É apenas a democracia!, por Antonio Delfim Netto

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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do Valor

É apenas a democracia!, por Antonio Delfim Netto

O Brasil está muito assustado com o empoderamento da cidadania, cujos corolários são as passeatas e os “panelaços”. Mas esse é o caminho natural do amadurecimento das instituições democráticas. Só a sua prática poderá levar à sociedade civilizada que o Brasil escolheu construir a partir da Constituição de 1988.

Que sociedade é essa? Não é a da liberdade absoluta, cuja tendência é suicida. Há muita verdade no verso de Jorge Mautner, que diz que “a liberdade é a consciência do seu limite”. Não é a busca da igualdade absoluta que, a história testemunha, assassina a liberdade. Não é a eficiência produtiva absoluta, sonhada por alguns economistas que se pensam portadores de uma “ciência”, cuja busca esquece tanto a liberdade quanto a igualdade.

É a organização social que vai combinando, da maneira mais harmoniosa possível, esses três valores que não são perfeitamente conciliáveis. Essencialmente, é uma sociedade onde a posição de cada cidadão depende cada vez menos do local do acidente de seu nascimento. Ela há de proporcionar, permanentemente, um aumento da igualdade de oportunidade para todos, através dos serviços de saúde e educação universalizados, financiados por fundos coletivos (impostos gerais pagos por todos), acompanhada da mitigação dos efeitos da transferência intergeracional da riqueza acumulada tanto pelo mérito quanto pela sorte.

Chega a ser ridículo apelar para o impeachment de Dilma

Por mais importante que seja o jogo continuado entre a urna e o mercado para construção da sociedade civilizada, é evidente que ele é necessário, mas não suficiente. A caminhada exige uma sociedade viva, pulsante, que nos interregnos eleitorais continue a explicitar seus desejos e insatisfações, dentro dos limites estabelecidos por ela mesma na Constituição.

O aplauso ou o protesto devem ser entendidos como naturais. O dissenso é o próprio processo. Dele a sociedade extrai a energia para encontrar o caminho difícil e pedregoso da sua “civilização”. Quanto mais a “voz da rua” for organizada, respeitada e ouvida, mais fácil e menos íngreme ele será. O que não tem cabimento é interrompê-lo e desrespeitar a decisão da urna através de atalhos sedutores no curto prazo, mas que sempre terminam em desvios da rota.

Chega a ser ridículo apelar para o impeachment de Dilma, porque ela desagrada 66% da população. Ora, foi contra esses mesmos 66% que Dilma se elegeu limpamente nas urnas: 1/3 votou nela; 1/3 votou no Aécio e 1/3 recusou, no lugar errado naquele momento, tanto ela como o Aécio! No segundo turno, que é decisivo para os que se importam com a cidadania, ela venceu.

Podemos classificar com a arbitrariedade que quisermos o terço que optou pelo “protesto”, mas não há como negar que eles, recusando com pouca inteligência a regra do jogo, ajudaram a eleger a Dilma, por maioria absoluta! Erraram quando tiveram a sua oportunidade. Querem agora corrigir-se perturbando a boa caminhada e lançar o país numa aventura. Por que ouvi-los? Que respeitem o jogo e usem melhor a inteligência que lhes faltou, quando tiverem outra oportunidade, em 2018.

Além do mais, é preciso reconhecer que a nova política econômica de Dilma é a conversão de São Paulo na estrada de Damasco na economia, mas que não reduz nem a inclusão social, nem a igualdade de oportunidades já conquistadas.

Outra manifestação de empoderamento é o visível protagonismo do Poder Legislativo. Trata-se, no fundo, de um reequilíbrio com o Poder Executivo no tal “presidencialismo de coalizão”, em que apenas o partido do governo controla o poder nos ministérios “substantivos”. Os demais são coadjuvantes. “Cumprem tabela” no absurdo número de ministérios “adjetivos”, que não têm qualquer participação na formulação e na execução das políticas econômica e social.

É essa legítima reação que dá a impressão de enorme divergência entre os objetivos do Legislativo e do Executivo, que tem errado demais por não entender o que está acontecendo.

Apenas dois exemplos. Primeiro, o PT, que promoveu o desequilíbrio fiscal, agora tergiversa em assumir resolutamente a responsabilidade de combatê-lo e espera que os “coadjuvantes” que não participaram das decisões, o façam e se conformem em continuar fora delas.

Segundo, na recente discussão sobre o indicador da dívida de Estados e municípios, o Executivo enviou um projeto oportunista ao Congresso e deixou de exercer o seu veto no momento próprio. Agora está sob pressão de ação legislativa de constitucionalidade duvidosa. Se aprovada vai, provavelmente, terminar no Supremo Tribunal Federal que, felizmente, em defesa da independência dos poderes e dos direitos dos cidadãos, tem assumido o papel de legislador ordinário, como no caso recente dos precatórios. Nenhum desses movimentos sugere que estejamos sob qualquer ameaça institucional. A democracia é assim mesmo. Difícil!

O problema é que isso leva a um atraso no apoio ao indispensável e absolutamente necessário ajuste fiscal sob o nosso controle. Sem isso, corremos o enorme risco de vê-lo feito pelo “maldito mercado capitalista” que não terá a menor preocupação com nossos custos e nenhum respeito a um mínimo de equidade.

