Em Barra Mansa, local de terror virou parque de diversões

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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“Entregaram meu filho esquartejado, como se fosse alimento para servir em uma bandeja”

por Marcelo Auler

Pedro Virote, de 88 anos, mesmo com dificuldades ao andar, esteve na manhã desta terça-feira (07/09) no Parque da Cidade, em Barra Mansa, mas não estava interessado no grande parque de diversões ali instalado, nem tampouco foi atrás de algum dos serviços municipais que ali funcionam. Ele, na companhia de outros parentes de ex-soldados do Exército que faleceram naquele local, vítimas de tortura, em 1972 – período mais brabo da ditadura militar, em pleno governo Médici, acompanhou a diligência feita no antigo quartel do 1º Batalhão de Infantaria Blindada (BIB), palco das torturas que hoje o Comandante do Exército, Enzo Pires, alega desconhecer, assim como duas dezenas de generais quatro estrelas, alguns ex-ministros da Força, como afirmaram em nota pública recentemente divulgada.

O que esses generais esquecem é que as torturas no 1º BIB de Barra Mansa foram reconhecidas, na época, por nota oficial do Ministério do Exército do governo Médici, assim como pela Justiça Militar. Na 2ª Auditoria do Exército do antigo Estado da Guanabara, oito militares, sendo três oficiais e cinco sargentos e cabos, além de dois policiais civis do antigo Estado do Rio de Janeiro, foram condenados pelas torturas que provocaram a mortes dos soldados Wanderlei de Oliveira, Juarez Monção Virote, Roberto Vicente da Silva e Geomar Ribeiro da Silva, todos com 19 anos. Além deles, outros onze praças que se alistaram para o serviço militar, ficaram presos e foram vítimas das mesmas torturas, que incluíam choques elétricos, afogamentos e espancamentos, até mesmo com palmatórias especiais fabricadas dentro do quartel. Eram comandados pelo capitão Dálgio Miranda Niebus, S2 da guarnição responsável pela repressão política. Ele, que perdeu a farda e teve a maior pena na primeira instância da Justiça Militar –84 anos de prisão (veja abaixo a relação dos militares condenados), contava com o beneplácito do subcomandante do quartel, tenente-coronel Gladstone Pernasetti Teixeira (sete anos de condenação)..

Os soldados foram presos e torturados sob a acusação de usarem e/ou traficarem maconha dentro do quartel. Porém, por absoluta falta de provas, o Inquérito Policial Militar (IPM) que respondiam foi arquivado. Mas, quando isso aconteceu, quatro deles já estavam mortos e os demais carregavam sequelas das barbaridades cometidas para o resto da vida. Tudo isso, foi noticiado, em maio de 1997, no Jornal do Brasil, por Murilo Fiuza de Mello. Mas, além de cair no esquecimento dos antigos – inclusive dos comandantes militares e dos generais que assinaram a nota recentemente -, pode não chegar ao conhecimento das novas gerações se dependermos da chamada grande imprensa.

A diligência realizada na manhã desta terça-feira (7/10) em mais um local de torturas ocorridas nos quartéis do Rio de Janeiro, mas que os comandantes militares insistem em dizer que não encontraram vestígios delas, foi protagonizada pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), a Comissão da Verdade do Rio de Janeiro (CEV-RJ), a Comissão da Verdade Dom Waldir Calheiros, de Volta Redonda e um grupo de pesquisadores da Universidade Federal Fluminense (UFF) que desenvolve, para a CEV-RJ, um estudo sobre a repressão militar no sul fluminense. Apesar de ser um evento público, divulgado para todos os jornais, nenhum representante da chamada grande imprensa, em especial do Rio de Janeiro, apareceu ppor lá, só havia repórteres de jornais e emissoras de televisão locais. Depois, outros jornalistas, por telefone e internet, correram atrás do release.

Perderam mais uma oportunidade de se indignarem – como recomendava Henfil, na época da ditadura – diante dos testemunhos de impressionantes barbaridades cometidas, não apenas contra esses 15 soldados, mas também com diversos presos políticos que passaram por aquele quartel, entre os quais líderes sindicais ligados à Companhia Siderúrgica Nacional, jovens estudante e militantes de esquerda, assim como operários que pertenciam à Juventude Operária Católica (JOC). A perseguição dos militares e as torturas das quais os seus comandantes atuais dizem não terem encontrado vestígios, atingiram até mesmo um auxiliar direto do então bispo de Volta Redonda, dom Waldyr Calheiros, o padre Natanael, coordenador da JOC. Nos quatro meses em que ficou preso, ele foi vítima de torturas permanentes. Dom Calheiros, como lembraram alguns ex-presos durante a diligência, chegou a apresentar-se no quartel com uma mala com roupas, oferecendo-se para ficar preso no lugar dos que ali eram submetidos às sevícias. Quando os militares desconversaram e o convidaram para almoçar na caserna dos oficiais, ele dispensou o tratamento: “não vim provar da comida, mas saber da situação dos presos”, relatou um dos ex-presos.

