que não conheciam, além de morrerem por maus tratos e a tiros quando tentavam fugir.

Este processo marcou a história até os dias de hoje, com os mecanismos utilizados pela política indigenista oficial, integracionista e genocida, que acarreta a destruição ecológica, o esbulho das terras e a exploração dos recursos naturais em seus territórios. Estas ações se dão através dos grandes projetos econômicos, agropecuários, mineradoras e hidroelétricas.

Para entendermos a data, devemos voltar para 1940, onde foi realizado no México, o Primeiro Congresso Indigenista Interamericano. Além de contar com a participação de diversas autoridades governamentais dos países da América, vários líderes indígenas foram convidados para participarem das reuniões e decisões. Nos primeiros dias, por razões obvias os convidados indígenas não compareceram ao evento. Estavam preocupados e temerosos, devido à história de contato que deixou marca que jamais se apagará da história como foram perseguidos, agredidos e dizimados pelos colonizadores.

No entanto, após muito diálogo e compreensão da discussão, algumas lideranças decidiram em participar, por entender a importância do momento histórico que se vivia. Era o dia 19 de abril. Ficando assim, para o continente americano, como o Dia do Índio.  Nesse mesmo congresso foi criado o Instituto Indigenista Interamericano para zelar pelos direitos dos índios nas Américas, marcando na história a primeira participação de líderes indígenas em um grande evento. O Brasil aderiu ao Instituto somente depois da intervenção do Marechal Cândido Rondon em 1943, e através do decreto-lei 5.540 o presidente Getúlio Vargas institui o dia 19 de abril sendo o “Dia do Índio”.

Quebrando estereótipos: O “Dia do Índio”, como data cívica, esvaziou-se do sentido real de luta pela garantia de seus direitos. Distanciou-se da imagem que retrata o genocídio de vários povos, desde a conquista dos europeus. O dia 19 de abril perdeu a reflexão e o debate necessário sobre as questões enfrentadas por esses povos no Brasil. A ideologia adotada pelas formas e práticas governamentais no Brasil (imperial, republicano e mesmo o democrático) é a responsável pela distorção do que são os indígenas hoje.

Nas escolas podemos notar ainda, e com frequência, as crianças voltando para casa com os rostos pintados ou com cocar colorido feito de papel-cartão, sem levar em conta que há também alunos que são indígenas na sala de aula. O preconceito e a descriminação ainda estão muito presentes e fazem com que os estudantes indígenas omitam sua verdadeira identidade. Sem contar que alguns livros didáticos ainda trazem uma imagem utópica do “bom selvagem” ou consideram o indígena como um ser mitológico, algo distante, e com os verbos conjugados no passado. “Ainda existe índio no Brasil?” – É o que muitos ainda perguntam quando se aborda o assunto da causa indígena ou de fatos pertinentes que chamam a atenção da mídia.

Um exemplo de estereótipo solidificado se dá quando os povos indígenas são retratados como “miscigenados” ou “não-puros”. A partir do senso comum da sociedade, não se encaixam na ideia do que é ser índio. Por não possuírem, geralmente, as características fenotípicas a que a população aceita como “cara-de-índio”, estes povos indígenas, em pleno século XXI, são vítimas de preconceitos, além de tudo. É preciso considerar – fazendo justiça – o conceito histórico a que os indígenas foram submetidos pela dominação colonial, ou seja, uma miscigenação forçada para se manter vivos. A história nos mostra que as mulheres indígenas eram violentadas, estupradas, abusadas, seus maridos mortos, prática que em muitos lugares perdura até os dias atuais. As crianças que nasceram do ventre destas mulheres indígenas, fruto destas maldades, são descriminadas de forma violenta por não ter “cara-de-índio”, sendo-lhes negado o direito de sua identidade indígena.

Neste dia institucional, os povos indígenas propõem uma verdadeira discussão sobre as dificuldades enfrentadas. Entre os desafios estão: a demarcação de seus territórios tradicionais; falta de acesso a serviços públicos; vítimas de preconceitos e casos de desrespeito aos direitos humanos.

