Escritor é denunciado por obra de ficção

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Jornal GGN – Escritor é intimado pela PF para explicar seu livro… não! Escritor é intimado pois em seu livro tem falsificação de documento… não! Escritor é denunciado por obra de ficção… não! Espera! Vamos do começo. Ricardo Lísias, escritor, é alvo de denúncia anônima por falsificação de documento público. O crime teria ocorrido nas páginas de seu livro.

A matéria do Estadão, de autoria de Guilherme Sobota, discorre sobre o crime. Segundo consta, o escritor foi intimado a esclarecer o caso pois que seu livro levou à intauração de inquérito na Polícia Federal por falsificação de documento. Segundo Lísias, “o Brasil está vivendo um estado de alucinação”. É verdade!

O paulistano recebeu uma intimação para comparecer à Polícia Federal para esclarecer o crime que foi motivado por peça de ficção criada por Ricardo Lísias para a série Delegado Tobias (publicada pela e-galáxia), que tem uma decisão judicial ficcional que orna com a narrativa. Ou seja: dentro de tal contexto ficcional a decisão tem seu apelo por ali estar.

Tudo começou com um denúncia anônima enviada à Justiça Federal via Facebook, que foi encaminhada ao Ministério Público Federal. Um procurador de Justiça, anônimo nestas paragens, decidiu requerer à Polícia Federal que fosse instaurado inquérito para esclarecer tudo. Pela Constituição, se a PF recebe uma requisição, tem que cumprir. Daí que o Lísias será então investigado por falsificação de documento público e uso de documento público falsificado, crimes que estão nos artigos 297 e 304 do Código Penal.

O meliante autor deu entrevista ao Estadão, e disse que as pessoas acham que ele está inventando tudo isso. Criação em cima da criação, vai ver. Mas é que Ricardo Lísias é conhecido por explorar a autoficção em suas obras, diz o jornal, mas com tanta loucura o escritor afirma que o Brasil não está normal. Nem eu. Eu leio a situação toda e entendo que tudo se perdeu.

A obra de Lísias, Delegado Tobias, em cinco volumes, conta a história de um assassinato. O tempero é comum a tantas obras de ficção policial e faz sucesso quando o enredo pede crime. Mas vem sendo publicado desde o final de 2014, o que deu ao autor um respiro de meses antes da denúncia do crime sobre o crime publicado. Lísias, o acusado, burilou sua trama com a ajuda dos leitores via redes sociais – um crime coletivo? – o que foi explicado na obra, no prefácio do quinto volume onde o documento investigado se encontra.

Conforme explicado no Estadão, o documento em si é uma decisão judicial emitida pelo personagem Lucas Valverde do Amaral Rocha e Silva, um juiz, fictício, que determinou o recolhimento da obra “Delegado Tobias” e baniu o uso do termo ‘autoficção’. Na sentença o dito de que “o público leitor médio (…) não tem o discernimento suficiente para discernir se está diante de uma obra de ficção ou mero relato, o que sem dúvida trará incontornável prejuízo à imagem da personagem em tela”. 

Já a Polícia Federal de carne e osso, aquela que é da vida real, soltou uma nota informando que “não investiga escritores por suas obras de ficção” e que o inquérito tem por finalidade responder se houve crime, se crime foi real, se foi real quem cometeu. Questões sucintas. Práticas. A PF informou ao Estadão que a investigação está em andamento e que serão “realizadas algumas diligências para que essas respostas possam ser dadas”. O escritor meliante, por seu turno, não informou ao jornal se este roteiro também estará em seu sexto livro. Em 20 de outubro, quando dará sua versão dos fatos fictícios ali narrados em audiência, o autor poderá nos dar esta notícia.

Pedro Luiz Bueno de Andrade, advogado da vida real do autor, declarou ao jornal que acredita que tudo isso é um equívoco, já que o documento não é falso, mas sim parte de uma peça artística que foi descontextualizada. “Fora da obra literária, ele não tem qualquer função, não pode alterar nada no mundo real”, ponderou realisticamente o advogado. Na vida real, aliás, o escritor se comprovadamente meliante, poderia enfrentar pena de até 12 anos por esses crimes. “Por força de um equívoco, a gente trouxe a ficção para a realidade”, concluiu o advogado.

Eis o documento que causou toda esta polêmica. E as informações todas são do Estadão. As informações não estão no livro, só a parte que lá já foi impressa, todo o resto é novo.

 

 

 

 

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Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

12 Comentários

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  1. Bem feito!

    Quem mandou afirmar que a “lista de furnas” é “documento” e é “verdadeira”, depois que foi feita “perícia” que concluiu que é “falsa”?