As denuncias das mortes dos militares presos só foram possíveis graças a Geralzélia Ribeiro da Silva, irmã do soldado Geomar. Quando a família recebeu seu corpo repleto de marcas das torturas, foi visitada por dom Calheiros, mas os pais do rapaz sentiram medo e decidiram nada falar. Coube à irmã iniciar uma árdua batalha, com a ajuda do bispo e orientação do advogado católico Sobral Pinto. Geomar, ao contrário de outros soldados, jamais fumara ou traficara maconha, garantem seus próprios colegas alguns dos quais, hoje, não negam que tenham cometido o “delito” alguma vez. Para a irmã, Geomar foi vítima de queima de arquivo. Pelo que dizia em casa, na função de motorista era obrigado a transportar cadáveres para terrenos baldios. “Ele não os enterrava mas, sendo obrigado a transportá-los, já estava querendo dar baixa do quartel”, explicou Geralzélia.

Quem foi à diligência nesta terça-feira, viu senhores com mais de 60 anos – alguns septuagenários – chorarem ao lembrar o que passaram na antiga unidade militar. Como, o caso de um deles que denunciou que os militares queriam obriga-lo a ter relações sexuais com um colega seu, também preso. Ou a situação da hoje professora de filosofia Estrela Dalva Benaion Bohadana, na época estudante de arquitetura e militante da Organização Revolucionária Marxista-Politica Operaria (POLOP), a qual, em consequência dos espancamentos e choques recebidos, inclusive na vagina, ficou quatro meses internada no Hospital Central do Exército (HCE), no Rio de Janeiro e sofreu um aborto.

Não bastassem estas atrocidades, os militares, como denunciou à época o comunista Edir Inácio da Silva, advogado, hoje com 70 anos, um dos presos políticos daquele quartel. Ele foi o único que teve coragem de relatar as torturas, o aborto provocado em Estrela e o fato de os militares, ao prenderem ativistas políticos, roubarem seus pertences. Levavam até fronhas, provavelmente em busca de sonos mais tranquilos. Ao relatar tais irregularidades a um oficial superior do Ministério do Exército que foi ao quartel, ouviu um pedido de provas. Edir Silva apontou para o então comandante do quartel: coronel Ariosvaldo Tavares Gomes da Silva. Este, ao saber dos roubos por Edir, exigiu a devolução dos pertences roubados. No depoimento que Edir prestou à época, o oficial visitante recusou-se a colocar no papel o aborto sofrido por Estrela e os “ganhos” que militares faziam na hora de prender ativistas políticos..

Em tempo: Pedro Virote, hoje com 88 anos, que tinha dois filhos até perder Juarez por conta das torturas, jamais recebeu indenização do governo pela perda do filho que hoje poderia estar lhe ajudando na velhice. Faz jus, apenas, a uma pensão mensal de míseros R$ 240,00, o que equivale a um terço de um salário mínimo.

Abaixo, a relação dos militares condenados para refrescar a memória do comandante do Exército. Em seguida, compartilho um texto da presidente da Comissão da Verdade do Rio, Nadine Borges.

Os condenados no processo da Justiça Militar foram: – Ten. Cel. Gladstone Pernasetti Teixeira (subcomandante que respondia pelo comando) – 7 anos de prisão; Capitão Dálcio de Miranda Niebus – chefe da 2ª Seção (S-2), também responsável pela repressão política – 84 anos de prisão; 2º Tenente R/2 Paulo Reynaud Miranda da Silva, auxiliar direto do Cap. Niebus – 77 anos de prisão; 3º Sargento Ivan Etel de Oliveira, da equipe do capitão – 62 anos de prisão; 3º Sargento Rubens Martins de Souza, da equipe do capitão Niebus – 62 anos de prisão; Cabo José Augusto Cruz, da equipe do capitão Niebus – 62 anos de prisão; 3º Sargento Sidnei Guedes, da equipe do capitão Niebus – 57 anos de prisão; Cabo Celso Gomes de Freitas, da equipe do capitão Niebus – 57 anos de prisão; Policial Civil Nelson Ribeiro de Moura, chefe de Iranildes – 2 anos de detenção; Policial Civil Iranides Pereira – um ano de detenção

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

12 Comentários

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  1. Leram, mas não entenderam…

    Vocês dois, Rodrigo e Athos. Leiam de novo, com atenção, o texto! Caso continuem sem entender, leiam novamente. Se mesmo assim persistir a não-compreensão, leiam de novo. Caso não resolva, leiam outra vez. Se ainda assim se mantiver o não-entendimento, favor reler o texto.