Remontando à história: No contato entre índios e portugueses, aconteceu o choque cultural de ambas as partes. As duas culturas eram muito diferentes e pertenciam a mundos completamente distintos. Quando os portugueses começam a explorar o pau-brasil das florestas brasileiras, começam concomitantemente a escravizar os povos indígenas. A Carta de Pero Vaz de Caminha (escrivão da expedição de Pedro Álvares Cabral) e também os documentos escritos pelos padres jesuítas relatam essa época. Interessados nas terras, os portugueses usaram a violência contra os índios. A transmissão de doenças dizimou povos inteiros.

Em 1875, através de um decreto imperial, o indígena deixa de existir juridicamente. Ações violentas, e tantas outras ainda que camufladas, seguiram-se por séculos, resultando numa redução drástica da população indígena.

Um pouco de estatística: Dos 80 milhões de indígenas que viviam nas Américas no ano de 1500, cerca de 70 milhões foram dizimados. No México, por exemplo, a população passou de 25 milhões para pouco mais de 1 milhão. Em solo brasileiro, neste período, a população indígena era de aproximadamente 6 milhões de pessoas. A população foi reduzida para 600 mil e em 1957 havia apenas 120 mil indígenas.

O Ministro Rangel Reis, nos anos 70, em plena ditadura militar, afirmava que os indígenas até o ano 2000 estariam integrados a sociedade brasileira. Posteriormente o cientista político Hélio Jaguaribe, secretário de Ciência e Tecnologia no governo Collor, afirmou durante uma conferência na Escola Superior de Guerra em 1992 que, no ano 2000, não haveria mais índios no Brasil, pois estariam todos extintos ou assimilados (FREIRE, 2007). Enganou-se redondamente, pois os povos indígenas sempre se mantiveram na resistência diante do poder opressor.

Felizmente a população indígena vem crescendo e se consolida diante dos seus direitos quanto às políticas públicas. Segundo o Censo do IBGE 2010, no Brasil a população indígena é de 896.917 pessoas. Dentro deste amplo mosaico que é a realidade dos povos indígenas, se somam as 305 etnias, falantes de 274 línguas diferenciadas. Estima-se que existam ainda pelo menos 77 grupos de índios isolados (livres ou sem contato) na parte brasileira da floresta amazônica.

A realidade que deve ser divulgada: Praticar rituais sagrados e falar em língua materna foi ato proibido aos indígenas até a década de 1970. Os inimigos dos povos indígenas tinham a prática de persegui-los e matá-los. Muitas vezes, em diversas regiões do Brasil, a saída foi tentar manter os rituais às escondidas. Nesse processo de perseguição por interesses aos recursos naturais em terras indígenas muitas coisa se perdeu. “O mais triste é que nós nem sabemos o que de fato ficou pelo caminho da nossa história”, lamenta Claudinha Truká, liderança do povo Truká.

Apenas com a Constituição de 1988 o Estado reconhece a existência de povos indígenas e lhes atribui direitos. Antes o índio era considerado menor de idade, uma pessoa mentalmente incapaz e que, portanto, tinha que ter a tutela do Estado. A Constituição altera esta submissão instaurada sobre os povos indígenas. Comumente ouvimos as pessoas dizerem: está surgindo índio de tudo quanto é lugar! Se no passado os povos indígenas eram condenados e tiveram que se esconder, hoje a Constituição garante este reconhecimento. São vários os “povos ressurgidos”, ou melhor dizendo, “povos resistentes”, que se mantiveram “reduzidos sim, mas não vencidos”.

E uma vez reconhecidos como povo, se faz necessária a retomada de seus territórios tradicionais. Terras dos seus antepassados, terra de onde cada povo foi originado, terra onde habita o sagrado.

O momento agora é de denúncia das violências sofridas pelas comunidades indígenas país afora. “É preciso mostrar qual é a realidade que os povos indígenas estão vivendo, sendo atacados nas suas terras por pistoleiros, tendo suas terras invadidas por latifundiários, a morosidade do Estado brasileiro e do governo na demarcação, ampliação e desintrusão de suas terras”, comenta Sassá Tupinambá.

Entre 2003 e 2011 foram registrados 503 assassinatos de indígenas no Brasil. O número corresponde a uma média de 55,8 mortes por ano. “Os direitos originários (direito ao território tradicional) e constitucionais estão seriamente ameaçados pela bancada ruralista (agronegócio). Há uma forte pressão para expulsar comunidades indígenas, ribeirinhas e quilombolas de suas terras forçando-as a migrar para as periferias das grandes cidades, deixando-as vulneráveis ao crime organizado do tráfico de pessoas e ao trabalho escravo”.