    Aliás, nada mais bizarro sobre ter sido feito uma perícia para descobrir se umas anotações em uma folha de papel consubstanciava “documento verdadeiro” ou “documento falso”!

    Desde quando umas “anotações em folha de papel” constituem “documento”?

    A “lista de furnas” tem o mesmo “valor probante intrínseco” de uma “delação premiada”! É tudo borogodó! O que importa é investigar o que tais “documentos” contêm! 

    Vamos fazer “perícia” para descobrir se as “delações premiadas” são “documentos verdadeiros” ou “documentos falsos” – e esquecer o que nelas foi transcrito… 

    Claro! São documentos verdadeiros, porque “constituídos perante autoridade constituída”! Logo, borduna nos “delatados”, porque são “culpados”!

    E assim o Direito Penal segue…

    1. Lista de Furnas.

      As declarações dadas pelos delatores Costa e Youssef confirmam propina para Aécio Neves proviniente de dinheiro de corrupção de Furnas e isso não é ficção são fatos….sua opinião é ilusária e ficticia…..

  2. O que é mesmo ficção?

    Boa, Lourdes. O que é mesmo ficção nessa reportagem? O autor , o processo, o livro ou a política brasileira?

    Como os escritores nacionais deram as costas para o real, o real por sua vez virou ficção. Esse caso daria uma grande discussão, se o nível intelectual e humano da política e cultura nacionais não andassem tão baixos. Depois do processo do “mensalão”,. da teoria do domínio do fato, depois, sobretudo, do juiz Moro e sua prática de encher de petistas a Casa Verde, digo, encher de petistas a Política Federal, perdão, devo dizer, Polícia Federal, depois de um Ministro da Justiça que nada vê da sua política federal, quero dizer, Polícia Federal, chegamos enfim a um escritor que vira réu em função de uma página de ficção, que foi tomada como real.  Saudade de Flaubert sendo processado pelo nível moral de Madame Bovary. Agora, a degradação é mais primária.

    Se o nível a que chegamos fosse um pouquinho melhor, valeria repetir o genial Eça de Queirós, Ele, ao sofrer a reclamação de uma pessoa que se viu retratada nas páginas de um seu romance, assim respondeu ao  indivíduo que lhe servira de modelo:

    – Saia do meu personagem!

    Assim, bem que poderíamos adaptar: atenção, polícia federal, juízes e delegado, saiam das páginas de Ricardo Lísias.

  3. Esse cara é escritor? Deveria

    Esse cara é escritor? Deveria ter pelo menos um mínimo de lucidez.

    Utizar-se de documento público é crime, com incidência de dois tipos penais: falsificação de documento público e uso de documento público falsificado (Código Penal, arts. 297 e 304).

    A prova material do crime não poderia ser mais evidente: o Brasão da República e a indicação da suposta Corte de Justiça julgadora. O naluco ainda inventou o nome de um Desembargador Federal e mandou tinta… assinou como se fosse juiz.

    Para que inquérito? Para perguntar se o documento que contém o Brasão da República sem sê-lo é falso ? Para perguntar se o “doido” não tomou o remédio certo no dia em que utilizou-se publicamente de documento público falsificado?

    Deve ser tucano.

    Este MPF…? Esta Polícia Federal…?

  4. Isso é mais kafikiano – O

    Isso é mais kafikiano – O Processo – ou mais Machadiano – O Alienista – não, é coisa do Brasil “muderno”,do Brasil dos dotô delegados e dos dotô juízes, homis sabidos que mandam agora no Brasil.

  5. hermeneutica

    Sugestão para o supremo, nestes tempos em que realidade e ficção se misturam numa “realidade virtual”. H.G.Wells já colocou isto a prova em “A Guerra dos Mundos

  6. Sobre blogueiros condenados por obra de ficção e piadas

    Bissexta – “Ali Kamel, a Teoria da Conspiração e a Mentira dos Blogueiros”

    STJ1

    Nesta segunda feira, a coluna “Bissexta”, do advogado Walter Monteiro, expressa sua visão sobre os recentes processos envolvendo o Diretor da Rede Globo de Televisão Ali Kamel.

    Ali Kamel, a Teoria da Conspiração e a Mentira dos Blogueiros

    A primeira vez que ouvi falar no assunto foi no blog do Luiz Carlos Azenha, com um post intitulado “Humor – Justiça conclui que Ali Kamel não manda na Globo”. Dois trechos me intrigaram, transcrevo abaixo:

    “Kamel bate um recorde: 4 vitórias em 4 ações na primeira instância da Justiça carioca. Alguém tem dúvida sobre o resultado dos processos que ele também move contra Luís Nassif e o sr. Cloaca? Nem o Barcelona tem esse aproveitamento!

