Exigência de 25 anos de contribuição criará milhões de Daniel Blakes, por Laura Carvalho

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Foto:divulgação

Jornal GGN – Laura Carvalho, professora da USP e colunista da Folha de S. Paulo, fala sobre a reforma da Previdência e diz que, embora necessárias, é preciso analisar se as mudanças propostas vão contribuir para ampliar ou reduzir as desigualdades.

Ela cita um estudo de pesquisadores do Ipea que mostra que o sistema previdenciário dos servidores públicos acaba contribuindo para aumentar a desigualdade, enquanto o sistema geral para os trabalhadores CLT ajuda a reduzi-la. 
 
A professora crê que um dos pontos mais prejudiciais à população mais pobre na reforma proposta pelo governo Temer é a exigência de tempo mínimo de contribuição de 25 anos para todos os trabalhadores. 

 
“Dado o grau de informalidade do nosso mercado de trabalho, comprovar 25 anos de trabalho já não seria nada fácil para os trabalhadores mais pobres, sobretudo em áreas rurais”, argumenta.

Da Folha

Exigir 25 anos de contribuição criará milhões de Daniel Blakes

por Laura Carvalho

Como já havia indicado na coluna “O velho Brasil”, ajustes no sistema previdenciário serão sempre necessários para adaptar-se às mudanças demográficas de cada país. A pergunta crucial —e que, finalmente, vem ganhando algum espaço no debate brasileiro sobre a reforma da Previdência— é se as mudanças propostas pelo governo contribuirão para a ampliação das desigualdades ou, ao contrário, reduzirão sobretudo os privilégios.

A resposta a essa pergunta e a eventual elaboração de propostas alternativas que confiram mais atenção aos efeitos distributivos do sistema previdenciário —evitando que os mais vulneráveis paguem o pato— devem distinguir entre os vários aspectos da reforma proposta.

Quanto ao sistema previdenciário atual, como revela estudo de Marcelo Medeiros e Pedro Ferreira de Souza, do Ipea, é necessário analisar separadamente o RPSS (regime de previdência especial dos servidores públicos) e o RGPS (regime geral de previdência dos trabalhadores CLT).

Os dados mostram que o sistema de servidores ainda contribui para elevar a desigualdade, enquanto o sistema geral contribui para reduzi-la.

As aposentadorias de servidores com benefício acima do teto do INSS, que beneficiam 1% da população, são as principais responsáveis por esse resultado e respondem por 7% de toda a desigualdade de renda do país.

Importante ressaltar, no entanto, que os funcionários civis da União que entraram depois de 2013 já não terão direito à aposentadoria integral: estão sujeitos ao teto do INSS e contribuem para uma previdência complementar.

Ainda que leve algum tempo, essa mudança por si só resolverá não apenas o caráter concentrador de renda do sistema mas também boa parte do deficit previdenciário calculado pelo governo, do qual mais da metade refere-se ao sistema de previdência dos servidores federais.

Quanto aos efeitos da reforma proposta, entre os diversos argumentos propagados pelos economistas do governo para defender que a reforma atacará sobretudo os mais privilegiados, há um que merece maior consideração: como a grande maioria dos mais pobres já se aposenta por idade, o estabelecimento de uma idade mínima de 65 anos afetará essencialmente aqueles que recebem benefício maior, que hoje se aposentam por tempo de contribuição.

Ainda que a nova idade mínima também vá adiar a aposentadoria das mulheres mais pobres, é verdade que o problema maior da reforma, no que tange aos seus efeitos distributivos, não é a idade mínima de 65 anos. Os pontos que mais prejudicarão os mais vulneráveis são a exigência de tempo mínimo de contribuição de 25 anos para todos os trabalhadores e a desvinculação do BPC do salário mínimo.

Dado o grau de informalidade do nosso mercado de trabalho, comprovar 25 anos de trabalho já não seria nada fácil para os trabalhadores mais pobres, sobretudo em áreas rurais. Exigir 25 anos de contribuição mensal desses trabalhadores equivale, na grande maioria dos casos, a eliminar totalmente sua possibilidade de aposentadoria.

Seriam milhões de novos Daniel Blakes na Amazônia, no sertão e nas favelas brasileiras. A maior parte deles migraria —aos 70 anos somente, pela nova regra— para o BPC, que se destina a todos os que têm renda per capita familiar inferior a um quarto de salário mínimo ou alguma deficiência comprovada.

Receberiam então um benefício que, pela desvinculação proposta, pode vir a ser menor que um salário mínimo a depender da disputa pelas fatias do Orçamento.

