Especialista avalia que pais querem “terceirizar” filhos usuários de drogas

Rio de Janeiro – O crack é um sintoma e não o problema em si. A opinião é da presidenta da Associação de Conselhos Tutelares do Município do Rio de Janeiro, Liliane Lo Bianco. “Claro que precisamos enfrentar o crack, mas os casos de dependência química estão relacionados à ausência de políticas integradas para o fortalecimento do núcleo familiar de pessoas em situação de vulnerabilidade”, avaliou.

Há mais de dez anos trabalhando com crianças e adolescentes em situação de risco, ela acredita que os vínculos familiares estão em um ponto de fragilidade que muitos pais querem se isentar das responsabilidades legais e sociais sobre os filhos. “A mãe sai, deixa a criança em casa para ir ao baile e o pai não quer saber. São pais que têm os vínculos familiares já esgarçados e não têm essa relação de zelo e proteção com os próprios filhos”, avaliou.

A presidenta da Associação de Conselhos Tutelares ressaltou que a situação é de tal gravidade que os pais, hoje, “querem terceirizar o poder familiar”. Segundo ela, ao tentarem delegar a criação de seus filhos, essas pessoas mostram que a relação de proteção familiar e de autoridade “diluiu-se”.

A própria realidade dos conselhos é um exemplo da falta de estrutura da sociedade para lidar com o problema. Liliane Lo Bianco destacou que na área em que atua o conselho na zona oeste, abrangendo Jacarepaguá, Barra da Tijuca, Recreio e Vargem Grande, com mais de 1,5 milhão de habitantes, deveria haver outros 12 de acordo com o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). A realidade, no entanto, é outra: são apenas dois conselheiros para 30 atendimentos por dia.

“A cada 100 mil habitantes é preciso ter um conselho tutelar para que haja um serviço de qualidade. É humanamente impossível atender a todos”, relatou. “Além disso a rede [de assistência] não é integrada e as casas de abrigamento não têm projeto terapêutico. Nós não temos o retorno dos casos que enviamos, então não sabemos como é a dinâmica. Só sabemos o que aconteceu com essas crianças quando eles voltam para nós”, ressaltou a presidenta da associação. A falta de dados e de números sobre crianças e jovens dependentes de drogas impossibilita, segundo ela, a criação de políticas públicas eficazes.

Além dos atendimentos espontâneos, o conselho recebe chamadas de delegacias, escolas, hospitais e casos relatados ao Ligue 100, entre outras fontes de denúncias. Liliane explicou que a maioria dos problemas estão relacionados à violência doméstica, sobretudo a falta de afetividade. “O que leva à droga, à compulsão, à prostituição é a ausência de afetividade. Nosso maior problema hoje em dia, nos conselhos, é o grande índice de abandono, seja por pais usuários de drogas ou não”, explicou ela.

“Tem um caso emblemático. O rapaz [filho] começou a usar droga e a mãe não quer mais saber dele. Mas o menino havia largado a escola há mais de um ano. Se ele tivesse tido uma escola em que fosse estimulado, com horário complementar, pais que pudessem acompanhar esse processo, a droga não teria entrado na vida dele”, lamentou Liliane.

Os investimentos no combate ao uso do crack, segundo ela, devem ser voltados principalmente para a prevenção. Na sua opinião, depois que a pessoa se vicia o tratamento torna-se muito mais difícil. “Não acreditamos na internação compulsória pois, sem adesão, o menino volta para rua e vai se drogar de novo”, disse Liliane. O necessário é ter um espaço para as crianças que pedem para ser tratadas, defendeu.

Apesar da situação problemática, Liliane Lo Bianco comemora a criação de mais quatro conselhos, em 2013, e outros quatro no ano que vem, além da previsão de aumento do número de conselheiros de 60, atualmente, para 100 até 2014.

O Conselho Tutelar é um órgão não jurisdicional, composto por cinco membros eleitos pela sociedade. Os conselheiros atendem crianças e adolescentes que sofrem algum tipo de violência ou abuso e são responsáveis pela proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes. Os conselhos fiscalizam os entes de proteção – Estado, comunidade e família – e requisitam serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança. Além disso, o conselho contribui com o Executivo na formulação de ações e políticas públicas a esse público.

Edição: Marcos Chagas

Redação

8 Comentários

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  1. Quando a realidade assusta!

    Mas é a realidade, e os diferentes “poderes” pagos e alguns eleitos (não é o caso do judiciário) pela população não mostram nenhum empenho.

    É terrivelmente triste…

  2. Alguns sintomas na indústria

    Alguns sintomas na indústria do entretenimento sobre esse problema da diluição da autoridade da família e o desaparecimento físico e simbólico dos pais:

    Por que os pais desapareceram do imaginário infantil:

    http://cinegnose.blogspot.com.br/2012/04/por-que-os-pais-desapareceram-do.html

    A Dialética da Família: de Charlie e Lola aos Simpsons:

    http://cinegnose.blogspot.com.br/2012/12/a-dialetica-da-familia-de-charlie-e.html

  3. Solidariedade em falta

    Quando a competitividade pessoal foi elevada ao altar de divindade, muitos de nós se sentiram completamente desamparados, cada um por si e Deus para quem conseguir pagar mais.

