Energia nuclear e o desenvolvimento de tecnologias de uso dual

Por Mariano S Silva

Desenvolvimento de Tecnologias de Uso Dual
 
Desenvolvimento de tecnologia é sempre um processo sigiloso, seja por parte de entidades do estado, seja por empresas privadas. A produção da ciência é bem mais (com exceções) de caráter público. Seus resultados são divulgados, embora sem muitos detalhes, para que outros atores possam acompanhar o feito realizado e inclusive poder criticá-lo. A divulgação de um resultado técnico ou produto novos é feita, em muitos casos, com certa teatralidade de “marketing” já visando a comercialização do bem. A título desta, menos detalhes ainda, são divulgados. Portanto, segredo é sempre parte do processo de divulgação científica e tecnológica. Que dizer então da ciência e tecnologia de uso dual: militar e civil?
 
RD Maestri, em um comentário, me fez recordar de algumas experiências de vida, que passo a relatar.
 
A primeira que me vem em mente deve-se a algumas conversas que tive, nos anos setenta com o saudoso Prof. Sérgio Porto. Este, filho de um pescador da Praça XV no Rio de Janeiro, era além de físico talentoso egresso do famoso Bell Labs ( origem de vários prêmios Nobel), uma pessoa simples e de fácil trato. Pessoas relatavam à época suas partidas de futebol com os funcionários mais simples da UNICAMP. Desconfiei, então, que ele estava tentando o enriquecimento isotópico de U (urânio) através de lasers. Este era um trabalho de ponta que estava sendo feito por alguns laboratórios norte-americanos.

 
Há uma estória estranha que relata a compra de um laboratório e embarque subsequente deste em um Boeing 747 pelo na época Xá do Irã: Reza Pahlevi. Quando os americanos se deram conta do que havia acontecido o avião estava em águas internacionais. Pouco tempo depois o Xá é deposto pelo aiatolá Khomeini (este era incensado constantemente nas páginas amarelas da Veja…).
 
Voltando ao Prof. Sérgio Porto. Este me confidenciou que tentara comprar nos EUA um laser de sal de Pb (chumbo) que seria utilizado para fazer a espectroscopia do UF6 (hexafluoreto de urânio) na região do infravermelho longínquo: 16 μm. Estes dados são, na verdade, resultado de pesquisa científica, pois são a emissão no infravermelho da molécula, que é um ser da natureza. Entretanto, como essa informação científica envolve algo de nuclear ela está lacrada a sete chaves…O desfecho foi o previsível: não venderam. Algum tempo depois a revista Manchete põe a boca no trombone denunciando a existência de um programa de enriquecimento de U por lasers no IEAv / CTA / Aeronáutica.
 
Enquanto isso, alguns brasileiros liderados por um talentoso brigadeiro da Aeronáutica com PhD pelo Caltech (com honras), ajudava os iraquianos usando um método antigo, engenhosamente controlado por microcomputador, na separação isotópica de U. Já se sabe como tudo isso terminou: o brasileiro execrado em sua volta ao Brasil, como se fosse um traidor e Sadan na ponta de uma corda…Anos depois, outro governante árabe que tentou desenvolver a energia nuclear também acaba estuprado e espancado até a morte em praça pública: Muamar Khadafi. Mas tudo isso é história já conhecida por todos.
 
Como fui membro do IEEE por décadas e me interessava, dentre outros assuntos, por micro-ondas, estive presente em conferências do tema nos EUA. Invariavelmente a seção da conferência devotada aos osciladores era mantida a portas fechadas e só lá entrava quem tivesse um crachá especial, que diziam só era fornecido a cidadãos americanos,ou ligados a projetos na área de defesa. Só fui entender a razão da segregação anos depois em um workshop sobre deteção de radiação gravitacional quando, um cientista australiano declarou que, usando um oscilador de micro-ondas controlado por um cristal de safira resfriado como oscilador local de um sistema de radar, ele poderia detetar um bombardeiro furtivo americano. Naquela época somente os russos cresciam cristais de safira com a pureza e tamanho adequados à aplicação. Imagine se algum laboratório brasileiro quisesse fazer experimentos com esses cristais e pensasse em adquiri-los na Rússia. Teria que, certamente, usar recursos em bancos no exterior e os trazer de forma irregular para o país. Isso era um problema em 1996, imagine agora em 2015, quando os americanos implantaram um rígido controle sobre as finanças do mundo ocidental a pretexto de conter o terrorismo. Suponhamos que você necessite de um material ou um detetor nuclear que os gringos se recusam a vender. Como você faria? Certamente teria que dissimular a compra através de terceiros em outros países com pagamento em moeda estrangeira. Eu pergunto: isto é corrupção? Afeta a quem? Será que não interessaria muito aos norte-americanos a revelação dessas transações comerciais secretas? A título de que se deve tornar públicas essas informações?
 
