FMI contradiz Meirelles e afirma que prioridade deve ser combate à desigualdade

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Jornal GGN – Christiane Lagarde, presidente do Fundo Monetário Internacional (FMI) disse no Fórum Econômico Mundial de Davos que o Brasil, assim como outros países, deveria inserir o combate à desigualdade social na agenda econômica. 

“Não sei por que as pessoas não escutaram a mensagem [de que a desigualdade é nociva], mas certamente os economistas se revoltaram e disseram que não era problema deles. Inclusive na minha própria instituição, que agora se converteu para aceitar a importância da desigualdade social e a necessidade de estudá-la e promover políticas em resposta a ela”, disse.

Segundo informações da BBC Brasil, a fala de Lagarde saiu na sequência de um comentário do ministro da Fazenda Henrique Meirelles sobre o país não ter uma classe média consolidada há muito tempo, embora seja uma das principais camadas prejudicadas pelos impactos do ajuste fiscal do governo Temer.

Da BBC Brasil

Após ouvir o ministro da Fazenda brasileiro, Henrique Meirelles, defender a necessidade de adotar amargas reformas, como o governo Michel Temer tem feito no país, a presidente do FMI (Fundo Monetário Internacional), Christine Lagarde afirmou nesta quarta-feira (18) que a prioridade das políticas econômicas precisa ser o combate à desigualdade social.

O comentário de Lagarde ocorreu durante a participação de ambos em um painel do Fórum Econômico Mundial, que ocorre em Davos, na Suíça.

Questionado pela moderadora sobre como convencer a classe trabalhadora a aceitar reformas que exigirão dela “grandes sacrifícios”, Meirelles havia dito que o Brasil, diferentemente dos países ricos, não tem a tradição de uma classe média sólida, o que tornaria necessário o pacote de medidas –que inclui a instituição de teto para os gastos públicos, afetando áreas como saúde e educação.

“Nos países em desenvolvimento temos uma dinâmica diferente, não temos uma história de classe média crescente ou grande parte da população sendo classe média, como é nos países desenvolvidos. Isso é um fenômeno recente no Brasil”, afirmou o ministro.

“Nos últimos quinze anos, vimos a proporção da classe média na população dobrar. E isso aconteceu ao longo da última década. Por causa da recessão que vimos nos últimos anos, essa dinâmica se inverteu, mas isso é um problema de curto prazo”, disse Meirelles.

Lagarde respondeu na sequência.

“Não sei por que as pessoas não escutaram a mensagem [de que a desigualdade é nociva], mas certamente os economistas se revoltaram e disseram que não era problema deles. Inclusive na minha própria instituição, que agora se converteu para aceitar a importância da desigualdade social e a necessidade de estudá-la e promover políticas em resposta a ela”, afirmou a francesa.

Desigualdade no foco

Meirelles também havia argumentado que os problemas brasileiros são recentes.

“Isso se deve à recessão dos últimos anos e está afetando a classe média e, em particular, a de baixa renda. Em resumo, a saída para uma economia como a brasileira é voltar a crescer de novo, criando empregos novamente e se modernizando abrindo o mercado de forma a se tornar mais eficiente”, afirmou.

“Estamos em um outro momento do que as economias ricas. Estamos estabelecendo a classe média, fazendo ela crescer com a abertura da economia”, defendeu.

Em sua fala, porém, Lagarde destacou que a desigualdade social precisa estar no centro das atenções dos economistas se eles quiserem um crescimento sustentável e, como consequência, uma classe média forte.

“Nosso argumento é de que, se há excesso de desigualdade, isso é contraprodutivo para o crescimento sustentável ao qual os membros do G-20 aspiram”, disse.

“Se quisermos um pedaço maior de torta, precisamos ter uma torta maior para todos, e essa torta precisa ser sustentável. O excesso de desigualdade está colocando travas nesse desenvolvimento sustentável”, afirmou, retomando a mensagem central do discurso de abertura que fez no Fórum de 2013.