    1. Eu respondi ao Athos e não ao

      Eu respondi ao Athos e não ao texto.

      Nada tenho contra o texto – muito bom, por sinal.

      Tenho contra o humanismo seletivo do Athos.

  2. mais provas para resgatar a

    mais provas para resgatar a verdade do período truculento(eufeminsmo).

    a grande mídia não o faz, mas a internet revelará essas verdades.

  3. O mau exemplo de indisciplina

    O mau exemplo de indisciplina dos comandantes militares da época que se amotinaram e depuseram um presidente legal e legitimamente eleito só podia dar no que deu. Forças armadas têm de obedecer a rigoroso código disciplinar, de alto a baixo. Quanto tal não acontece, há abuso de poder, uso ilimitado da força sob qualquer pretexto. Um código disciplinar rigoroso e respectivas punições severas quando desrespeitado é essencial para coibir esses crimes escabrosos.

    Bem, se alguém diz que não houve tortura e alguém prova que houve um caso em que alguém foi torturado, seja militar ou civil, HOUVE tortura. Qual a dificuldade lógica?

    Qual esquerda? O tal do Athos? Ora, esse sujeito de esquerda nada tem. A vida das pessoas tem valor igual, seja a pessoa militar, civil, jovem, velha, mulher, rica, pobre.

  4. O que ocorreu no 1º BiB ainda acontece no Brasil…

    …a utilização deste fato pela comissão da verdade esquerdista é meramente ideológica, não representa ou significa real preocupação para com os Direitos Humanos. Caso isto fosse verdade a tortura e a morte de jovens por suposto envolvimento com uso ou tráfico de drogas, violência ainda presente em nosso país, deveria ser a verdadeira preocupação, afinal é provável que neste exato instante, em algum local, esteja se repetindo, num país governado pelo PT nos últimos doze anos.

    O que deixa mais claro a exploração inequivocamente política do episódio e a tentativa de utilizá-lo como prova da ocorrência de tortura nos quartéis para a repressão política, (coisa que sabemos ter acontecido com ou sem o reconhecimento dos comandantes militares) como se ele também estivesse sido ocultado, coisa que não ocorreu. Os assassinos que comenteram estes crimes foram condenados criminalmente e expulsos do exército, tudo com divulgação pública na época. Para quem tem o mínimo conhecimento da história dos anos de chumbo o caso e os seus desdobramentos não eram segredos. Aliás, embora com negativas do exército, após os homicídios até o batalhão foi rebaixado: de blindado a motorizado, passando a 22º BiMtz.

    P.S. O local não virou parque de diversões. Possui uma quadra/ginásio coberto construído após a transferência do batalhão. Os antigos prédios são ocupados por repartições públicas ou estão fechados. Existe a intenção para o funcionamento de alguns cursos da UFF no lugar. 

    1. Mentira Direitista

      Considero-me de esquerda e já denunciei aqui neste espaço mesmo e em outros espaços as torturas a que são submetidos os presos comuns nas delegacias e presídios. Nunca vi, porém, você reclamando disto. Aliás, pessoas de seu matiz ideológico, Datenas e outros desse tipo, vivem a pugnar por mais cadeia, mais prisão, redução de maioridade penal, mais humilhação para o povo. A sua turma, no caso dos réus da AP 470, babava por mais cadeia, mais assalto a direitos dos presos. A sua turma, quando tomou o poder durante a ditadura. estuprou, matou, esquartejou, e nunca vi você fazer qualquer denúncia. Você é a última pessoa que pode falar sobre tortura, com seu viés deformado de direita. Você não tem autoridade para isto.