Há cerca de um ano ou dois tentei comprar um chip de relógio atômico de Rb para manter um padrão terciário de base de tempo em meu laboratório. Como a NSA está careca de saber, nunca trabalhei em projetos militares, mas mesmo assim nem sequer me cotaram o pedido feito e olha que os empresários americanos estão doidos para exportar…Se eu quisesse comprar um relógio atômico pronto, na forma de um instrumento acabado, tenho certeza que me ofereceriam, como o fazem a muitos cientistas brasileiros. Muitos desses compram instrumentos sofisticados dos quais mal sabem aproveitar na íntegra, mas a grife é importante…
 
Gostaria que com essas linhas se abra um debate sobre essas coisas pouco ventiladas em um país, onde a maioria da população esclarecida, e de formação humanística, não consegue perceber com clareza. As empresas industriais e muitas das escolas da área de exatas nunca necessitaram se envolver com pesquisa e desenvolvimento. As federais e algumas universidades de ponta de poucos estados mantém laboratórios de pesquisa, mas a engenharia declinou, em termos relativos, nestas quatro últimas décadas. Já estivemos empatados com países, como a Coreia, que há muito nos deixaram para trás. A boa notícia é que a ciência teórica se expandiu bastante, embora a experimental ainda requeira muito da colaboração estrangeira e isto se deve ao declínio da engenharia de instrumentação nestes tempos recentes. Nos tornamos grandes compradores de caixas pretas importadas das quais pouca ideia temos de seu conteúdo. Quando alguém tenta manter a arte de fazer as coisas nesta terra de quem não suja as mãos (pois este é um mero trabalhador) merece a esculhambação e a desonra em praça pública. Precisamos, urgentemente parar para pensar o que queremos de nosso futuro: O México das maquiladoras e drogas, ou a nação que pode o que quiser que todos secretamente desejamos.   
Redação

3 Comentários

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  1. Hummm…

    Hummm, então foi por isso que meu primo, físico experimental com pós doc sei lá onde, foi contratado pela UFRJ em concurso “feito” para ele. Sabe como é,… corrupção, hehehe.

    Para a surpresa dele, seus 3 primeiros projetos foram aceitos. Estava inseguro em ter ao mínimo 1 aceito e agora não sabe nem por qual iniciar.  

    Não, essas compras black ops não são corrupção. Mas tem muita gente que acredita ser. Gente que acredita no mundo do faz de contas, que pessoas são boas e que ´céu é cor de rosa.

    Tudo bem em fazer aqui em casa o que quiser mas ajudar saddan neste ramo sabendo que ninguém no mundo ajuda ninguém, sabendo que Saddan era agente da CIA, é IGNORÃNCIA demais. Ou melhor, ganância, ou talvez ainda fosse o único lugar com dinheiro em que o cientista pudesse trabalhar no ramo de sua escolha.

    Vai saber…

     

    1. Athos, não ficou claro o que

      Athos, não ficou claro o que você quer dizer no terceiro parágrafo. Se a primeira frase é ironia, a segunda é coerente, mas a terceira desqualifica as pessoas mencionadas na segunda. 

      Se a primeira frase não é uma ironia, a segunda frase está coerente, mas a desqualificação está um pouco esquisita, sugerindo que a primeira frase é uma ironia. Pode explicar melhor?

      Quanto ao concurso da UFRJ, pelo que sei só pode ser aberto se houver, pelo menos, uma vaga no quadro de docentes. Neste caso porque não tentar contratar alguém altamente qualificado para o cargo?

      No último parágrafo você diz que Sadam era agente da CIA durante o processo. Até poderia continuar a sê-lo, na época, porque o alvo em questão era o Irã. Depois tornou-se um agente da CIA caçado ferozmente pelos EUA. Imagina se um brigadeiro da Aeronáutica não saberia disto, em plena época do regime militar. Explique porque saiu matéria contemporânea na Veja (busque nos arquivos) sobre o  Mossad ameaçando o Brasil de enviar uma bomba nuclear pelo correio? Será que o que este grupo estava fazendo lá era inócuo? 

      1. Não crítico o que ele estava
        Não crítico o que ele estava fazendo. Crítico o fato dele estar lá fazendo. Não foi uma decisão inteligente!

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