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

4 Comentários

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    1. Não tem nada que explicar.

      Não tem nada que explicar. Dragonball Z é um desenho animado japonês que faz a alegria daqueles que não tem neuronios e nem paciencia para estudar. O lego é mais educativo porque oferece menos riscos que armas de fogo.

  1. É apenas o bolo da democracia!

    Separando passagens do texto para comentar:

    1 Não é a da liberdade absoluta, cuja tendência é suicida. 

    Comentário: Ok, estou de acordo, até porque a liberdade absoluta se mistura com a falta de liberdade absoluta resultando daí, possivelmente, a tendência suicida.

    Portanto, a liberdade civil pode ser um caminho. Mas, mesmo esse caminho será debatido pela corrente contrária. Logo, a liberdade possível surge de um debate e dura o tempo que aguentar. Em seguida, surge nova forma de liberdade a qual se sustentará até o surgimento de outra,  e por ai vai. 

    Mas, vamos combinar né, vamos manter o acordo nacional e internacional: observemos o efeito cliquet!

    2 Não é a busca da igualdade absoluta que, a história testemunha, assassina a liberdade

    Comentário: 

    Combinemos ai, caro Dr. Delfin.  É evidente que a igualdade , em matéria de relacionamento social, nunca foi absoluta.  Aliás, quem costuma se embaralhar com tal fundamento ( igualdade) são os economistas de escol  – e de meia tigela – que , certamente, não e o caso de V.Sa. 

    Igualdade absoluta nem mesmo na matemática:

    X/y = Z (condição: y diferente de zero!)

    Igualdade de RuiM baborsa que no fundo foi “copiada” de Aristóteles que por sua vez, deve ter copiado de um evento observado em sua época. Evento este que deve ter sofrido alguma “tradição” e por ai vai.

    Relembrando, e , em suma:

    Igual = Igual

    Desigual  = Desigual

    Coisa que economistas, sobretudo os de escol de meia tigela não conseguem enxergar em suas “curvas de indiferença”!

    Deixemos o termo ABSOLUTO para o Isaac , evidentemente,  ANTES de Einsten.( mas isso é outra “es”tória)

     

    3- A democracia é assim mesmo. Difícil!

     

    Comentário:

    Depende. Pode ser fácil. Aqui mesmo, no Brasil, há poucos anos, não se tinha nenhuma “percepção” de dificuldades democráticas. 

    Pobres comendo e  saindo da miséria.

    Ricos entupindo seus cofres de dinheiro. Claro, com muita meritocracia e produtividade até  para abrir conta no exterior e tudo mais.

    E classe merda, ops, classe média ( aquela da cabeça congelada com cérebro morto, portanto) e pés no fogo, com seus empregos “estáveis” , cumprindo ordens e defendendo “os de cima que lhes dão emprego.  

    Enfim, a democracia dos sonhos!

    Mas, fácil mesmo é autocracia( vou usar esse termo para não usar aqueloutro)

    Nela, eu mando e você obedece e ponto final. 

    Relembrando:

    Brasil: Ame-o ou deixe-o!

    Ninguém segura este país!

    Bons tempos não!?

    Curioso é que mesmo diante da “modernização” milagrosa, muita gente não se beneficiou do santo milagreiro.

    Em resposta a essa “facilidade” chegamos à premissa fundamental:

    É preciso primeiro fazer crescer o bolo, para depois dividí-lo”.

    Pois bem.

    O bolo cresceu mesmo porque, convenhamos, já era hora né.

    *****

    Desculpem-me preciso sair rapidamente.

    Sinto cheiro de bolo queimado. Deixei o forno acesso. 

    Agora preciso salvar o bolo. Há fatias indispensáveis para a democracia, que por sinal, não é nada fácil de “distribuir” .Certo?

    O bolo tem fim, logo, a soma é igual a zero. Porém, para os economistas de escol e de meia tigela a soma…. zzzzz

    Mas, a garantio, no longo prazo, ah sim, no longo prazo, sempre nele,  esse bolo é dividido. Podem escrever isso daí. Agora é sério. Agora vai. É agora ou nunca. Avante Brasil!

    Por outro lado, um cidadão comum, que paga tributos, mantém sua liberdade com urbanidade, com razoabilidade que se alimenta mas não engorda, não sofre de obesidade,  espera sua fatia calmamente. Este sim pode ser enquadrado no conjunto dos idiotas. Imbecil do presente a espera do futuro!

    Todavia, pela foto acima( que no fundo é também um texto),  a qual apresenta um   “democrata” e com a  boca aberta e grande,  ele, o “debatedor” democrata da foto,  parece querer comer muito bolo. Se isso for verdade, acho que não sobrará muitas fatias de bolo para os outros DESIGUAIS. ( os idiotas do momento)

    Olhando de novo para a foto ( texto) puxa! Meu deus, a boca dele é grande demais. Vai comer o bolo todo,certamente. To com medo.

    Daí, ocorre-me uma pergunta: essa bocarra comerá o bolo todo de novo?

    Saudações

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