      1. Esta não foi a primeira e infelizmente não será a última…

        …que comento sobre tortura de presos. Na época postei isto no fora de pauta, mas não foi promovido a post…

        sábado, 20 de julho de 2013

        Os quatro de Colombo

         

        O horror

         

        Foram detidas 14 pessoas no Paraná. Incluindo um delegado da polícia civil. Os outros são investigadores, policiais militares, guardas civis e até mesmo um “preso de confiança”. Todos acusados de obterem confissões de quatro trabalhadores pobres com o uso da tortura. A própria perícia derrubou a “rainha das provas” obtida pelo delegado e demais policiais ávidos pelos holofotes dos programas sensacionalistas. Não foi encontrada material genético compatível com os quatros suspeitos e não ocorreu o estupro.Não estou aqui defendendo bandidos, desprezando a vítima ou menosprezando a dor dos amigos e familiares da menina Tayná, assassinada aos quatorze anos. Estou constatando que este crime possui cinco vítimas diretas. Uma de homicídio e quatro de torturas e abusos sexuais. Jovens com as vidas destroçadas.Embora pobres e provavelmente analfabetos funcionais os quatro de Colombo não se enquadram com perfeição no politicamente correto que valora os seres humanos atualmente. Fossem eles índios, gays, negros ou militantes sociais e políticos os autointitulados progressistas estariam produzindo um ruído altíssimo e não este silêncio ensurdecedor. Não consideram o sofrimento atroz infligido às pessoas, mas sim a sua qualificação. A ministra petista dos direitos humanos teria ido muito além das falas protocolares. São membros da imensa legião dos brancos deserdados, miseráveis e sofredores, mas rotulados como responsáveis por crimes ancestrais como a escravidão. Como se beneficiários do abominável tráfico negreiro fossem, portanto disputando em condições ainda mais desfavoráveis o acesso à educação. Como Adriano, Sérgio, Paulo e Ezequiel existem milhões de outros rapazes que estarão cada vez mais à margem da sociedade. Não fosse pelo senso de justiça e responsabilidade da perita Jussara Joeckel a gravidade dos fatos não teria vindo a público, pois destruiu o inquérito e suas “provas”. Seria mais um episódio de brutalidade policial que não chegaria ao conhecimento da sociedade. Embora esta doutrinada pelos meios de comunicação de massa ainda louve neste caso os bandidos abrigados no Estado, apesar de todas as evidências da barbárie cometida, como demonstram inúmeros comentários nos portais de notícias. Que aliás continuam propalando o estupro que não ocorreu como mostra o laudo pericial. Tudo para tornar ainda mais sórdido o acontecimento.Após um mês perdido será que as evidências que incriminariam o autor da morte de Tayná ainda serão encontradas? A incompetência dos porões da polícia civil paranaense provavelmente ajudou a tornar mais um homicídio impune no Brasil devido ao seu não esclarecimento.Casos como este se reproduzem em todo o Brasil há muito tempo. Continuam a ocorrer devido à cumplicidade da própria população. Grande parte favorável inclusive à pena de morte, como se no nosso país as investigações fossem científicas e não movidas basicamente pela idiossincrasia  dos policiais. A partir do momento que o “faro” do agente responsável indica um suspeito ele fará tudo para inculpar o infeliz que cruzou o seu caminho. Todo o resto e desprezado em prol do dom que acredita ter ou dos interesses dos superiores.

  5. Golpe manchou as forças armadas

    O Golpe militar foi uma nodoa na história das forças armadas. Muitas pessoas de valor se afastaram da carreira militar, temendo se envolver num ambiente sórdido destes.

    Grandes militares de valor como Marechal Rondon tiveram sua imagem manchada por este golpe com suas torturas e tudo o mais. Justo ele que dizia “morrer se preciso for, matar nunca”, que era um pacifista convicto.

     

    E a grande culpa cabe á mídia direitista que ajudou a eleger Jânio Quadros, e ao eleitor que aceitou este engodo. Se o povo tivesse acreditado em Juscelino e eleito Marechal Lott, nada disto teria acontecido. Lott, por ser militar saberia evitar o golpe e disciplinar os quarteis. Provavelmente, Jucelino já indicou Lott, prevendo isto. Mas o povo acreditou na midia direitista.

    Analisando bem, todas as vezes que o país resolveu acreditar na midia de direita, o Brasil se deu mal. Eleição de Jânio, Collor, FHC, são exemplos que custaram muito caro ao país e ao povo.

    Agora, mais uma vez o povo tem a chance de escolher entre apoiar o candidato Aécio da midia direitista ou apoiar Dilma Roussef.

     

    “Nós tentamos ensinar aos nosso filhos, mas se eles não quiserem aprender, a vida lhes ensinará.”

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