Percival Maricato
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Escola Sem Partido: tragédia ou comédia? por Percival Maricato

Escola Sem Partido: tragédia ou comédia?

por Percival Maricato

Como seria uma escola sem partido?

Aluno: professor, o senhor pode explicar que é socialismo?

Professor: tá louco, não fale mais essa palavra, pode me tirar o emprego, dar oito anos de cadeia, vamos mudar de assunto;

Aluno: capitalismo pode?

Professor: preciso pensar;

Aluno:  o senhor acha que a divisão de renda é importante para o desenvolvimento da economia:

Professor: censurada;

Aluno: professor, podemos estudar a revolução americana?

Professor: revolução nem falar, nem americana, francesa, russa, cubana… nadinha; nem existiram.

Aluno: e a de 1932, orgulho paulista, de 1964…

Professor: essas tenho que perguntar ao diretor, que irá perguntar ao censor, que irá perguntar ao comissário em Brasília. Ele decide;

Aluno: então vamos falar de evolução da espécies…

Professor: Deus nos livre. É coisa do Psol, do PT, do capeta.

Aluno: mas o criacionismo pode? Não vão dizer que somos do Centrão, PSC, partidos evangélicos…

Professor: acho que pode; vou conferir com o diretor ….

Aluno: e essas novas ideias que correm pelo mundo: aborto, casamento gay?

Professor: melhor não, tem partido a favor e contra. Então tudo que nós falarmos ou deixarmos de falar será de partido e portanto proibido. Falemos da vida dos santos…

Está no ar a proposta mais grotesca já feita no país e discutida como se fosse séria. Teria sido aprovada na assembleia estadual do Alagoas. Dizem, mas há que se duvidar; não é possível se  obter uma aglomeração de tantas pessoas com tal grau de indigência intelectual e mental, mesmo deputados.  A proposta vem do Partido da República, apoiada por diversos outros e de acordo com suas ideologias conservadoras. Serra e Aluisio, ex presidentes da UNE  e do Centro Acadêmico XI de Agosto, proibidos e perseguidos pela ditadura, não se manifestaram. A opinião dos pais e da TV Globo e cia na formação dos jovens seria inquestionável.

Nem a ditadura militar, nem Mussolini, Franco ou Hitler pensaram em algo tão abjeto, uma ode desse porte ao obscurantismo. Se o projeto  de lei passar no Congresso, o que não se pode duvidar, logo pode aparecer alguém que proponha que as escolas voltem a ser só para homens brancos e ricos, sem mulher e crioulo de quotas para atrapalhar. Os pais, geração passada, e a  educativa TV brasileira ficariam a vontade para fazer cabeças. Ou será que podemos ter também a mídia sem partido?  Como ficará a escola, livros, nível dos professores, a capacidade crítica dos brasileiros, o reflexo no restante da sociedade, se isso for implantado? Hegel dizia que o conhecimento é síntese, exige tese e antítese. Terá que ser esquecido. Há partidos que tem posição para todas atividades do governo e da sociedade: cultura, economia, tecnologia, história, até interpretação dos fatos do cotidiano e dos anos recentes. E alguns que não tem posição para nada, simplesmente aderem. Sem falar sobre coisa alguma, os professores não estariam tomando a posição destes últimos.

Haverá deputados que dirão para ficarmos satisfeitos. Se essa escola fosse implantada anos atrás, ferreamente, fiscalizada, professor herético na cadeia, a ventilação de ideais criminalizada, paz de cemitérios, sociedade sem crítica, prevalência do conservadorismo, ainda estaríamos no Império, não teríamos a República. Esta, por sua vez, teve significativa participação de militares, formados em escolas de oficiais. Não teríamos a tal democracia com ideias esdrúxulas sobre tolerância, pluralidade, debates, liberdade de expressão, sempre de cores partidárias, características das escolas, da inquietude juvenil, da procura da verdade, manifestação de sentimentos. Grêmio estudantil, assembleias de estudantes, jornaizinhos, de jeito nenhum.

Poderíamos estar pacificamente divididos em senhores e escravos, já que muitos dos abolicionistas foram pessoas que passaram pelas escolas.  A manutenção da separação entre casa branca e a senzala continuaria total, sem transtornos como este recente, tal de impeachment. Não teria esse negócio de um sujeito visivelmente amorenado sair da senzala para invadir espaços da casa branca,  sem pegar uns dias de pelourinho, sendo devidamente tratado pelo capitão do mato, para depois ser recolhido às galés. Quem não conhece o lugar deve agradecer que agora tem apenas condução coercitiva e juízes diplomados para devolvê-lo ao lugar de onde nunca deveria ter saído.

E se escola sem partido fosse imposta no Império Romano, alguns dois mil anos atrás, não teríamos o catolicismo tão desenvolvido já que os conventos e universidades foram fundamentais à sua expansão; estaríamos comemorando Apolo e Dionísio.