    No redemoinho, muitos fraquejaram, inclusive na responsabilidde familiar.

    Cobrar é preciso, e combater o individualismo pode reacender a esperança dos que estão devendo.

     

    1. Quando li  a matéria, não

      Quando li  a matéria, não cheguei a nenhuma conclusão. Pois tenho um primo que é pedreiro (ainda que abstêmio)

      Porém, quando li teu comentário, vi que o problema é meio esse mesmo. (Individualismo)

      Não que eu defenda a família, mas na selva que vivemos, se não tiver o amparo da família, a vaca vai pro brejo e rápido.

      O caso do meu primo é meio parecido com o que foi dito, por exemplo, ele foi o primeiro a abandonar a escola.

      Mas o “consenso” é que ele é o único responsável. Eu sempre me opus a esta simplificação, mas nunca me expressei, agora dá para concuir.

      Lembro que uma das expressões deste individualismo no seio da familia era de que a mãe dele (minha tia) era aficcionada por novelas. Começava as 17h00 e só terminava lá pelas 22h00, neste ínterim poderia ter até terremoto que a mulher não saia do sofá. O pai era pingaiada e morreu de cirrose. 

      Enquanto isso, cada um dava seu jeito na selva. O moleque era livre para fazer o que quisesse e quando quisesse.  A mãe, que restava ter o mínimo de cuidado, além das preocupações do dia a dia, não abria mão das novelas da Globo (veja como a Globo atrasa nossa vida).

      Hoje, o moleque é esquizofrênico. Até hoje não consegui concluir se é consequência ao uso das drogas, pois quando éramos criança ele era 100% normal. O pessoal não toca neste assunto, sao pessoas muito simples, ou seja, pobres de recursos e principalmente de espírito. Acho que fazem tudo errado, uma delas é ficar frequentando igrejas, com essa hipocrisia de que o moleque está com o “encosto”. Quando eles sabem do início ao fim que os encostos são eles mesmos.

  4. Tem algumas questões que

    Tem algumas questões que foram pontuadas nesse post que são interessantes, outras carecem de maior reflexão, a principal delas é a culpalização das famílias. Esse paradigma ainda é muito arraigado, mas não leva a nenhuma solução. Hoje se pensa em responsabilização ou mesmo suplência no caso de não haver ninguém da família com condições de cumprir as funções parentais diante da criança e do adolescente. Ou seja, a terceiração é necessária sim em alguns casos. O papel da escola é também fundamental!   O fato é que já existem inúmeras pesquisas que apontam que a droga não é a causa, mas sim consequência e o necessário é solidariedade social com os usuários e suas familias e não uma visão moralizante,  preconceituosa e desqualificadora. 

     Os artigos abaixo discutem essas questões e pensam o uso de drogas como decorrentes de questões culturais (sociedade de consumo),  subjetivas, sociais e econômicas. Vou postar caso alguém queira  ler:  

    http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-81232006000300028&script=sci_arttext

     http://www.appoa.com.br/download/Revista%2026%20-%20Sociedade%20de%20consumo%20e%20toxicomanias.pdf

    http://www.appoa.com.br/uploads/arquivos/revistas/revista26_-_psican%C3%A1lise_e_redu%C3%A7%C3%A3o_de_danos.pdf

    http://www.urutagua.uem.br/006/06reale.pdf

  5. Creio que chegamos num

    Creio que chegamos num impasse: se a família, por diversos e infinitos motivos não tem condições de educar e acompanhar os filhos, quem fará isso? Resposta pronta: o Estado. O impasse é exatamente esse: com esse modelo de escola que temos, também não é possível fazer essa substituição, porque a escola tem que ser livre, democrática, aberta, etc. Só que educação tem a ver com disciplina, regramento e fechamento de algumas opções para crianças e adolescentes, mas ninguém quer assumir isso. É preciso assumir que limites e disciplina não se confundem com repressão e que precisam ser postos na mesa quando se trata de formação humana.

  6. É bem interessante a

    É bem interessante a postulação. Mas acho que o problema começa bem antes. Acho que alguém ou o Estado deveria cuidar – ter uma equipe – para orientar as pessoas quando do início da idade fértil para saber o porquê de querer filho. O pessoal é fissurado em fazer filhos. Mas para quê? Para servir de mão de obra barata para a sociedade megeras? Para servir de mão de obra barata para o tráfico? Para suprir de gente o mundo para e polícia e judiciário possam a cada dia ter mais o que fazer? Só vejo essas três finalidades para fazer tanto filho. Porque ao invés de filhos, esse pessoal não cria cachorro? Mas não, querem filhos e dão mais atenção e dispensam mais tempo, cuidado, dinheiro e carinho ao cachorro. Vá entender….

  7. Você está enganado sobre esse “tantos filhos”

    Ao contrário do que você pensa, a natalidade no Brasil decresceu muito, ao ponto de estar abaixo da taxa de reproduçao da populaçao (nao sei exatamente a taxa, quem sabe disso, e já falou várias vezes sobre isso, é o Gunter). 

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