Dom Paulo, o estadista da paz

Atualizado às 20:30

Só quem viveu nos anos de chumbo poderá aquilatar o papel de Dom Paulo Evaristo Arns para o país. Naqueles anos terríveis, recém-casado, eu morava em uma quitinete na Bela Vista. Jornalista iniciante, toda manhã acordava com o fantasma de Jacarta nos assombrando. Dizia-se que os militares tinham preparado uma lista de 300 nomes para serem liquidados, repetindo o banho de sangue de Jacarta.

Quando morreu Vladimir Herzog, o fantasma se materializou. Fomos os jornalistas para nosso Sindicato, presidido por Audálio Dantas. Parecíamos crianças embaixo de uma coberta assistindo filmes de terror e procurando uma apoiar a outra.

O que nos dava esperança era a voz de Dom Paulo Evaristo Arns, figura maior de uma aliança ecumênica em que participavam também os inesquecíveis reverendo Wright, pelos protestantes, o rabino Henry Sobel pelos judeus, o pastor Manoel de Mello pelos evangélicos. Era a religião cumprindo sua missão histórica de enfrentar a barbárie.

Pouco antes, na revista Veja, fui incumbido de traçar um perfil de dom Paulo, assim que assumiu o cardinalício em São Paulo. Fui à casa episcopal. Em vez de depoimentos das cúpulas, procurei um quadro mais realista com os funcionários.

Estavam encantados com dom Paulo por várias razões. Uma delas, pelo fato de ser um príncipe em contato direto com o povo, onde o sinal mais enfático era a torcida apaixonada pelo Corinthians. Outra, por ter devolvido à Igreja de São Paulo uma importância política que, antes dele, apenas o Cardeal Motta, conservador, tivera. A terceira, por sua determinação contra os esbirros do regime.

Um dos funcionários me contou o dia em que dom Paulo, ainda arcebispo, calou um débil dom Agnelo Rossi com um murro na mesa, pela recusa dele em admitir publicamente a tortura aos dominicanos presos no DOPS.

No início do blog, publiquei um artigo sobre dom Paulo. Um leitor deixou um testemunho eloquente nos comentários. Contou que estava preso, com outros companheiros, quando receberam a visita de dom Paulo.

Vendo sua situação, dom Paulo aproximou-se da cela e passou um recado:

– Tenham coragem!

As palavras de dom Paulo aqueceram o coração dos presos, da mesma maneira que os nossos, na inesquecível missa da Catedral da Sé, pela morte de Herzog.

A campanha das diretas revelou muitos vultos da pátria, Ulisses, Tancredo, Lula, Teotônio, Covas, Montoro.

Por aqueles tempos, nenhum alcançou a dimensão de dom Paulo. Depois dele, a Igreja ainda produziu algumas lideranças de envergadura. Hoje em dia, não mais.

O depoimento do cl sobre Cláudio Abramo me lembrou meu caso – infinitamente menos grave. Na greve dos jornalistas de 1979 fui detido e levado ao DOI-Codi. Imediatamente seguiram para lá o cardel Arns, o senador André Franco Montoro e outras pessoas. O porteiro do DOI-Codi impediu a entrada de todos, como exemplo do que era o país naqueles tempos.
Luis Nassif

20 Comentários

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  1. Com ese monstro sagrado do

    Com ese monstro sagrado do humanismo brasileiro, podemos colocar mais alguns pouquíssimos nomes: Helder Câmara, Pedro Casaldáliga, Mauro Morelli, Betinho, Thomas Balduíno… e…

  2. Em poucos dias, as forças

    Em poucos dias, as forças progressistas perderam dois de seus maiores expoentes: Fidel Castro e dom Paulo Evaristo Arns. Para os coxinhas, cristianismo e comunismo podem ser consideradas correntes antagônicas, mas tanto Fidel como dom Paulo provaram ao mundo que a matriz revolucionária de ambos os movimentos são extremamente semelhantes e visam o bem comum da humanidade. Jesus Cristo expulsou os vendilhões do templo por meio do uso da força, assim como Fidel lutou contra o imperialismo iaqnque pensando unicamente no seu povo. Dom Paulo Evaristo Arns foi um homem dotado da mais extrema dignidade, aliado de primeira hora do Partido dos Trabalhadores, que marcou o seu nome na História brasileira por marchar sempre ao lado dos desvalidos. Assim como Fidel, dom Paulo tornou-se um dos maiores nomes do século 20 e será sempre reverenciado por todos que acreditam na verdadeira Revolução e na causa dos trabalhadores. Hasta Siempre, companheiro dom Paulo. 

  3. Memória

    Nos tempos da ditadura Médici, certa manhã fui avisado que o Cláudio Abramo, diretor de redação da Folha, fora preso em casa e levado para o centro de torturas da rua Tutoia, em São Paulo. Não conhecia D. Paulo – mas conhecia suas posições – e resolvi ligar para  pedir ajuda.  Uma voz feminina atendeu ao telefone, com certeza uma freira, que logo me passou para o arcebispo. Bem, ele não prometeu nada : simplesmente foi para a rua Tutoia e, lá chegando, o oficial-de-dia recusou-se a recebê-lo.  Então ele sentou na calçada, em frente ao quartel, e avisou que só sairia de lá com o Cláudio Abramo. Pois não é que o Cláudio foi solto em seguida, ainda a tempo de almoçar em sua casa?  Com mais meia dúzia de gente assim este país seria outro.