Desemprego e Quarta Revolução Industrial

Um estudo do próprio FMI de 2013, assinado pelos especialistas Jaejoon Woo, Elva Bova, Tidiane Kinda e Y. Sophia Zhang, aponta que políticas de controle de gastos públicos resultam na geração de desemprego a curto prazo, o que contribui para a contração da classe média e o aumento do fosso social entre ricos e pobres.

O estudo mostra que pacotes de ajustes fiscais como o adotado pelo Brasil podem ter resultados adversos, dependendo das estratégias escolhidas na gestão pública.

“Pacotes de cortes nos gastos públicos tendem a piorar mais significativamente a desigualdade social, do que pacotes de aumentos de impostos”, afirma o levantamento.

O documento de 2013 revisou políticas de ajuste fiscal executadas durante os últimos 30 anos por países desenvolvidos e em desenvolvimento.

A conclusão foi de que o primeiro reflexo de cortes nos gastos públicos é um aumento do desemprego e consequente aumento da desigualdade social, indicador medido pelo índice Gini –um coeficiente Gini 0 representa a plena igualdade, enquanto que 1 é o máximo de desigualdade.

Na média, um corte nos gastos da ordem de 1% do PIB gera aumento de 0,19 ponto percentual no nível de desemprego durante o primeiro ano, enquanto o aumento da desigualdade no índice Gini oscila de 0,4% a 0,7% nos dois primeiros anos, afirma o estudo.

Em termos amplos, é o desemprego gerado pelo corte nos gastos o grande vilão. “De forma aproximada, cerca de 15% a 20% do aumento de desigualdade social por conta de pacotes fiscais ocorrem por causa do aumento de desemprego”, diz o relatório.

Políticas públicas
No debate em Davos, Lagarde recomendou a escolha cautelosa de políticas públicas no contexto da quarta revolução industrial, de modo que governos como o do Brasil não olhem apenas para os desafios imediatos da globalização, mas se preparem para o futuro de longo prazo.

“Estamos agora em um momento muito oportuno para colocar em prática as políticas que sabemos que irão funcionar (…) Um momento de crise, como o ministro [Meirelles] disse, é o momento de avaliarmos as políticas que estão em ação, o que mais podemos fazer, que tipo de medidas tomamos para reduzir a desigualdade social?”, questionou a presidente do FMI.

“Qual tipo de rede de apoio social temos para as pessoas? Qual o tipo de educação e treinamento que oferecemos? O que temos em ação para responder não apenas à globalização, mas às tecnologias que irão descontinuar e transformar o ambiente de trabalho no longo prazo?”, acrescentou.

“Há coisas que podem ser feitas: reformas fiscais, reformas estruturais e políticas monetárias. Mas elas precisam ser graduais, regionais, focadas em resultados para as pessoas e isso provavelmente significa busca uma maior distribuição de renda do que há no momento”, reforçou Lagarde.

À BBC Brasil o professor e ex-ministro do Planejamento e do Trabalho Paulo Paiva afirmou que a produtividade é o grande desafio que o Brasil tem pela frente para a retomada do crescimento e, a julgar pela história recente, os ventos demográficos não estão a favor do país.

“O crescimento econômico é composto de crescimento da força de trabalho e da produtividade. Tivemos dois períodos distintos na nossa história recente: de 1950 a 1980 e de 1980 até hoje”, introduziu.

“De 1950 a 1980 a economia brasileira cresceu a uma taxa média de 7% ao ano. Se eu decompor esse número em crescimento da força de trabalho e ganho de produtividade, houve um aumento de 2,8% do PIB por causa da população e 4,2% de ganho de produtividade, que inclui melhor qualificação do trabalhador e ambiente de trabalho.”

“De 1980 para cá, decompondo o crescimento da mesma forma, 0,9% se de deu pelo aumento da população e 1,5% pelo ganho de produtividade. Então isso dá 2,4% de crescimento médio anual do PIB”, acrescentou.