Os economistas do governo, pelo visto, querem que desconfiemos mais dos beneficiários mais pobres do que da boa vontade do Congresso.

 
Redação

6 Comentários

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  1. O mais interessante é:

    Metade da população brasileira é feminina. E esta foi a parcela que mais contribuiu para a queda da presidenta Dilma. Conclusão: A proposta agora é as mulheres terem que trabalhar 10 anos a mais para se aposentarem.

    Mulher que apoia homem só toma naquele lugar, não aprendem nunca…

    1. É um personagem de um filme.
      É um personagem de um filme. Ele trabalhou por muitos anos, sofre um infarto e precisa se aposentar, mas não consegue. Detalhe: se passa na Inglaterra da atualidade. Concorreu no festival de Cannes. Filme bom!

    2. Daniel Blake é um personagem

      Daniel Blake é um personagem de um filme quase homônimo, em que o personagem principal após um ataque cardíaco é aconselhado pelo médico a não retornar ao trabalho, e se depara com dificuldades ao solicitar ao governo sua aposentadoria.

      “Após sofrer um ataque cardíaco e ser desaconselhado pelos médicos a retornar ao trabalho, Daniel Blake (Dave Johns) busca receber os benefícios concedidos pelo governo a todos que estão nesta situação. Entretanto, ele esbarra na extrema burocracia instalada pelo governo, amplificada pelo fato dele ser um analfabeto digital. Numa de suas várias idas a departamentos governamentais, ele conhece Katie (Hayley Squires), a mãe solteira de duas crianças, que se mudou recentemente para a cidade e também não possui condições financeiras para se manter. Após defendê-la, Daniel se aproxima de Katie e passa a ajudá-la.” http://www.adorocinema.com/filmes/filme-241697/

  2.  Infelizmente, nem a Laura se

     Infelizmente, nem a Laura se salva nessa discussão pouco informada sobre previdência que é publicada nos jornais.

    Não é verdade que mudanças demográficas impliquem aumento do tempo de trabalho, como se fosse uma lei da natureza. O que está em questão é a escolha (social, no caso) entre renda e lazer. Em diversos países, a expectativa de vida aumentou, a taxa de natalidade diminuiu e a jornada de trabalho foi reduzida. Na Suécia, acabaram de reduzir a jornada para 6 horas diárias.

    Não é verdade que deficit da previdência signifique que um sistema previdenciário é insustentável intertemporalmente. São dois conceitos diferentes. É perfeitamente possível ter um sistema sustentável com 100% de deficit (definido como gastos com aposentadorias menos contribuições dos trabalhadores). Já foi citado aqui mesmo no GGN o caso da Dinamarca, país no qual o 75% do gasto previdenciário é arcado pelo estado (ou seja, financiado, em última instância, por impostos).

    Não tem sentido dizer que o deficit se deve aos funcionários públicos. Quando alguém entrou no serviço público, ele o fez num determinado regime previdenciário. O que isso significa? Que houve um contrato entre o funcionário e o estado. Teoricamente, o estado ofereceu ao indivíduo uma determinada renda a ser paga ao longo de sua vida ativa e inativa. Apenas para exemplificar: ao professorado foi oferecido um salário (baixo), uma jornada de trabalho dura, tempo de contribuição menor e uma aposentadoria integral (para os antigos professores, pois o sistema mudou para os novos, como assinala a Laura). Foi com base nesse contrato que o funcionário planejou a sua vida. O contrato pode ser quebrado ou ter cláusulas alteradas pelo estado? Evidentemente que sim, mas o rompimento contratual acarreta, em tese, custos para quem o faz.

    O Brasil precisa discutir seu sistema previdenciário (que eu considero muito bom)? Digamos que sim. Em que bases essa discussão deve ser feita? Num ambiente democrático e as escolhas devem ser apresentadas claramente à sociedade. Um ótimo documento sobre o assunto “Reformar para excluir?” disponível na rede.

  3. O Brasil é muito grande, mas
    O Brasil é muito grande, mas acho muito injusto, que um trabalhador(a), que contribuiu por 30 ou 35 anos, num prazo de 05 anos, aproximadamente, receber o mesmo salário mínimo que uma pessoa que só contribuiu por 05 agora 15 anos, principalmente pelo que vejo na cidade de São Paulo, ainda que os descontos​ continuassem após a aposentadoria.
    Esses malditos saqueadores do dinheiro público, apoiado pela Mídia, principalmente a televisiva, incutiram na cabeça dá população que receber o mesmo salário dá ativa é privilégio quando na verdade é justiça.

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