    1. memória….

      Trabalhou pelo que achava justo e isto é louvável. Mas descuidou da fe em nome da política. Seu sacerdócio era a fé. Abriu caminho para centenas de cultos pentecostais. E politica pode ser traiçoeira.  Aqueles que ele julgava serem a salvação do país, estão sendo condenados pela corrupção que tanto condenavam. Aqueles que condenavam os Esquadrões da Morte no regime militar se omitem com os Esquadrões da Morte no período dos seus governos. As chacinas no governo de SP durante o mandato de Covas/Serra/Geraldo Alckmini estão aí para quem quiser enxergar.  Nada como um dia após o outro.  

      1. De onde tirou isso? O que

        De onde tirou isso? O que desmobilizou a Igreja foram as interferências dos papas que antecederam o atual. De onde tirou que dom Paulo colocou em Covas/Serra/Alckmin a salvação do país? Informe-se melhor.

        1. de onde….

          Não somente nestes que citei como na esquerda toda. A acusação serve para todos estes , sem distinção. A decepção também.  A Igreja Católica Progressista ligada à esquerda na Am[érica Latina é histórica. Não cabe contestações. Como católico, vi muito bem esta Igreja nos anos de 1970/80 mais preocupada com politica que religião. Errou nos dois. Quanto à luta politica do Cardeal foi brilhante e histórica, mas não muda o que escrevi.   

        2. Perda de foco

          Um exemplo mais à direita são Pastores (de denominações respeitáveis) protestando contra Dilma na Av Paulista…

          Lideranças religiosas que apoiaram o golpe64, com pavor dos “comunistas”, FHC, Serra, Aloísio etc, em tempos de repressão. Mais adiante seriam seus eleitores.

          Esse é o resultado de quando a igreja com sua autoridade espiritual entra em caminhos que não conhece.

          Pararam aé de bater panela.

  4. Dom Paulo

    Nassif, magnífico seu artigo sobre Dom Paulo, grat´issima!

    O Prof. Fábio Konder Comparato escreveu também sobre ele e gostaria de mandar uma cópia para você.

    Ele e eu fomos da Comissão Justiça e Paz com nosso querido Pastor .

    Como devemos fazer para esse artigo chegar às suas mãos?

    Um abraço,

    maria victoria de mesquita benevides

     

  5. Dom Paulo Evaristo

    Dom Paulo Evaristo Arns

    Príncipe, desprezaste os suntuosos banquetes e as bajulações dos abastados,

    O palácio, o conforto e a segurança da riqueza, a beleza dos jardins esmerados e preferiste a paisagem cinza da periferia de São Paulo.

    Num tempo de ímpios e torturadores, repreendeste o perverso ao alcance de sua espada,

    Acolheste, sob um manto paterno, a frágil carne estremecida dos perseguidos e puseste unguento sobre suas feridas, acalentando o choro de São Paulo e do Brasil.

    Fugiste da lisonja dos poderosos. Buscando a retidão, conheceste a injúria.

    Nós, porém, estamos presentes para dar testemunho de tua grandeza.

  6. Dom Paulo Evaristo Arns – Um eterno herói brasileiro

    A hipocrisia da mídia vai de mal a pior, como se pode perceber na comparação em que ela faz comedida exaltação sobre um iluminado patriota, que fez na defesa dos direitos humanos uma heróica bandeira de luta, contra uma planejada exaltação midiática plena, que visa ofuscar e omitir uma série de abusos de poder, tortura psicológica, chantagem emocional e desprezo total pela constituição, pelo povo brasileiro e pela pátria Brasil.

    Dom Paulo Evaristo Arns, o homem que a ditadura não silenciou, felizmente não precisa que essa mídia golpista e anti Brasil lhe conceda méritos, pois a população mundial já o laureou e o coroou por reconhecimento a sua nobre existência e as corajosas interferências em defesa dos perseguidos, dos excluídos, dos miseráveis… O mundo nunca esquecerá o herói brasileiro, que se entregou de corpo e alma em defesa daqueles que sofreram o desprezo dos poderosos e abastados traidores. O mundo também não esquecerá, que em sua incansável determinação no combate a perseguição, a covardia e a tortura, ele usava como arma a sua pacífica e rara bravura, fato que o fez ser um dos poucos que se fizeram ser respeitado e temido pelos ditadores militar.

    Que a eternidade de seu espírito reconheça sempre, através dos verdadeiros patriotas do Brasil, o eterno respeito e agradecimento pela sua coragem, pela defesa da justiça social, pela sua caridade, pela defesa dos pobres e pela sua sublime humildade de ser e viver.

    Salve, Salve! Dom Paulo Evaristo Arns, o estadista da paz.