“O problema é que a partir de 2015-30 a população não vai mais crescer, então se o Brasil não fizer nada [para aumentar o ganho de produtividade] está fadado a um crescimento de 1,5% ao ano. Essa é a visão mais dramática que temos pela frente e você pode imaginar o impacto dessa quarta revolução industrial numa situação dessa.”

Vendendo o Brasil
Depois do painel, Meirelles participou de entrevista coletiva em conjunto com o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn. No encontro com a imprensa, ele buscou vender a ideia de que o Brasil está em plena recuperação –e de que é um bom momento para investidores estrangeiros aportarem no país.

O ministro reforçou que as reformas da Previdência e trabalhista irão permitir ao Brasil se beneficiar ainda mais da globalização. “No caso dos emergentes, a globalização foi definitivamente positiva. No caso do Brasil especificamente, o que precisamos fazer é reformar a economia para obtermos maiores vantagens da globalização, porque esse não foi o caso até o momento”, afirmou.

“O crescimento brasileiro no passado foi muito baseado no mercado doméstico. Temos que aproveitar melhor a globalização como outros emergentes o fizeram, e estamos caminhando nessa direção.”

O Presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, fez questão de apontar que o Brasil tem reservas da ordem de 20% do seu PIB e deverá utilizar esse recurso para manter as taxas cambiais dentro do esperado, amortecendo qualquer ataque ou volatilidade inesperada em relação ao real.

Meirelles também afirmou que a entrada de capital estrangeiro continua forte e que, diferentemente de outros emergentes, não se desenha no horizonte brasileiro o risco de uma fuga de capitais, conclusão que pesou para a decisão de cortar em 0,75 ponto percentual a Selic (taxa básica de juros) anunciada na semana passada.

“Não estamos vendo uma saída de capital que exija que o Brasil use suas reservas para segurar o valor de sua moeda. Muito pelo contrário, estamos em uma posição equilibrada. Estamos em uma recuperação econômica”, afirmou.

“Apenas para dar os números que sustentam isso: o investimento estrangeiro direto no país está próximo de 4,4% do PIB e o deficit de conta corrente é de pouco mais de 1,1%, então há uma grande diferença, um é quatro vezes maior que outro”, concluiu Goldfajn.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

4 Comentários

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  1. O GGN podia fazer uma matéria

    O GGN podia fazer uma matéria sobre as vezes em que Lula este em Davos, discursando pra uma imensa platéia, e sendo aplaudido de pé. 

    Lula não fez vergonha ao Brasil em nenhum desses eventos; pelo contrário. 

    Agora, aquele ministro da Indústria, e mais alguma coisa, sequer tem cara de quem merece respeito, Tá mais pra pastor da Universal. E nem falar em Serra, que, de tão apagado, viaja mais pra aproveitar o cargo, se não tem compromisso com coisa nenhuma, a não ser o de manter suas contas na Suíça.

  2. Meirelles vs FMI

    Que coisa ótima. Significa que se o Brasil quebrar realmente como costumava fazer na década de 90, não terão moral para irem de pires na mão pedir nada ao FMI, pois Meirelles bateu boca com a Diretoria deste órgão.

    Na melhor das hipóteses, o neoliberalismo brasileiro estará completamente sozinho, para arcar com as consequencias de suas decisões, não poderá contar com FMI, nem com Trump, nem com ninguém.

    ————-

    Em breve não só a população brasileira parará de crescer, mas irá decrescer. Não podia ser diferente, pois com uma carga tributária destas, um desemprego destes, num país onde salvo raras excessões só se vive em crises, o brasileiro médio não consegue condições nem para se sustentar, que dirá para sutentar uma família com filhos.

    Quando a população brasileira começara a decrescer, devido à baixa taxa de natalidade, que cai sem parar, o PIB brasileiro  irá desabar mais ainda, mas o desemprego irá desabar também. Então aqueles que criaram esta crise ( ou melhor, o mercado ), colherão os seus frutos sozinhos.

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