    Ali Kamel processou Rodrigo Vianna por causa de uma piada. Processou Marco Aurélio Mello por uma obra de ficção. E a mim por atribuir a ele poder que não tem.”

    A minha curiosidade é que o tema se encaixava no meu projeto de pesquisa do doutorado, ainda inconcluso (talvez eternamente inconcluso). Trabalhando para o Sindicato dos Jornalistas no Rio, vi casos de pequenos veículos de imprensa massacrados por indenizações pesadas, às voltas com ações judiciais impagáveis.

    A tese que me propus a investigar partia do princípio de que o Judiciário brasileiro, mesmo sem se dar conta e por vias transversas, poderia contribuir para impedir a livre circulação de ideias e o confronto de opiniões.

    A hipótese original trabalhava com pequenos jornais, quase sempre de cidades interioranas, alvo da ira de poderosos locais, com dificuldades para se defenderem adequadamente, sem apoio de quase ninguém. Uma batalha quixotesca e dura.

    Mas o texto do Azenha me deu um estalo: será que a estratégia dos coronéis regionais estaria sendo reproduzida por alguém de alta patente do segmento de mídia para sufocar os blogs, ainda mais frágeis que os jornais do interior?

    A versão de que o Ali Kamel é um Darth Vader em guerra contra os que pensam diferente da Globo rapidamente ganhou musculatura no ambiente virtual e chegou-se a dizer que a justiça andava mais rápido para Ali Kamel que para o restante da população, além dele sempre vencer.

    E a coisa foi indo longe: Azenha ameaçou fechar o blog, tem deputado se pronunciando na Câmara contra a ameaça da asfixia econômica dos blogs, foi criado um fundo econômico para protegê-los das “ações movidas por grandes corporações da mídia” (palavras deles), enfim, a “Aliança Rebelde” já está pronta para resistir às investidas da tropa do “Império” doida para sufocar os “Jedis”.

    Eu seria mais um a cerrar fileiras na dita resistência heroica, não fosse a minha curiosidade de saber o que realmente acontecera com os processos, para poder engordar a minha tese eternamente work in progress.  Foi aí que eu tomei um susto, seguido de desapontamento e frustração.

    São 4 blogueiros condenados, como disse o Azenha: ele próprio, Rodrigo Vianna, Marco Aurélio Mello e Paulo Henrique Amorim. Vamos, portanto, aos casos, que supostamente representariam um atentado à liberdade de opinião.

    Rodrigo Vianna escreveu um texto chamado “As Taras de Ali Kamel”, dizendo que o jornalista era um ator pornô e publicou um link para um dos filmes que teria sido encenado pelo diretor da Globo, onde há um ator que se parece com ele fisicamente. Quando processado, alegou que a alusão às taras, ao filme e a profissão de ator pornô são, na verdade, uma mera metáfora, sem intenção de transformá-lo em um fornicador profissional. Foi condenado a pagar R$ 50 mil, em um processo ainda em tramitação, que demorou 2 anos para ser julgado em primeira instância.

    Marco Aurélio Mello escreveu 3 textos, sem fazer alusão direta ao nome de Ali Kamel, mas deixando claro que se tratava de uma das pessoas mais influentes do país, fazendo alusão à “R.G” e ao “Dr. R.”.

    Fez uma entrevista com uma vizinha dessa pessoa, que o acusava de ter um “maconhal” em casa e que se incomodava de que o cheiro da maconha atingia o quarto de suas filhas adolescentes. Em resumo, mesmo sem tocar no nome do jornalista, insinuava que ele consumia e até plantava maconha em casa.

    Em sua defesa, alegou que o blog mistura realidade com ficção. Foi condenado a pagar R$ 15 mil, processo ainda não encerrado, que demorou mais de 1 ano para receber a sentença de 1ª instância. Fator decisivo para o insucesso do réu foi o depoimento de sua própria testemunha, que alegou saber que o personagem inominado no texto era Ali Kamel.

    Luiz Carlos Azenha afirmou categoricamente que foi condenado a pagar R$ 30 mil por ter dito que a responsabilidade do conteúdo editorial da Globo é de responsabilidade do Ali Kamel, chamando a conclusão da sentença de “versão humorística”, mas a história não é bem essa.

    Primeiro, ele brincou com a história do ator pornô, publicando textos intitulados “jornalismo pornográfico” e “estilo pornográfico”. A sentença foi explícita ao reconhecer que Azenha se utilizou da polêmica difundida por outro blog (o do Rodrigo Vianna) para ofender Ali Kamel. Logo, ele foi condenado por conta disso que chama de “piada”.