Já que não foi assim, o catolicismo passou, poderia ter prevalecido como única religião. Bem que a Inquisição, escola de religião única, tentou, escorada no Index Librorum Prohibitorum, atualizado no século XX pelos nazistas. Foram os últimos a implantar escola sem partido, pois a ideologia do partido nazi era a do bem da pátria, portanto de todos, portando não era de partido (o nome já diz: partido, do verbo partir, o que era inadmissível), não havia oposição.

Se desse certo, não teríamos também os protestantes, os evangélicos, tanta pluralidade, vez que seus criadores não teriam qualquer chance de adentrar, terminar e dar aulas em escolas da época, universidades e assim espalhar suas ideias subversivas, como aconteceu com Lutero, Calvino e outros.

Se a escola sem partido prevalecesse seriamente desde Torquemada, um de seus propositores no Brasil, Alexandre Frota, com toda sua energia, poderia ser um inquisidor de primeira linha, pondo professores heréticos nos porões. Não fosse assim seria torrado em fogueira, por suas tendências pela nobre arte do pornô. E muitos dos que a propõe não teriam nem nascido, pois o aborto estaria terminantemente proibido.

Com mais essa brilhante evolução, para melhor formar robozinhos, poderíamos reestabelecer o DOPS, onde zelosos investigadores encarregados do Imprimatur receberiam os autores que querem publicar seus livros. Tudo poderia começar com uma grande queima de livros tidos como partidários, ou seja, que manifestam opiniões, mesmo os que falam contra ou a favor de uma tese ou fato, pois estes são partidários duplamente. O do presidente interino incluído, já que fala em democracia e constituição e isso leva a liberdade de expressão, direito de acesso a informação, direito de defesa e contraditório etc. Escolas sem partidos exigem livros sem partidos, literatura não contagiosa, asséptica.

Digo o DOPS se não fosse possível ter logo um Big Brother a la Orwell para todo o país, com as teletelas em cada sala de aula; assim conseguiríamos censurar também os artigos publicados na mídia. A proposta do projeto de lei impõe um cartaz nas escolas estimulando denúncias anônimas, que devem ser levadas ao Ministério Público. Muito interessante para os professores, que ganham  menos de  1/10 do salário de um deputado ou vereador e muitas vezes levam horas para chegar às escolas onde darão aulas. Como explicará a cinquenta alunos de formação diferente, cem pais que pensam diferentes, que sua dissertação sobre o valor nutritivo da marmelada não insinua coisa alguma. Pensando bem, poderíamos resolver isto proibindo os pais e alunos de ter partidos. Por que não ter teletelas do Big Brother dentro de cada casa? Cada escritório? nas ruas? Nos parlamentos?

Percival Maricato

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Percival Maricato é advogado

4 Comentários

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  1. Partido de quem cara palida!

    Hahahaha…

    muito bom.

    Essa historia de escola sem partido é o maior atestado de burrice desse pessoal!

    Faltou falar a ultima palavra

    – Escola sem partido de esquerda.

     

    PS: este frota deveria estar preso preventivamente, torturador em potencial, como os barbudos foram preso por terrorismo que não cometeram. 

     

  2. Escola sem partido não é

    Escola sem partido não é deixar de falar sobre determinado assunto. Não é ser evasivo sobre determinado tema. É não apresentar o julgamento do professor sobre determinado tema, como se fosse a verdade absoluta. O Programa Escola sem Partido é uma proposta de lei que torna obrigatória a afixação em todas as salas de aula do ensino fundamental e médio de um cartaz com os deveres e direitos do professor, com o objetivo de informar e conscientizar os estudantes sobre os direitos que correspondem àqueles deveres, a fim de que eles mesmos possam exercer a defesa desses direitos, já que dentro das salas de aula ninguém mais poderá fazer isso por eles. O professor não pode aproveitar a audiência cativa e obrigatória do aluno em sala de aula, para promover seus interesses ou preferências ideológicas, religiosas, morais ou políticas. 

    Esses deveres já existem, pois decorrem da Constituição Federal e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Isto significa que os professores já são obrigados a respeitá-los ‒ embora muitos não o façam ‒, sob pena de ofender:

    a liberdade de consciência e de crença e a liberdade de aprender dos alunos (art. 5º, VI e VIII; e art. 206, II, da CF);

    o princípio constitucional da neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado (arts. 1º, V; 5º, caput; 14, caput; 17, caput; 19, 34, VII, ‘a’, e 37, caput, da CF);

    o pluralismo de ideias (art. 206, III, da CF); e

    o direito dos pais dos alunos sobre a educação religiosa e moral dos seus filhos (Convenção Americana sobre Direitos Humanos, art. 12, IV).

     

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