  7. Só o corpo feneceu

         D. Paulo Evaristo Cardeal Arns será eterno, não só por suas obras quando em vida, as quais pela sua humildade nunca fez questão de vangloriar-se, até as achava “normais”, sua dedicação aos oprimidos, aos torturados, aos perseguidos, aos pobres, tanto em situação de miséria como aos de espirito, sempre foram o que significa ser um religioso, alguem que nunca olhou ou avaliou se vc. era católico, protestante, judeu, macumbeiro, para no minimo lhe fornecer uma palvra de conforto, procurar lhe auxiliar , lutar por vc., foi D. Paulo Cardeal ” Coragem ” Arns.

          Pessoas deste quilate, não morrem, ele continuará para sempre existindo, o corpo, a casca deixará o mundo, pouco importa, aliás em nada importa, pois quem deixa tantas marcas, tanto com suas obras como em pessoas e instituições continuará vivo, mais vivo no decorrer do tempo.

          Faz tempo, 35 anos atrás ( 1981 ), um moleque de 21 anos, filho de um operário e uma doméstica, demitido do Bradesco, que apesar de ter sido coroinha era ateu, não tinha condição de pagar a faculdade (rematricula e mensalidades atrasadas ), a PUC-SP , no desespero, ferrado e andando a pé, foi procurar auxilio junto a Fundação São Paulo ( mantenedora da PUC-SP ), que não deu em nada, mas um colega do CA, disse a ele : ” Procura D. Paulo na Sé “, ele saiu das Perdizes foi a pé até a Sé, já tinha andado da Lapa até a PUC, ficou lá de plantão esperando o Cardeal, na mente dele pénsava – ” è um Cardeal, chanceler da PUC da Fundação São Paulo, um cara deste nunca irá me receber “, mas recebeu, conversou com ele no adrio da Sé, o escutou e lhe encaminhou para uma associação de ex-alunos da PUC-SP, que resolveu o problema, este aluno conseguiu terminar seu curso, anos depois pagou a esta associação para outro aluno que nem conheceu, esta associação infelizmente não mais existe, acabou.

            O moleque ferrado de 21 anos : EU

            Claro que minha história não é nada quando comparada a outras muito, infinitamente mais relevantes, mas é a minha.

            

  8. Salve D.Evaristo Arns

    Ele entendeu como poucos que a missão da Igreja é de anúncio e denúncia. Anúncio da boa nova e denúncia das injustiças sociais. Alguns, que acusam a sua Igreja de política, desconhecem que o homem por natureza é um ser político. Não se concebe um Cristo sem posições políticas. Seria contraditório incentivar os membros da Igreja a denunciarem as injustiças sociais e não acolhê-los por fazerem parte de movimentos sociais e partidos políticos.

    A Fé sem obras é morta. E são as obras de Dom Evaristos que alimentam nossa fé numa Igreja que não se cala, não é conivente com os políticos corruptos e nem subserviente com essa justiça parcial. 

  9. “- Tenham coragem!…
    …A

    “- Tenham coragem!…

    …A campanha das diretas revelou muitos vultos da pátria, Ulisses, Tancredo, Lula, Teotônio, Covas, Montoro…

    …Por aqueles tempos, nenhum alcançou a dimensão de dom Paulo. Depois dele, … não mais.”

    Tenham coragem!

    No momento terrível que vivemos, infelizmente, só podemos contar(?) com Gilmar, Carmem, Fux, Barroso, Renan, Padilha, Franco, Moro, Janot, Dellagnol, Maia e, apesar de estar aparentemente fora de combate, o herói do caos Eduardo Cunha. Todos e mais alguns, totalmente despreparados para, ao menos, nos dar um fio de esperança por dias melhores.

    A igreja de D.Paulo e D. Helder foi dizimada pelos papados de João Paulo II/Ratzinger e Bento XVI. O cardeal Jorge Mario Bergoglio ficou na moita e hoje é Francisco, uma esperança de uma igreja mais progressista. Não tão extrema como a da Teologia da Libertação, mas visceralmente a favor dos direitos humanos, principalmente, dos mais necessitados.

    D. Paulo Evaristo Arns foi um daqueles homens que o velho poema diz que são pessoas imprescindíveis, lutou durante toda a vida.

     

  10. O grande Dom Paulo Evaristo Arns

     

    Não fossem as corajosas cristãs, por vezes, arriscadas intervenções do determinado e inteligente Dom Evaristo Arns, muito mais contestadores e perseguidos da ditadura militar, teriam apodrecidos nas prisões, padecidos, nas hediondas e covardes torturas.

    Se existe Céu, existe Inferno. Logo, sem dúvida alguma, o destemido Dom Evaristo Arns já está no Céu, bem ao lado de outros gigantes da sofrida história da civilização, daqueles, que nunca fugiram a luta, nunca se acovardaram, nunca se venderam, daqueles que sempre estiveram combatendo ao lado dos mais fracos, contra a opressão e a miséria. Quanto aos que tomaram rumo do Inferno, bem sabemos. A propósito, logo mais adiante, encontrarão com os corruptos e entreguistas golpistas do 31 de agosto de 2016. 

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