    E, de fato, além da história do filme, realmente a sentença também condenou Azenha por ter exacerbado o seu limite de críticas ao atribuir a Ali Kamel um poder de ditar a linha editorial dos diversos meios de comunicação das Organizações Globo.

    O que Azenha não disse para nós é que a sentença chegou a essa conclusão se baseando em um documento que o próprio Azenha juntou ao processo: um texto que mostra a existência de um órgão chamado Conedit, integrado por vários figurões da Globo, dos quais Ali Kamel é só mais um.

    Dos 4 processos citados, enfim, 3 deles nada têm a ver com confronto de ideias ou críticas políticas. São ofensas diretas e graves a uma pessoa que não é pública e que tem todo o direito de se revoltar ao ser acusada de ser um ator pornô ou plantador de maconha em casa.

    Não é surpresa nenhuma que Ali Kamel tenha vencido essas causas. Incrível seria exatamente o contrário – que histórias tão loucas e sem qualquer possibilidade de serem comprovadas não tivessem resultado em condenação. Um dos réus, Marco Aurélio Mello, ainda teve a ousadia de alegar, em sua defesa, que Ali Kamel estava “muito sensível”.

    O último caso, o de Paulo Henrique Amorim, é um pouco diferente, porque não há uma invenção do comportamento pessoal de Ali Kamel, nem algo diretamente desabonador. Paulo Henrique Amorim xingou Kamel de racista, por conta das ideias contidas no livro “Não Somos Racistas”.

    Racismo, como se sabe, é crime. Imputar a prática de crime a alguém, como se sabe, é calúnia. Caluniar alguém, como se sabe, é base para indenização. Fim de caso, não havia mesmo como PHA sair ileso dessas.

    Mas nesse caso eu tenho lá certa, digamos, antipatia pela condenação. Kamel escreveu um livro polêmico, sobre um tema igualmente polêmico. É natural que despertasse reações contrárias. Ele pode ter, como de fato tem, direito de ser indenizado, por ter sido caluniado (inclusive porque no livro, que, sim, eu li, para poder falar mal, ele afirma categoricamente que não há racismo no Brasil; logo, ele não seria racista).

    Só que eu acho que teria sido mais digno se ele procurasse responder aos xingamentos de PHA (que foi claramente ofensivo no seu texto) na mesma moeda, defendendo seus pontos de vista publicamente. Ir para o Judiciário nessa hora fica parecendo aqueles meninos acuados, que vão em casa chamar o irmão mais velho para bater nos folgados, sei lá…

    Independente de qualquer coisa, a leitura dos 4 processos nos deixa claro o seguinte:

    a) Todos os réus foram condenados porque deram ampla margem para tal;

    b) Os processos seguiram uma tramitação bastante convencional, não havendo o menor indício de aceleração;

    c) As condenações estão longe de ser exageradas, nenhuma delas supera o equivalente a 50 salários mínimos. Exatamente por conta disso, é um equívoco dizer que representam uma ameaça à liberdade de informação;

    Uma coisa é preciso dizer: à exceção de PHA, cuja resposta desconheço, os demais réus reagiram muito mal às condenações. Um dos objetivos da indenização é o que se chama de “caráter pedagógico”, ou seja, desestimular o ofensor a repetir o erro praticado. Mas nada disso aconteceu. Ao invés de refletirem sobre suas práticas, os blogueiros assumiram um papel de vítima que não lhes cai bem, omitiram de seus leitores os reais motivos das sentenças e inventaram uma espécie de conspiração simplesmente fantasiosa.

    Um papelão, convenhamos, que me traz uma decepção profunda, já que eu admirava a todos e execrava Ali Kamel. Nada pode ser pior do que descobrir que, ao final de tudo, era o suposto vilão quem tinha razão.

    A parte mais irônica fica para o final. A grande mídia não pode nem ouvir falar em regulação de suas atividades e esses blogueiros, ao contrário, são seus maiores defensores. Junto comigo, que sou um entusiasta do tema.

    Pois justamente se no Brasil houvesse uma regulação da atividade jornalística, capaz de punir desvios éticos e práticas ilícitas, estariam todos punidos! Afinal, quem foi que disse que se pode acusar alguém de ser usuário/produtor de drogas e “fornicador profissional”, não provar nada e ficar tudo por isso mesmo?

    Que vexame. Que vergonha. Que decepção.

     

    http://www.pedromigao.com.br/ourodetolo/2013/04/bissexta-ali-kamel-a-teoria-da-conspiracao-e-a-mentira-dos-blogueiros/

     

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