   “A gente ouve muita gente falar: por que índio precisa de tanta terra? Nós precisamos para ritual a terra sagrada onde tem os terreiros, precisa de madeira para criar a abelha, terra pra caçar bicho. O lugar onde a gente faz o ritual tem que ter uma caça perto para comer… terreiro para os índios forgar (dançar toré)”, explica Expedito, pajé Pipipan.

Trocando em miúdos: “Dia do índio” não é somente o dia 19 de abril; são os 365 dias do ano. Não podemos ver o indígena como um ser exótico, mítico, distante e embrenhado nas matas.

A própria formação do povo brasileiro é miscigenada: branco, negro e indígena. Outro fator considerável é que o valor de uma nação também se faz pela riqueza de culturas. E nesta questão o Brasil não é somente gigante pela própria natureza, mas, sobretudo, por sua diversidade cultural.

 Somos um país pluriétnico e multicultural, onde cada povo (indígena) tem o direito de viver com dignidade sua cultura, língua e tradição, sendo brasileiros originários.

Que no 19 de abril, “dia do índio”, seja enfatizado que o preconceito é uma trincheira imposta para impedir o acesso aos direitos indígenas. É um dia para lembrar a história de luta e de resistência dos povos indígenas que perdura até aos dias de hoje, confirmando que o Brasil tem uma dívida histórica para com estes povos.

 

Emília Altini e Osmar Marçoli

Cimi – Regional Rondônia

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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  1. Jorge Benjor e o dia do índio

    http://letras.mus.br/jorge-ben-jor/86240/

    Jês, Kariris, Karajás, Tukanos, Caraíbas,
    Makus, Nambikwaras, Tupis, Bororós,
    Guaranis, Kaiowa, Ñandeva, YemiKruia
    Yanomá, Waurá, Kamayurá, Iawalapiti, Suyá,
    Txikão, Txu-Karramãe, Xokren, Xikrin, Krahô,
    Ramkokamenkrá, Suyá

    Hey! Hey! Hey!
    Hey! Hey! Hey!

    Curumim chama cunhatã que eu vou contar
    Cunhatã chama curumim que eu vou contar
    Curumim, cunhatã
    Cunhatã, curumim

    Antes que os homens aqui pisassem
    Nas ricas e férteis terraes brazilis
    Que eram povoadas e amadas por milhões de índios
    Reais donos felizes
    Da terra do pau-brasil
    Pois todo dia, toda hora, era dia de índio
    Pois todo dia, toda hora, era dia de índio

    Mas agora eles só têm um dia
    O dia dezenove de abril
    Mas agora eles só têm um dia
    O dia dezenove de abril

    Amantes da pureza e da natureza
    Eles são de verdade incapazes
    De maltratarem as femeas
    Ou de poluir o rio, o céu e o mar
    Protegendo o equilíbrio ecológico
    Da terra, fauna e flora
    Pois na sua história, o índio
    É o exemplo mais puro
    Mais perfeito, mais belo
    Junto da harmonia da fraternidade
    E da alegria,

    Da alegria de viver
    Da alegria de amar
    Mas no entanto agora
    O seu canto de guerra
    É um choro de uma raça inocente
    Que já foi muito contente
    Pois antigamente

    Todo dia, toda hora, era dia de índio
    Todo dia, toda hora, era dia de índio

    Hey! Hey! Hey!

    Jês, Kariris, Karajás, Tukanos, Caraíbas,
    Makus, Nambikwaras, Tupis, Bororós,
    Guaranis, Kaiowa, Ñandeva, YemiKruia
    Yanomá, Waurá, Kamayurá, Iawalapiti, Suyá,
    Txikão, Txu-Karramãe, Xokren, Xikrin, Krahô,
    Ramkokamenkrá, Suyá

    Todo dia, toda hora, era dia de índio
    Todo dia, toda hora, era dia de índio

    Hey! Hey! Hey!
    Curumim, cunhatã
    Hey! Hey! Hey!
    Cunhatã, curumim
    Hey! Hey! Hey!
    Curumim, cunhatã
    Hey! Hey! Hey!
    Cunhatã, curumim

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